Texto porLudmilla Rossi
Santos
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Lugares para ir em Santos: Acessibilidade

Eu achei que seria mais fácil escrever esse artigo

Talvez esse tenha sido só um micro exemplo de que ser uma pessoa com deficiência não é para amadores. Também sei o quanto posso errar em falar do assunto sem abranger todos os tipos de deficiência. Desde já peço desculpas e quero deixar o espaço dos comentários aberto para que esse diálogo se torne ainda mais amplo.

Não é novidade que há uma norma federal sobre acessibilidade mas nós sabemos que na prática o comércio não a segue. Também há a lei nº 13.146, de 2015. Em Santos há a cartilha Santos para Todos de 1991, com revisão em 2006. Essas cartilhas são iniciativas que os municípios podem ter de maneira autônoma para incrementar ainda mais as normas federais.

Mas mesmo com tanta boa teoria, há uma dificuldade. Nem sempre achar lugares para ir em Santos é simples para pessoas portadoras de algum tipo de deficiência.

Se o dinheiro falasse

O fato é que, mesmo com leis e políticas públicas nenhuma boa experiência será oferecida para pessoas com deficiência se a iniciativa privada não olhar com cuidado para o assunto. Na prática, se não for para cumprir as normas pela moral ou querer atender aos desejos de todas as pessoas, os comerciantes deveriam pensar em seu próprio bolso.

Segundo o estudo do IBGE de 2015, no Brasil existem mais de 20 milhões de pessoas com deficiência. Se falarmos de deficiência física, estamos falando de aproximadamente 14 milhões de pessoas, sendo que metade delas são economicamente ativas. Isso quer dizer que estamos falando de um público potencial de 7 milhões de pessoas aptas e sedentas por consumir.

Acessibilidade em SantosE que ás vezes, não conseguem.

Pelos comentários em nosso Facebook, notei um certo ceticismo quando propus escrever essa matéria: “Lugar acessível em Santos? Onde? Quero ir ver…”, comentou Gilberto, que é deficiente visual. Cadeirantes e pessoas com mobilidade reduzida fizeram comentários parecidos.

O ceticismo seguiu. Mais de 9.000 pessoas viram o post e nenhuma resposta na minha pesquisa.

Mas eu não desisti. Peguei o meu clássico inconformismo e segui o baile da pauta.

“Nada sobre nós sem nós”

Eu amei essa frase desde a primeira vez que a ouvi. Ela é título do livro James I. Charlton que aborda justamente o empoderamento das pessoas com deficiência. Escrever um post para falar de bons exemplos em acessibilidade em Santos só poderia ter uma espécie de fonte confiável: quem mais precisa (e deseja) essa acessibilidade.

Eu lembro que na faculdade de design de interiores a gente aprendeu algumas das normas da cartilha Santos para todos e algumas medidas e práticas me marcaram muito. Eu não consegui deixar de reparar nos banheiros dos restaurantes e bares, nas portas que abrem pra dentro, nos corredores estreitos.

Na teoria funciona de um jeito, mas na prática a coisa funciona de outra maneira. Eu quis entender com as pessoas com deficiência quais são seus locais favoritos em Santos. Justamente aqueles onde elas se sentem livres para ir, vir, consumir e se divertir.

Alexei Schenin e a sorveteria mais empática da cidade

O Alexei me escreveu contando sobre a Mare di Sapore Gelateria, que fica na R. Januário dos Santos 205.

“A loja foi criada já com o conceito de lugar para todos. Eu não tenho problema nenhum de entrar sair ou usar o banheiro sozinho”. Alexei conta que conheceu as donas do empreendimento, Alexandra e Lena quando elas o convidaram para testar as instalações durante a obra e antes mesmo da inauguração. Um exercício fantástico de indivisibilidadee um baita exemplo do “começar certo”.

alekseiiAlexei e Acácio na inauguração da Mare di Sapore

Alexei citou outros lugares que ele considera fantásticos em Santos para quem é cadeirante:

Comedoria ou teatro do SESC Santos (Canal 5)
“Acessível, me sinto super bem assessorado e o banheiro é imenso”

Outback (Canal 5)
“Por ser uma franquia, as normas são rigídas, padronizadas e a coisa funciona”

Restaurante Nagasaki Ya (Canal 3)

“As mesas são altas, o que facilita bastante para quem é cadeirante. O banheiro também é acessível. Há um pequeno degrau na entrada, que não é impeditivo”

Para seguir outras dicas do Alexei, não deixe de acompanhá-lo no Instagram.

A lista de lugares de Daniel Cid

Quando o assunto é acessibilidade na Baixada Santista, Daniel Cid é experiente.

“O meu direito de ir e vir se torna um feito raro que merece ser comentado e dado o devido valor para o empreendedor que realmente pensa com carinho na situação de pessoas com necessidades especiais.”, comenta Daniel.

Abaixo a lista do Daniel, onde cadeirantes podem ir e vir sem maiores problemas.

Cinemark do Shopping Praiamar (Canal 5)
O único cinema da região onde o cadeirante pode ter acesso a um local bom na sala (no caso a sala XD). E também conta com banheiro adaptado. Na gastronomia tenho algumas indicações que podem não atingir todos os pontos que deveriam, mas ao menos conseguem atender o meu direito mais básico, que é o de acessar o espaço, sem constrangimento de precisar ser carregado.

Shake Burger (Encruzilhada)
A casa é pequena, porém preferiram reduzir o número de mesas, ao invés de deixar o local impossível de transitar. A rampa está em uma boa altura, assim como as mesas e eles também têm banheiro adaptado.

Original Co. Burger & Steak (Gonzaga)
A casa apresenta rampa de acesso e banheiro adaptado. O único inconveniente é a disposição das mesas, pois fica um balcão de um lado e mesas do outro. Quando fui lá, estava bastante cheio, por isso, tive que pedir encarecidamente para as pessoas deixarem-me chegar até a mesa que por sinal, tem uma altura e acesso bom para os cadeirantes.

Studio Rock Café (Canal 2)
A rampa de entrada é um pouco íngreme, mas a casa em si tem um ótimo espaço e conta com banheiro adaptado. Porém, como a maioria dos bares, a mesa deixa um pouco a desejar para cadeirantes.

São Dubas (Canal 1)
Assim como acontece no Studio Rock, a rampa de acesso também é um pouco íngreme (ou pelo menos era, na época que eu fui na casa, logo nas primeiras semanas de abertura), dificultando a entrada do cadeirante, caso ele não tenha uma cadeira motorizada. As mesas também sofrem daquele mesmo problema que acontece em barzinhos. Porém eles disponibilizam banheiro adaptado.

Daniel CidDaniel Cid no Original

Cantina Babbo Américo (Gonzaga)
A casa que já é tradição na cidade, oferece rampa de acesso com uma altura adequada, mesas adequadas, banheiro adaptado e um amplo salão onde o cadeirante não terá muita dificuldade para transitar.

Sideral Restaurante e Pizzaria (Canal 1)
O Restaurante tem uma pequena rampa para acessar suas dependências e conta com banheiro adaptado e mesas onde o cadeirante poderá saborear sua refeição, sem maiores problemas.

Segundo Daniel, estes são alguns dos poucos estabelecimentos na cidade de Santos, onde cadeirantes podem usufruir com dignidade.

Como diz minha mãe, é apenas sua obrigação

Não é um pensamento humanitário. É lei e portanto obrigação: “Considera-se discriminação em razão da deficiência toda forma de distinção, restrição ou exclusão, por ação ou omissão, que tenha o propósito ou o efeito de prejudicar, impedir ou anular o reconhecimento ou o exercício dos direitos e das liberdades fundamentais de pessoa com deficiência, incluindo a recusa de adaptações razoáveis e de fornecimento de tecnologias assistivas.”

Conversei com a Erika Domingues, arquiteta, para ter o olhar de quem constrói esses locais. A conversa com ela reforçou que não basta cumprir a lei. É necessário mais que isso – é fundamental ter empatia real. Como bons exemplos em Santos a Erika citou o Senai (na Av. Conselheiro Nébias) e o Shopping Parque Balneário (que fez um bom investimento no tema nos últimos anos).

“Na execução, não há capricho, e fica algo que as pessoas que já estão vulneráveis e precisam do equipamento tem que engolir a seco. Falta empatia em tornar a cidade território para todos”.

Não é só sobre os espaços físicos

Além da circulação física, outras medidas contribuem para uma boa experiência de quem tem alguma restrição de visão, audição ou mobilidade, como:

  • cardápio em braille
  • garçom ou atendentes intérprete em libras
  • máquinas de pagamento e caixas com alturas adequadas
  • rampas e elevadores com medidas corretas

Praia acessível e iniciativas públicas em acessibilidade

Em Santos há uma passarela que facilita o acesso de cadeirantes ao mar a partir do uso de cadeiras anfíbias. É um dos projetos mais conhecidos sobre o assunto, principalmente pela alta visibilidade que oferece. A iniciativa é uma parceria da Prefeitura de Santos com o Governo do Estado e funciona durante o verão. Os pontos de atendimento ficam no Canal 6 (perto do Aquário Municipal) e Canal 3 (ao lado da Concha Acústica) das 10 às 16h.

Perguntei para o Alexei se ele usa o Praia Acessível e ele respondeu: “Nunca usei. Vou à praia independente do programa pois acho os horários de funcionamento muito aleatórios”.

A prefeitura fez um site chamado de Santos Acessível, onde destaca outras políticas públicas para inclusão. Confesso que vi ali muitas iniciativas interessantes que ainda não conhecia.

Por conta disso, escrevi para o Daniel de Moraes Monteiro, coordenador de políticas para pessoas com deficiência na empresa Prefeitura de Santos. Perguntei sobre o Santos Acessível, e ele respondeu: “o programa Santos acessível busca incentivar o consumo do cidadão com deficiência, despertando no comerciante de qualquer tamanho o interesse em acolher esse público na condição de consumidor, investindo em todos os gêneros de acessibilidade para atender a especificidade das pessoas com deficiência a ponto de ter isso como um diferencial para 1/4 da população de Santos”.

O programa Santos Acessível é hoje composto por uma comissão formada por quatro conselheiros municipais da pessoa com deficiência e quatro representantes do poder público, sendo um deles integrante do Procon (departamento o principal responsável por tudo que diz respeito às relações de consumo).

“Em 2017 entregamos as primeiras certificações, e temos feito visitas para avaliar se o estabelecimento escrito no programa atende aos gêneros de acessibilidade propostos. Em caso positivo ele receberá a certificação de acordo com o nível de acessibilidade que apresenta, de uma a cinco estrelas – sendo que cada estrela representa uma deficiência: visual, física, auditiva e intelectual e a quinta estrela e o símbolo Internacional de Acesso da Organização das Nações Unidas”.

Daniel reforça que no caso da pessoa com deficiência visual, não basta apenas o cardápio em braille ou o site acessível, mas também muito disso tem haver com acessibilidade atitudinal e a forma de atendimento. Isso também se aplica para quem tem deficiência intelectual, para que a relação de consumo ocorra da melhor forma possível.

Isso tudo é incrível. Daniel reforçou que Santos tem sido temos sido procurada por outras cidades que se interessam em construir algo semelhante, voltado para estimular a inclusão através do consumo.

Ao mesmo tempo uma cidade do tamanho de Santos com apenas um táxi acessível dá uma baita tristeza. 🙁

Alexei comentou também que todos os lugares em Santos vão ter um detalhe que falta, porque cada deficiente tem um probleminha específico e em Santos é tudo histórico, o centro da cidade é quase inviável para um deficiente, só que não pode ser mudado por ser tombado.

“A gente que está afim dá um jeito! Eu até de bondinho já andei, tanto do Monte Serrat como do turismo” – fnaliza Alexei.

Um mega agradecimento para todos que ajudaram a fazer esse artigo, seja pela colaboração com informações ou pela conexão com as fontes. Colaboraram Edu Ravasini, Flavia Costa, Erika Domingues, Alexei Schenin, Michele Simões e Daniel Cid.