Cinema em Santos – uma história quase secular e digna de filme
Junho de 1897.
Dois anos depois de surgir na França, a história do cinema começou em Santos.
O convite era para um programa diferente e, ao que parecia, mega atraente. O Recreio Miramar, cassino que ficava na praia do Boqueirão (ou melhor, Praia da Barra, como era conhecida na época), era o destino dos santistas que tinham grana para curtir no melhor estilo Las Vegas. Mas naquele mês a diversão mudou de ares: o estabelecimento de muros amarelos recebia uma exibição pública de uma ‘tal’ fotografia animada.
Ninguém sabia ao certo do que se tratava. E a curiosidade lotou as sessões de ‘filmes’ de origem francesa.
Imagem: Reprodução/Memória Santista
As obras, projetados em um omninatographo – meses antes usado no Rio de Janeiro – encantaram o público e são o ponto inicial da história de amor entre Santos e o cinema.
Não, nós não estamos exagerando ao dizer que essa é uma história de amor. Em 1930 Santos era a cidade com o maior número de salas de cinema por habitante do Brasil. Em outras palavras, esse romance é antigo e poderia até ser tema de filme.
Se acaso você se considera cinéfilo, mas não conhece o enredo do amor pelo cinema em Santos – que, inclusive, vai ser tema do baile da cidade em 2020 – chegou o momento de conhecer essa história com o Juicy.
Um pano esticado na Praça de Touros
Diferente do teatro, o cinema acabou por se tornar uma arte mais acessível por aqui.
Prova disso é que o próximo plano de fundo dessa história é uma praça, com um pano esticado e um projetor. A Praça dos Touros (ou Rotunda) ficava na Rua Amador Bueno, onde hoje encontramos o Coliseu, e em 1905 recebeu o primeiro cinema ao ar livre de Santos.
“O cinema não chegou aqui como uma arte para a elite, pelo contrário. Era a forma do público menos abastado ter a oportunidade de entreter-se com uma arte de menor complexidade estrutural. Afinal, bastava um projetor e uma tela”, explica Sergio Willians, jornalista e pesquisador da história de Santos.
Imagem: Reprodução
A aceitação foi instantânea e apesar dos projetores serem um tanto caros e raros, o cinema se espalhou por Santos. Ainda em 1905 dois cinemas abriram às portas na cidade: o Bijou Theatre e o Cine Moderno. E então a lista de locais para assistir filmes não parou mais de crescer.
Cinemas eram, na época, o que são hoje as farmácias
Essa é uma forma resumida de contar a história. O motivo é óbvio: onde você olhava, tinha um cinema em Santos.
“Os santistas tiveram o privilégio de verem muitos filmes na frente da maioria dos brasileiros. Normalmente só os cariocas tinham acesso a mais filmes do que nós. E, às vezes, os paulistanos”, continua Willians.
Só para ilustrar do que estamos falando, essa é uma lista com alguns cinemas que funcionavam por aqui neste época:
- Cine Moderno na Rua XV de Novembro;
- Polytheama Rio Branco;
- Cine Central;
- Parisiense;
- Selecto;
- Theatro Carlos Gomes.
Todos eles exibiam o cinema mudo, ou seja, sem falas. Para trazer emoção às histórias, às vezes uma pequena orquestra acompanhava as sessões e fazia a trilha sonora ao vivo. Só vinte anos depois, em 1929, os santistas assistiram um filme com áudio pela primeira vez.
A Praça de Touros não existia mais. Ou seja, a sessão aconteceu no Teatro Coliseu.
Por falar em teatro, após a primeira guerra mundial o Guarany passou por uma reforma e foi adaptado como cinema. Durante anos ele foi o principal cinema da cidade, já que era o mais confortável e luxuoso entre os tantos que existiam. Anos depois ele acabou perdendo esse glamour, teve um período com filmes adultos e de kung fu em cartaz e então voltou a estrutura original de teatro.
E então surge o Cine Roxy
Está se perguntando quando a história do cinema em Santos vai chegar no presente? Em 1934, quando o Roxy chega à avenida Ana Costa.
Diferente do que tinha visto até então, a cidade passou a frequentar um cinema que tinha os mesmos moldes já tradicionais nos Estados Unidos. Entre outras coisas, as sessões tinham ambiente climatizado com ar-condicionado.
Também no Gonzaga ficavam outros cinemas famosos e que vivem em corações saudosos até os dias de hoje. É possível encontrar quem lembre com carinho do Cinelândia, Cine Gonzaga, Parque Balneário Cássino e Miramar, por exemplo. Em maioria, todos encerram suas atividades na virada dos anos 90 para os anos 2000 por conta da concorrência com os cinemas multiplex.
Cinemas públicos em Santos
Aqui em Santos, além do Roxy ficam na rua as salas do Cine Arte Posto 4 e da Cinemateca de Santos. Ambos equipamentos públicos e que são ignorados por muitos santistas.
Se acaso você é um deles, está comentado um grande erro. E nós vamos te explicar o motivo!
Para começar, o Cine Arte Posto 4 é um cinema que fica na praia (pertinho do Canal 3) e isso é mega santista, né? Além disso, por lá a programação tem semanalmente um filme estrangeiro do circuito alternativo com ingressos por R$ 3. Ou seja, é a chance de ver cinema de arte, com os pés quase na areia e gastando menos do que uma casquinha.
Recentemente Bacurau ficou em cartaz por lá e foi um sucesso. Independente do filme, as sessões são realizadas diariamente às 16h, 18h30 e 21 horas. A gente sempre coloca na agenda da semana qual é o filme da vez!
Já a Cinemateca busca divulgar e o estudar o cinema como arte, entretenimento e todas as formas de expressão. Por isso, lá você encontra um cineclube e também um acervo ENORME com filmes bem variados. Além disso, uma exposição fixa mostra mais de 50 projetores, filmadoras, moviolas e projetores de slide que contam toda a história do cinema.
Outros cinemas em Santos
Para completar a lista de cinemas em Santos, existem hoje os cinemas nos shoppings da cidade. O Roxy continua na Ana Costa e também no interior do Pátio Iporanga, o Cinemark é presença no Praiamar e o Cineflix ocupa o lugar onde anteriormente ficava o Cinespaço no Miramar.
Com isso, Santos continua sendo uma das cidades brasileiras que mais consome cinema no Brasil. Anualmente são em média 1,5 milhão de espectadores na cidade. Ou seja, em média cada santista vai ao cinema quatro vezes ao ano.
Os números impressionam, mas para o crítico de cinema Vinicius Viera, os os cinemas em ainda deixam a desejar.
“Apesar de termos mais de duas dezenas de salas, ou seja, um número de primeiro mundo, ainda não temos salas especializadas em material fora do circuito comercial”, comenta. “Na contrapartida, o Cine Arte continuam tentando ser diferente em meio a um mar de pipocas e combos. Infelizmente são poucos lugares”, finaliza.
Também são recorrentes as reclamações sobre a ausência de filmes com audiodescrição e tradição para libras nos cinemas em Santos. O que dificulta o consumo de pessoas com deficiência visual e auditiva.
Os talentos do cinema em Santos
Apesar dos pontos que precisam ser melhorados, a história do cinema em Santos é longa e como o Vinicius Viera salientou, vivemos em um dos momentos mais confortáveis quando esse é o assunto. Seja pelo número de salas disponíveis na cidade, a quantidade de festivais que acontecem por aqui ou então as faculdades que formam os próximos talentos santistas no cinema.
A Unimonte, atualmente São Judas, foi a primeira a apostar no curso de cinema. Hoje, além dela também é possível estudar a sétima arte na UniSantos. Além disso, o Instituto Querô promove um trabalho social lindo a partir da sétima arte em Santos.
Aliás, em 2019 teve filme de Santos concorrendo ao Oscar dos filmes independentes. Sócrates foi produzido pelos alunos do Querô e revelou nomes como Christian Malheiros e Tales Ordakji para o país.
Em 2020 Santos vai ganhar uma escola pública de cinema. E seus talentos logo devem estar nos festivais que acontecem na cidade. Tais como, por exemplo, o Curta Santos, Santos Film Fest e a Mostra das Minas. Todos eventos com exibições gratuitas e que muitas vezes acontecem ao livre, como em 1905 na Praça de Touros.