E.CO – um encontro que deixou Santos de fora

Na semana passada, escrevi sobre o E.CO ­- Encontro de Coletivos Fotográficos IberoAmericanos, que aconteceria aqui em Santos, e busquei mostrar a importância de recebermos um evento deste calibre na região, sobretudo nas trocas que poderiam ser feitas entre artistas e comunidade, dando frescor no pensamento coletivo da Baixada Santista.

Contudo, já se passaram alguns dias e a sensação de sermos a cidade dos contêineres é um tanto insípida.

www.juicysantos.com.br - cidade dos conteineres

No dia 27 de agosto, data de início da programação, os inscritos foram convocados para a apresentação que ocorreu no Parque do Emissário. Lá, juntamente com os coletivos presentes, o curador do evento explicou a proposta de repensar visualmente a cidade e da importância da interdisciplinaridade destes grupos. Falou, também, sobre as singularidades de Santos e no que isto afetaria a produção. E foi aí que a coisa começou a perder a graça.

Houve momentos em que notou-se um certo despreparo de todos em passar um panorama daqui para que o resultado dos trabalhos fosse ainda mais bacana.

Claro, o tempo era curto, mas poderiam ter compartilhado previamente materiais informativos que ajudassem a entender Santos e nossa idiossincrasia. E, se houve esta preocupação, o conteúdo foi deficitário e prejudica, principalmente, os coletivos estrangeiros.

Um exemplo de desconhecimento por parte da organização foi quando o curador tentou explicar a diferença entre caipira e caiçara, na tentativa de falar sobre o santista. Nós, caiçaras? Temos, sim, nossas particularidades, mas somos tão caiçaras quanto o pão de cará é feito de cará.

Rolou, também, um momento claro de desconhecimento vindo dos artistas, quando um dos grupos contou ter visitado uma galera do hip hop cubatense. Orgulhosos de sua origem e da recuperação ambiental que Cubatão passou nos últimos 20 anos, a rapaziada bradou serem da cidade mais limpa.

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Risos dos presentes e uma intervenção desnecessária de uma artista brasileira, desacreditando e ironizando que uma cidade industrial fosse a mais limpa. O fato é que Cubatão hoje é referência sim, a ponto do turismo ecológico ser forte referência para todo o país.

Ainda assim, já prevendo essa falta de informação, foi falado que os coletivos deveriam se entrosar com os santistas inscritos, buscando informações, contatos e criando juntos.

Bacana, se isto não ficasse restrito a conseguir o que os coletivos precisassem, uma extensão não remunerada da produção do evento. Salvo alguns que conseguiram participar na criação da pauta com eles, a grande maioria que se inscreveu serviu apenas de paisagem e não somou. Fora isso, a co­criação entre nativos e os artistas de fora foi algo próxima de zero.

Analisando friamente, talvez tudo tenha começado meio torto, já que, nem mesmo na divulgação, o E.CO tenho sido incisivo.

Enquanto encontramos diversas esculturas espalhadas pela cidade anunciando o Mirada -­ Festival Iberoamericano de Artes Cênicas de Santos, o E.CO restringiu-­se apenas a uma competente página no Facebook e à produção de impressos.

Por que não alongar a divulgação para as universidades, escolas e centros culturais comunitários? É só ver que, entre os coletivos escolhidos, a presença de grupos da região era inexistente. Entretanto, em uma outra lista de coletivos presente no site, há, sim, diversos grupos, mas nenhum foi para esta lista final, que participa efetivamente produzindo.

Certamente, se houvesse gente daqui entre os selecionados, esta troca de olhares e saberes seria muito mais rica.

Mas não foram somente pontos negativos que marcaram a chegada do E.CO em Santos.

A programação de encontros foi bem legal, promovendo apresentações e debates, sempre com um foco global nas temáticas. Mesmo restritas a uma pequena sala no Sesc, a curadoria acertou demais em trazer discussões pertinentes no que tange o pensar e fazer coletivo, pesquisa e difusão de conteúdo, o meio editorial e jornalismo.

Foram feitos 3 workshops também, talvez a única troca que se possa dizer de boca cheia que existiu com a comunidade. O resultado foi bonito e deve estar em exposição, no último dia do evento, juntamente com os trabalhos produzidos pelos artistas.

O E.CO vai até quinta-feira (4 de setembro), dia em que o Mirada tem seu início. A expectativa para a exposição, mesmo com o que foi comentado aqui, é grande. Tem muita gente talentosa envolvida, que com certeza vai driblar o desconhecimento com uma produção linda. Mas a falta de sabor, a sensação de que tudo poderia ter sido melhor, com um legado importante pra cidade, fica e vai perdurar.

Tomara que, nas próximas edições, que percorrerão outras localidades com perfil parecido com a nossa, os organizadores reflitam o papel dos moradores e ampliem essas trocas, senão, o E.CO se tornará uma ilha perdida por cada cidade que passar.

*Texto de Raphael Morone, do Coletivo Action, especial para o Juicy Santos