Texto porVictória Silva
Jornalista, Santos
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Os desafios de ser surdo em Santos – e como você pode ajudar

Ela vive em Santos há cerca de 20 anos. Esse tempo foi mais do que suficiente para conhecer a cidade como as palmas de suas mãos e criar uma lista enorme de amigos. Também conseguiu um trabalho e a mesma autonomia que tinha em sua cidade natal, São Paulo. Mas em 2019 Lucília Lopes ainda precisa de ajuda para realizar atividades corriqueiras como, por exemplo, ir ao médico.

Apesar de toda sua autonomia, a senhora de 66 anos não consegue se comunicar com boa parte da população. Aliás, somos nós que não sabemos falar a língua dela – apesar de ser a segunda oficial do país.

Lucília faz parte dos 10 milhões de brasileiros que são surdos – dado divulgado no censo de 2010 do IBGE. Não existe uma estimativa do número de pessoas surdas em Santos, mas atualmente são 43 alunos na rede pública de ensino da cidade e aproximadamente 60 pessoas atendidas pela Central de Libras. Além disso, a Congregação Santista de Surdos atende cerca de 120 pessoas.

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Todos eles encaram, dia após dia, os desafios de ser surdo em Santos. Você talvez não saiba quais eles são, mas uma coisa é fato: somos parte desse problema.

Os desafios de ser surdo em Santos

Quando quer comer um hambúrguer, por exemplo, Lucília pega a fila do fast food e aponta para o lanche escolhido. Mas como a psicologa da Congregação Santista de Surdos, Maria Inês, explica, cada caso é único e grande parte das pessoas surdas opta por não frequentar alguns locais comuns por conta das barreiras da linguagem.

“A Lucília é um caso fora da curva. Muitos têm vergonha e acabam se privando de frequentar certos locais, por conta da dificuldade da comunicação. Tem gente que acha que é só gritar, falar mais devagar ou escrever no papel. Mas essas coisas não funcionam para a grande maioria. A inclusão do surdo é a comunicação em libras e só isso”.

Ainda segundo conta, até mesmo a introdução da língua de sinais é difícil. Pois em muitos casos as famílias demoram para procurar ajuda e a comunicação começa de uma maneira “caseira”, ou seja, quando chegam à escola e têm um interprete a disposição (atualmente são 20 atuando na rede pública) eles não conhecem os sinais e ficam atrasados em comparação ao restante da turma.

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Existem também casos em que os país não participam da alfabetização, participação essa crucial para o sucesso das aulas.

“Quando nós recebemos um não ouvinte para aprender libras temos, também, que ensinar a língua aos pais, irmãos e outras pessoas que estão sempre ao redor. Além de estimula-los a aprender, essa é uma maneira da inclusão acontecer em um ambiente super importante, que é em casa”, explica.

Congregação Santista de Surdos

Enquanto a Lucília se comunica super bem e, inclusive, é uma das professoras de libras instituição, existem casos de pessoas que têm a mesma idade que ainda não conhecem os sinais. O José (nome fictício) é um deles. Ele aparece, às vezes, na instituição e fica em um canto. Frequenta as aulas, que são oferecidas gratuitamente aos surdos, e depois volta a sumir.

Apesar de toda a equipe usar libras para se comunicar – e inclusive ser formada em maior parte por não ouvintes – o diálogo ainda é difícil. Na maioria das vezes não passa do básico.  Quando José aparece por lá, tem a disposição uma variedade de serviços gratuitos, como por exemplo:

  • Tradutor a disposição para acompanhar em consultas médicas e outras atividades;
  • Assistente social, para ajudar na aquisição do passe livre e de outros direitos;
  • Aulas de libras;
  • Aula de culinária;
  • Capoeira;
  • Aula de artesanato.

Fundada em 1957, a instituição tem como objetivo criar um local onde as pessoas surdas possam congregar. Ou seja, se encontrar, conhecer e fazer amigos acima de qualquer coisa.

Aulas de libras em Santos

Já que todo o serviço prestado à comunidade surda é gratuito, a instituição (que fica na Rua Tocantins, 04, no Gonzaga) se mantém com os cursos de libras oferecidos aos ouvintes. Se acaso você tem interesse em aprender libras, é possível fazer as aulas tanto em dias de semana quanto nos finais de semana.

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O curso é dividido em três módulos: introdução, nível intermediário e aperfeiçoamento. E, de acordo com a coordenadora das aulas, Alessa Alves, é frequentado em maior parte por professores e enfermeiros.

Central de Libras

A Alessa também é tradutora e, muitas vezes, faz acompanhamento em consultas médicas e outros serviços.

Segundo nos explicou, para conseguir a companhia de um tradutor é necessário apenas que quem frequenta a congregação faça o agendamento com ao menos 48 horas de antecedência. Para quem não é aluno do espaço, a Prefeitura de Santos tem o Central de Libras. O serviço também é gratuito, mas tem apenas 2 intérpretes para atender tanto as demandas tanto presencialmente como via WhatsApp.

Atualmente são cerca de 60 pessoas atendidas, ou seja, é necessário agendar com mais antecedência.

O número da Central de Libras é (13) 99155-2377 e é possível fazer chamadas de vídeo, para viabilizar demandas como o pedido daquele BigMc, por exemplo.

Um desafios de ser surdo em Santos ainda sem solução é o acesso à alguns locais. Nos cinemas da cidade, por exemplo, só é possível encontrar sessões legendadas e não com a tradução em libras. Nos teatros também são raras as peças que disponibilizam esse recurso.

“Quando eu falo que escrever no papel não é inclusão, as pessoas não entendem. Mas é simples: libras é diferente do português em vários aspectos. Eles são alfabetizados em outra língua e nem todos entender a legenda. Tem que ter o box com o interprete”, comenta Maria Inês.

Aos 66 anos, Lucília não lembra da última vez que foi ao cinema. Mas diz que não tem problemas em ir ao mercado e fazer outras atividades sozinha. Só não gosta de ir ao médico, pois percebe que eles falam mais alto como se ela fosse ouvir-los desse modo. Sempre pede a companhia de um tradutor.

Sobre os desafios de ser surdo em Santos (ou qualquer outro lugar) ela é enfática: é difícil, mas está melhorando a cada dia. Os avanços, em maior parte, dependem da maioria ouvinte que ignora aqueles não ouvem.