Texto porJoão Freitas

Constelação Familiar Sistêmica: o que é e para que serve

Eduardo e Mônica foram casados durante 16 anos. Tiveram um casal de filhos gêmeos (hoje com 12 anos), batalharam grana e enfrentaram muitas barras juntos. Mas, como canta uma outra letra do Legião Urbana, ela tinha muitos planos e ele só queria estar ali, pois não tinha para onde ir.

No momento da separação, Eduardo sente que está sendo abandonado, não quer encerrar a relação e ainda fica apavorado com a possibilidade de ficar sem ver seus filhos.

E ele também sente que investiu muito na relação, que fez tudo o que Mônica sempre quis e que, mesmo assim, ela não reconhece o seu valor na relação. Acuado, ele passa a tentar postergar a separação pelo máximo de tempo que puder. Se recusa a conversar com o advogado de Mônica, pois nem quer saber quais serão as consequências disto. Como ela pode pensar só nela e acabar com tudo deste jeito? Ainda é cedo!

Monica está esgotada. Os filhos gêmeos na pré-adolescência não param! A filha, descobrindo o mundo feminino, pede novas maquiagens e roupas. Tem seu canal no YouTube e gasta um kit de maquiagem a cada semana. O filhinho do Eduardo, diagnosticado com hiperatividade, não consegue ter um rendimento padrão na escola. Apresenta problemas de relacionamento com os colegas e parece não ouvir uma só palavra do que as pessoas falam com ele. Enfim, vive em uma “bolha”. Ela precisa refazer sua vida e não vê mais sentido na relação com Eduardo. 

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Uma negociação em um processo de separação é possível? Depende das pessoas envolvidas…

O advogado do Eduardo, em um primeiro momento, tenta explicar as vantagens de um pedido conjunto de separação. A proposta dele é que o casal, com seus respectivos advogados, tentem primeiramente conversar e redigir um acordo de separação.

O advogado sabe que esta é uma tarefa muito difícil. Reunir um casal nestas condições e tentar um acordo. Essas reuniões demoram horas e nem sempre têm resultado esperado. Muitas vezes é um misto de acusações, brigas e choros. Mas realizar um acordo significa que o casal pode definir sozinho, item a item da separação, do seu jeito.

Entrar em acordo pode ser uma briga

Ao ingressar no Judiciário sem acordo, é grande a possibilidade de que a decisão final de separação não agrade nem a gregos e nem a troianos, pois poderá ser um retrato fiel do que diz a lei.

Na reunião no escritório do advogado de Eduardo tudo corria bem enquanto falavam do patrimônio. Ambos concordavam com a partilha dos bens, com o que ficaria com cada um. No entanto, quando passaram a falar sobre a guarda das crianças, Eduardo colocou o ponto final na possibilidade de acordo: queria ficar com a guarda do menino e a Mônica ficaria com a menina. Ele sentia que o menino precisava ter mais atenção e cuidados médicos. Após algumas ofensas, a reunião precisou ser encerrada. O advogado da Mônica deu entrada no pedido judicial de separação no dia seguinte. 

O Judiciário adota diferentes técnicas de tratamento e resolução de situações de conflitos de interesse.

No Judiciário, as Varas de Família estão lotadas de casos em que a conversa foi interrompida por ausência de condições de prosseguir com o diálogo. É a área em que mais percebemos que talvez uma conversa a mais teria evitado o processo judicial. Justamente por este motivo é que existe um amplo apoio de psicólogos e assistentes sociais. As audiências de conciliação podem acontecer a qualquer momento e não há um limite de quantidade, pois sempre que uma das partes estiver disposta a tentar um acordo, a audiência poderá ser agendada; e outros meios alternativos e complementares de resolução de conflitos são sempre bem vindos.

Nesse sentido, o Conselho Nacional de Justiça – CNJ editou uma Resolução de nº 125/2010, que abre as portas do Judiciário para práticas alternativas de tratamento adequado e resolução de conflitos de interesses. Os Tribunais estaduais e as comarcas passaram a ser responsáveis pelo treinamento de pessoas que pudessem mediar e buscar composição, além de registrar estatísticas de sucesso dos diferentes métodos que fossem utilizados.

Foram assimiladas as Oficinas de Parentalidade, a mediação, os estudos psico-sociais, as Constelações Familiares e muitas outras práticas.

O que é Constelação Familiar Sistêmica?

A Constelação Familiar Sistêmica é uma técnica de terapia breve, mas com efeitos profundos.

O método vem ganhando cada vez mais espaço no Judiciário. Trata-se de uma proposta criada pelo psicólogo alemão Bert Helinger, na qual o indivíduo é percebido a partir da sua herança sistêmica. Cada um de nós repete padrões de comportamento e sentimentos herdados de nossos antepassados. Na maior parte das vezes, essa repetição sequer passa pela nossa consciência ou é avaliado antes de agirmos.

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Para dar um exemplo, vamos lembrar uma cena de família: Mônica está na cozinha e vai preparar o peixe assado que aprendeu com sua mãe. O filhinho do Eduardo a interrompe, perguntando por que ela está cortando a cabeça e o rabo do peixe. Ela responde que sempre fez assim, que sua mãe fazia assim. Não contente, ele liga para a mãe da Mônica e pergunta: Vó, porque você corta a cabeça e o rabo do peixe antes de assar?.

E ela dá a mesma resposta: eu sempre fiz assim, minha mãe fazia assim. Mas vamos ligar para a sua bisavó para descobrir. Esta prontamente responde: eu não sei porque vocês cortam a cabeça e o rabo do peixe, mas eu cortava porque minha forma era muito pequena.

E a repetição de padrões ocorre com tudo na nossa vida, desde o modo como se recebe um elogio, como nos sentimos em um ambiente estranho até a forma como tratamos as pessoas, como lidamos com o dinheiro, como escolhemos os locais que frequentamos.

A proposta das constelações é trabalhar um aspecto específico, em um encontro. As constelações podem ser individuais, somente com o terapeuta e o constelado ou em grupo. Pessoas ou mesmo bonecos (nas constelações individuais) são colocados para substituir os envolvidos. E a pessoa que vai constelar seu problema apenas observa os movimentos.

O que ocorre a seguir é chamado de evento fenomenológico, sem vínculo com qualquer religião.

As pessoas que estão representando passam a relatar o que sentem e como percebem o outro. De acordo com as reações dos personagens, a terapeuta (via de regra, com formação em Psicologia) vai intervindo e solicitando que movimentos sejam feitos e frases sejam ditas.

Fazem-se afirmações de reconhecimento do valor do outro, de perdão e de aceitação de cada um. Fala-se sobre como é e como conseguiu ser, de encerramento de relações e de acolhimento do sofrimento de todos os envolvidos. Pode ser pedido que você reverencie seus antepassados, agradeça a vida e também devolva a ele aquilo que você carregava sem saber.

As constelações familiares funcionam com base em três princípios norteadores que são as Leis do Amor:

  1. a necessidade de pertencer ao grupo ou clã;
  2. a necessidade de equilíbrio entre o dar e o receber nos relacionamentos;
  3. a necessidade de hierarquia dentro do grupo ou clã.

Como funcionam as Leis das Constelações? 

Todo o trabalho das Constelações Sistêmicas está baseado nas três Leis do Amor: pertencimento, ordem e equilíbrio.

Todos as pessoas que me antecederam – pais, avós, tios, bisavós, tataravós e infinitamente para trás – tiveram um papel importante para que eu chegasse a esse momento. Eles passaram por guerras, fome, vieram da Europa fugidos, enfrentaram o novo de chegar a um local desconhecido. Tudo para me colocar na vida. Todos pertencemos ao sistema familiar, fazemos parte e temos o direito de ser reconhecidos.

Mas não temos todos o mesmo papel. A ordem de nascimento coloca cada um no seu devido lugar. Os pais sempre serão maiores que os filhos. Assim, os filhos devem curvar-se ao valor de seus pais. Quando um filho se sente maior que seu pai, a ordem é invertida. E isso traz consequências para todo o sistema. Quando um irmão mais novo se coloca no lugar do irmão mais velho, novamente está havendo uma violação da ordem, e um descendente mostrará este desequilíbrio.

Além disto, todo sistema ou mesmo um relacionamento entre duas pessoas precisa de um equilíbrio entre dar e receber. Cada indivíduo coopera com aquilo que consegue, com aquilo que aprendeu, mas precisa ter a sensibilidade de não assumir uma postura de exclusivamente ser servido e não contribuir. Pois agindo assim, criará um débito com o outro que em algum momento será cobrado.

Uma transgressão de qualquer destas leis implica em desequilíbrio, doença, falta de motivação, sentimentos de desvalia, não pertencimento, de estar fora do lugar, de ser inconveniente. A constelação busca reequilibrar os aspectos que estão gerando desequilíbrio no sistema.

Estar de acordo com essas leis implica em sentir a consciência tranquila e estar em paz.

Entendi as leis, mas isso já basta? 

Bert Helinger foi muito além. Baseado nestas leis e no conhecimento que possui de psicanálise, criou uma metodologia de atendimento breve. A técnica pode ser aplicada individualmente em consultório ou em grupos de pessoas que se colocam a disposição para auxiliar as pessoas que querem constelar. Um misto de psicanálise e psicodrama agregados à brevidade e objetividade do tratamento que tornam a terapia acessível e mais eficaz.

Para ele, situações mal resolvidas por seus antepassados podem estar gerando efeitos que nem imaginamos.

E o nosso comportamento pode ser o catalisador de desequilíbrios que percebemos em nossos descendentes.

Na situação do Eduardo e da Mônica, cada um dos filhos é entendido como sendo 50% seu pai e 50% sua mãe. Quando um dos pais retira o valor do outro, a criança sente como se uma parte sua fosse negada e excluída. Os 50% do genitor desvalorizado não são aceitos, não pertencem. Assim, por se sentir excluída, a criança passa a buscar atenção de várias formas: indo mal na escola, agredindo e criando caos com suas ações. Durante a constelação estes aspectos aparecerão e precisarão ser trabalhados.

Hellinger tem hoje 93 anos, 15 obras traduzidas para o Português e um instituto que forma profissionais nas constelações em todo o mundo. Segundo ele, quando se age de acordo com as leis, a vida flui e nossos objetivos se desenvolvem. Quando as transgredimos, a consequência é perda da saúde, da vitalidade, da realização e dos bons relacionamentos, assim como o fracasso nos objetivos de vida.

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E o como o Judiciário tem utilizado a constelação familiar sistêmica? 

As constelações foram incluídas no Judiciário pelo juiz Dr. Sami Storch, da 2ª Vara de Família de Itabuna/BA.

Segundo ele, após as sessões de constelação, que passaram a ser feitas uma semana antes das audiências de conciliação, as pessoas se mostravam muito mais propensas a fazer acordos. As estatísticas dele chegaram a apontar 100% de sucesso nos processos em que a constelação foi utilizada. Com o tempo, mais tribunais foram adotando as constelações e hoje existe esta possibilidade em 26 estados.

Por todo o Brasil, a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) tem apresentado a técnica aos advogados e realizado cursos, no sentido de que todos os envolvidos possam conhecer e perceber como as constelações familiares podem cooperar na tarefa de tratar adequadamente e resolver os conflitos.

Como resultado, após o ingresso do processo, antes mesmo da audiência de conciliação, as partes recebem um convite para participar de uma sessão de constelação.

Portanto, é uma oportunidade para que os envolvidos possam refletir sobre o seu papel no sistema familiar e como seus atos, palavras e sentimentos tem gerado efeitos para todos os membros do sistema familiar.

Nos processos de separação, inventários com brigas entre herdeiros, discussão por guarda de crianças (e até de animais de estimação), as constelações auxiliam a perceber os comportamentos individuais e como eles repercutem.  Isso acaba refletindo na abertura que passa a existir para assumir seus erros e ter uma postura mais conciliadora no momento da decisão em audiência de conciliação.

Finalmente, Judiciário quanto advogados têm refletido e aprendido muito com essas técnicas. Pois, em casos de família, a aplicação fria da lei nem sempre resolve o conflito, às vezes só coloca mais “lenha na fogueira”.

Faz parte da realização do direito à igualdade, que as situações recebam do Judiciário um tratamento compatível com a sua natureza.

As questões de família, muito mais do que patrimônio econômico, envolvem os sentimentos, a mágoa, a tristeza, a falta de pertencimento, o desequilíbrio das relações. E para isso, é necessário mais do que direito.

Concluindo, a abertura do Judiciário para técnicas e métodos complementares abre precedente para a solução das demandas. E demonstra o respeito e a delicadeza da Justiça ao tratar de questões tão íntimas e caras para todos nós.