Como emprestar suas pernas aos sábados
Os pés tocam o chão uma, duas, três vezes… Enquanto você ultrapassa uma pessoa e sente a paisagem mudar no seu ritmo, o vento massageia a sua pele de maneira suave e as primeiras gotículas de suor pingam na lateral do rosto.
Tudo isso com o coração compondo seu próprio beat em parceria com o ritmo da respiração.
Só colocando os tênis e indo correr para entender esse mix de sensações e todo o barato que a endorfina proporciona no decorrer de um dia de treino.
Há quem pense que tudo isso é loucura e simplesmente não queira provar a experiência. Mas muitas pessoas não têm o privilégio da escolha ao nascerem impossibilitadas de fazer uma simples corrida na orla da praia ou em outros ambientes por conta de uma deficiência.
Você pode ser o fator que muda essa realidade.
Que tal emprestar suas pernas aos sábados?
Esse é o convite feito pelo casal de santistas Stefan Klaus e Ana Paula de Jesus, responsáveis pelo projeto Empresto Minhas Pernas.
A iniciativa nasceu do pedido de três garotos cadeirantes que, sabendo que Stefan participava de corridas de rua em Santos, perguntaram se o casal poderia ajuda-los a viver a emoção de cruzar uma linha de chegada.
“Nós éramos voluntários de uma entidade e lá eles sabiam que a gente tinha o hábito de correr. Um dia, Léo, Marcos e Danilo nos pediram para participar de uma corrida de rua. Aceitamos o desafio, conseguimos as vagas para os três e fomos correr,” explica Klaus.
Em 23 de janeiro de 2016, eles emprestaram as pernas pela primeira vez. Correram em Praia Grande utilizando as cadeiras de uso comum dos garotos e viveram uma emoção que ainda faz a voz embargar ao revisitar a memória, com o apoio do público durante todo o percurso e chegada com direito a escolta policial, como os campeões (que são).
A experiência despertou o desejo de fazer ainda mais e assim nasceu o contato com o projeto paulistano Pernas de Aluguel. Com a ajuda do Eduardo, responsável pela iniciativa na capital paulista, eles entenderam a melhor maneira de criar uma iniciativa desse tipo em Santos. Assim nasceu o Alugo Minhas Pernas que, inclusive, tem o Eduardo (de SP) como padrinho.
Logo de cara eles conseguiram comprar duas cadeiras especificas para corrida e ganharam mais duas cadeiras de doadores.
Atualmente, muitas pessoas emprestam suas pernas por aqui.
Duzentas pessoas já estiveram envolvidas em corridas de rua dentro dessa ação.
E o projeto faz mais do que isso. Todos os sábados, a galera se encontra, a partir das 7h30, no Emissário Submarino. A ideia é treinar para as competições e criar interação entre voluntários e atletas cadeirantes.
“Nós sentimos a necessidade de ficar mais perto e começamos os encontros semanais, aos sábados, no Emissário. Nesses encontros conseguimos criar vínculos e eles nos dizem o que querem. Assim temos atividades além da corrida, como o surf, por exemplo”.
Nos encontros de sábado também rolam aulas de libras. O motivo? A ideia do projeto é ser totalmente inclusivo e um dos voluntários tem deficiência auditiva, então o restante da turma pediu para estudar a linguagem de sinais.
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Neste ano, eles fizeram parte de uma das alas do Grêmio Recreativo e Cultural Escola de Samba Vila Mathias. Sessões de cinema adaptadas também estão na programação do projeto.
Na próxima corrida, um dos voluntários será um deficiente visual!
A comoção em torno do Empresto Minhas Pernas é tão grande que, em média, 50 pessoas (entre voluntários e participantes) acordam cedo aos sábados para os encontros. Todos compartilham a vontade de transformar o Emissário em uma praça amiga, no que diz relação ao respeito pelas diferenças e a acessibilidade.
Como emprestar suas pernas aos sábados
Ser um voluntário é bem simples: você precisa de um tênis confortável e boa vontade.
Basicamente, tem que chegar ao Emissário e procurar o pessoal do projeto. Se você não possui experiência com corrida, não precisa se preocupar. Todos os treinos têm a supervisão de professores de Educação Física voluntários e eles vão te auxiliar nos primeiros passos e dizer quando suas pernas estão preparadas para serem emprestadas – empurrar as cadeiras é um esforço extra, por isso o preparo é importante.
A equipe tem um cronograma das corridas das quais pretende participar, com base na logística e no valor das inscrições.
Depois que você estiver habilitado ao cargo de empurrador oficial (tem que entender o mecanismo das cadeiras), é só adquirir a camisa do grupo e escolher em quais eventos ir.
“É importante dizer que em todas as corridas nós vamos como se fosse um batedor, para evitar acidentes – seja de corredores entrando no pelotão ou as cadeiras no meio dos corredores. Tudo isso é explicado nos treinos”.
Toda a comunicação do grupo é feita via Facebook. Eles pretendem lançar um site e um canal no Youtube, mas ainda não têm orçamento para isso 🙁
Que tal sentir o ar acariciando seu rosto e sentir a emoção de cruzar a faixa de chegada de uma corrida, ajudando alguém que sempre sonhou com esse momento? Como o próprio projeto diz:
“Vai ser o pior tempo da sua vida, mas a chegada mais emocionante!”
Curta a página do Empresto Minhas Pernas e empreste suas pernas aos sábados.