Texto porRachel Hidalgo

Como o VLT vai mudar a nossa relação com o Centro de Santos

Eu me lembro muito bem de quando começaram os primeiros burburinhos sobre o Veículo Leve Sobre Trilhos, o tal VLT, aqui na Baixada Santista. Como moradora de São Vicente, cheguei a pensar que seria modernidade demais para as nossas estruturas e até mesmo considerei que seria mais uma lenda, como o túnel submerso que ligaria Santos ao Guarujá, que até hoje, não se tem notícia.

“Estamos iniciando uma grande obra […] o primeiro VLT elétrico, poluição zero, silencioso, confortável, sete carros cada trem, com 400 passageiros por trem. O primeiro lote começa aqui na Conselheiro Nébias [em Santos] com a Francisco Glicério, e vai até São Vicente, no terminal Barreiros, 9,5 km”, dizia o então governador Geraldo Alckmin nos jornais, em 2013.

Uma grande surpresa foi assistir às primeiras obras começando de verdade.

E o que seria isso? Um trem? Um metrô? as imagens compartilhadas na mídia sobre o novo veículo impressionavam pelo design com ares de “capital”. E as informações apareceram com o tempo: trata-se de uma espécie de light rail (ferrovia leve), como explicou o historiador Thales Veiga: “oficializado em 1972 pelo governo americano, e os primeiros veículos a sair de fábrica seguindo esses conceitos ganharam o nome de LRV (Light Rail Vehicle)”. 

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Veiga diz ainda que: 

“os LRVs, traduzidos aqui como VLTs (Veículo Leve sobre Trilhos), puderam ser usados tanto para substituir os bondes tradicionais nas grandes cidades (Lisboa, San Francisco, Milão, Berlim, por exemplo), como também para implantar transporte sobre trilhos em locais que tem uma demanda grande para a utilização de bondes, mas pequena para a utilização de trens convencionais de metrô (DLR e Tramlink em Londres, por exemplo)”.

Nesse sentido, aqui na Baixada Santista, a ideia era reutilizar a antiga linha férrea convencional para interligar as cidades. E mais: essa inovação não estaria à disposição somente dos bairros nobres.

Não acreditei. Por mais que não fosse chegar, exatamente, ao meu antigo bairro, uma das estações do VLT estaria um tanto próxima, no terminal Barreiros. E eu poderia ir para Santos em um veículo que ofereceria mais conforto, seria silencioso e, olha só, teria ar condicionado. Quem vive aqui sabe o quanto sofremos pelas altas temperaturas, enfurnados/as, suados/as e amassados/as dentro de um ônibus intermunicipal.

Mobilidade urbana

A mobilidade urbana eficiente parecia, finalmente, chegar mais perto de mim. Eu pegava o ônibus 21 todos os dias, na praça Winston Churchill. Às 6 horas da manhã, pontualmente, me espremia junto aos/as outros/as trabalhadores/as para ir até o Centro de Santos, onde trabalhava. Horas mais tarde, pegava um circular para me encaminhar até a faculdade de jornalismo, na Av. Conselheiro Nébias. No fim do dia, refazia o trajeto até São Vicente. Por meia hora no ponto de ônibus, éramos uns 20. Mais meia hora, 10. Uma hora e meia depois, na maior parte das vezes, restavam uns/umas poucos/as para contar a história da real existência do ônibus 21. Eu chegava em casa pra lá de meia noite. Todos os dias.

Por esse motivo, e mais alguns tantos, que o VLT sempre foi algo que estive esperando desde sua primeira notícia. E muitas pessoas aos arredores sentiram a mesma sensação de esperança. Entretanto, era uma bagunça geral. Eu ouvia os/as comerciantes reclamarem que o seu público não conseguia acessar as lojas e que, com isso, muitas portas seriam fechadas. Ouvia também que o VLT não iria “para lugar nenhum” e que as obras só geravam transtornos.

De 2016 para 2017, o Veículo Leve Sobre Trilhos estava mesmo ali. A prometida estação Barreiros também. Eu já não trabalhava mais no Centro de Santos e também já tinha me formado na universidade. Naquele ano, eu já nem morava mais em São Vicente. Nas férias, ao visitar a família, resolvi “tomar o VLT” só pra ver. Entrei no terminal, comprei uma passagem com meu cartão de débito e fui até o Marapé, em Santos. No dia, estava vazio e pude ir olhando pela janela as paisagens das duas cidades que se conectam. Era realmente silencioso e soube que o percurso alcançava 11 km.

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Essas paisagens eram muito conhecidas para mim, ainda que eu mal pudesse enxergar a rua durante o trajeto na época da faculdade. Com tanta gente dentro do ônibus intermunicipal, o que víamos eram cotovelos, braços e cabeças. Aquela viagem até o Marapé, na primeira vez em que utilizei o VLT, parecia até um sonho inalcançável: imaginar que finalmente as veias da Baixada Santista começavam a bombear sangue para que avivássemos a nossa região.

O VLT vai mudar a nossa relação com o Centro de Santos

Hoje, fala-se de uma segunda etapa para implantação do VLT na região central de Santos. Mais uma vez, ouço os comentários e as críticas a respeito dos transtornos que as obras em vias públicas, naturalmente, provocam. Nos posts do Juicy Santos sobre a cidade, essas falas aparecem com frequência.

A fase 2, como tem sido chamada a ampliação, vai considerar os nove bairros da macrozona do centro, com os bairros Valongo, Chinês, Paquetá, Vila Nova, Vila Mathias, Centro e outros. Com um investimento estadual de R$ 236,5 milhões, a ideia é ampliar o percurso de 11 km – que já funciona há 7 anos – para a inclusão de mais 8 km.

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Representa cerca de 16 mil moradores/as do entorno com a possibilidade de utilizar o VLT, desafogando, assim, tanto o trânsito de carros e motos, como também pode reduzir a circulação dentro dos ônibus municipais e, principalmente, intermunicipais que fica, muitas vezes, para explodir.

Mais uma vez, resgatamos a fala do historiador Veiga, quando comenta que a ideia é buscar um acesso ao centro histórico de Santos, onde localiza-se a principal porta de entrada da região (a rodoviária santista) e a maioria das linhas de ônibus”

Nesse sentido, o VLT, além de dissolver grande parte dos/as trabalhadores/as que precisam ir para a área central todos os dias, como eu ia, vai auxiliar também com os planos de ligação direta entre cidades para quem quer passear no Valongo – especialmente diante dos projetos já em andamento de recuperação do Novo Centro Histórico. Com o nascimento do Porto Valongo e também por estar próximo à Rodoviária de Santos, o VLT vai, definitivamente, representar uma fase inédita da urbanização da cidade.

Ou seja, esta solução de mobilidade vai alterar radicalmente a locomoção para e do Centro de Santos.

Como disse o historiador Veiga, Para quem tem medo ou receio do VLT no centro de Santos, procure conhecer a realidade das cidades do mundo que os tem”.

Para os/as eurocentristas de plantão, não há do que reclamar. Pois isso significa nos aproximar de realidades como Lisboa, San Francisco, Milão e Berlim, no que diz respeito a um transporte público que dá acesso às pessoas com segurança, menor poluição e até mesmo conforto.

O transporte público muda a vida das pessoas

Hoje em dia, voltei a morar em São Vicente. Também voltei a trabalhar em Santos. E esse é um cenário bastante comum para a maioria das pessoas que vive na Baixada Santista e não querem levar uma “vida de fretado”, morrendo aos poucos na subida e descida até a capital. Porém, agora cumpro o meu trajeto diário de VLT. E isso trouxe uma enorme diferença para o meu cotidiano.

Não vou dizer que consigo fazer as viagens com extremo conforto, já que horário de pico significa a mesma coisa em todos os transportes. No entanto, com certeza chego mais rápido, pelo simples fato de não ficar parada no trânsito da praia. Portanto, quando as próximas fases do VLT se concretizarem – e os planos de ligação para as nove cidades está mesmo em pauta –  sou do time que vai comemorar.

E, claro, vai ficar uma bagunça outra vez. Mas é injusto não observar o quanto a mobilidade urbana é importante para quem não tem, ou escolhe não ter, um carro. Diferentemente de quem tem veículo a motor individualizado – coloque aí na conta todas as discussões que fazem parte desse debate, como o direito de ocupação das vias, poluição do ar, sonora, stress, acidentes de trânsito, violência e outros – ter a oportunidade de percorrer longas distâncias com um transporte público, por R$ 4,55, sem sofrer em engarrafamentos. É algo que soa quase utópico.

E mais: as pessoas que vivem às margens das áreas onde estão instalados os equipamentos de educação, de artes, de saúde e outros, precisam ter um jeito seguro e prático de ir e vir. De se misturar pelos mais diferentes bairros. De ocupar os mais diversos locais públicos, como as praças, os parques, as praias, os morros… E de ter acesso às cidades e a tudo que ela pode proporcionar. Ou ao menos de ir trabalhar todos os dias sem perder horas de vida em um trânsito terrível, enquanto respira fumaça.

A bagunça das obras? Inevitável. Para mim, é como quando faço uma boa faxina em casa: para ser boa mesmo, é preciso tirar, antes, tudo do lugar.