Texto porJuicy Santos
Santos

O ataque dos vendedores de roupas

Entrei no shopping apressado para ir ao banheiro.

Tentamos disfarçar o constrangimento olhando no espelho ou lavando as mãos inutilmente antes de adentrar à cabine, mas os banheiros de shopping deveriam estar nas orações dos fiéis salvos em emergências cotidianas.

A caminhada entre a porta automática e o corredor com bebedouros parecia mais demorada. A quantidade de vendedores de roupas me assustou. Lojas com vestimentas para jovens, homens, mulheres, geeks. Esportivas, sociais.

Havia até acessórios para bebês, ainda que eles não saibam responder se o pagamento será em débito ou crédito.

Placas coloridas com nomes inspirados em termos estrangeiros, cidades distantes e interjeições. Meus passos apressados foram interrompidos pela abordagem dos atendentes.

Um de barba aparada, gírias amigáveis e cabelos exóticos; outra de sorriso constrangedor e voz suave. A velhice parecia proibida naquele corredor.

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Tentava me desvencilhar educadamente. A ingrata missão a portas trancadas me exigia foco e mais alguns passos.
Distraído, pensei que as roupas dos concorrentes fossem todas iguais, com a sedução para entrar em cada uma delas dependendo de estratégias ensinadas por famosos gurus das vendas.

As promoções ditas imperdíveis não me atraíam, não senti necessidade de renovar o guarda-roupas. A caminho do cinema, via estampas idênticas umas às outras.

Rumo à praça de alimentação, tive a ilusão de ver casais vestindo uniformes comprados depois de abordagens insistentes.

Tentavam me convencer que me visto mal, mas me contento com o casaco vermelho, comprado para o inverno de 2012. Só espanto o mofo das jaquetas uma vez por ano. Antes de cumprir a missão inadiável que me levou àquele shopping, amaldiçoei as fábricas, o capitalismo e meu intestino.

Não tinha dinheiro para ajudar os vendedores a bater suas metas. Depois de voltar da missão inadiável, me espantei com sua mudança de humor. Já não pareciam tão alegres quanto na minha chegada. Falavam mais baixo que na primeira abordagem e não insistiam em me convencer que sou especial e por isso mereço os novos lançamentos da linha 2019.

Esperando o ônibus no ponto, fiz uma pesquisa de camisas com estampas psicodélicas na internet e senti remorso por ser cúmplice do desespero no cumprimento de metas. Pensei no fim do meu último relacionamento e na minha impaciência em ficar deslizando a mão em cabides pendurados, divididos por categorias aleatórias. Prefiro olhar, escolher, experimentar e ir embora. Sem muita demora, não trato vestimentas como o catálogo de filmes da Netflix.

Em casa, resolvi escolher pijamas para vestir depois do banho. Mas não tenho pijamas. Nem sapatos sociais e camisas vermelhas. Meu guarda-roupas é limitado e capenga.

São furos visíveis que me obrigam a renovar as vestimentas. Fui dormir pensando em problemas do trabalho. Acordei suando e assustado com um pesadelo.

Nele, um espírito de sobretudo preto e rosto oculto me ameaçava com uma foice. Eu era obrigado a estourar o limite do cartão de crédito com desnecessárias camisas de estampas grotescas, calças rasgadas mostrando os joelhos e bonés cafonas.

No dia seguinte, o uniforme da empresa me pareceu mais confortável.

*Leandro Marçal é jornalista e autor dos livros De Letra: O futebol é só um detalhe e No caminho do nada (2ª edição). Escreve crônicas no Tirei da Gaveta

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