Feliz Dia da Mulher Para Quem Escolheu Ser
Feliz Dia da Mulher Para Quem Escolheu Ser. Pra quem já nasceu e seguiu sendo. Pra quem escolheu ser. Por um dia, por um período do dia ou para sempre.
Vivemos um momento onde bonecas Barbie de ícones feministas como Frida Kahlo são lançadas com estrondoso sucesso e mulheres trans podem jogar vôlei na liga feminina, mudar de nome e retificar sexo sem atestado psiquiátrico e sem processo judicial.
Na semana passada, o STF (Supremo Tribunal Federal), julgou a Ação Direta de Inconstitucionalidade 4275 e os Ministros decidiram que as pessoas transgêneros (aquelas pessoas em que não se sentem confortáveis com seu sexo biológico, sentindo e expressando-se como pessoas do gênero oposto), podem mudar o prenome e o gênero na carteira de identidade, sem a necessidade de cirurgia de redesignação sexual (mais comumente conhecida como cirurgia de mudança de sexo) e pedido na Justiça. A partir do julgamento, transgêneros podem ir diretamente ao cartório de registro civil e requerer a mudança do prenome e a redesignação do sexo.
Mas a realidade fora das quadras e do STF é a de que mulheres trans vivem em média 35 anos no Brasil, enquanto pessoas cisgênero (pessoas não transgênero), vivem por 74 anos, em média, de acordo com o IBGE.
“Já fui loura, já fui morena,
já fui Margarida e Beatriz.
Já fui Maria e Madalena.
Só não pude ser como quis”
Cecília Meireles, citada no voto da Ministra Carmen Lucia, ADI 4275.
Eu escrevi o post 10 Minas de Santos que Nasceram pra te Inspirar mas notei depois que cometi um erro comum. Não considerei a representatividade da mulher trans nesse post.
Lembrei que estava à frente de uma delas que merece ser homenageada: uma mulher trans santista que ganhou o mundo.
Gretta Starr já nasceu há mais de 35 anos, aqui em Santos. Ultrapassou a barreira dos dados IBGE, as barreiras geográficas e talvez muitas outras barreiras que hoje estão claras para parte de nossa sociedade. Quando Gretta decidiu ser uma mulher a realidade era outra. Imagine uma realidade onde era “socialmente aceito” jogar querosene em pessoas trans, além de todo o tipo de violência verbal e física. Não gosto nem de pensar.
Gretta nasceu Erasmo em setembro de 1955. Pai farmacêutico, mãe dona de casa, descendente de portugueses, espanhóis e holandeses.
“Desde pequena fui transexual, apesar da família e nem mesmo eu saber do que se tratava”.
Desde criança Gretta é fascinada por viagens. Adora e pratica até hoje o hobby de estudar aviação comercial, assim como fotografar aviões. Profissionalmente ela alçou um voo que nem todos artistas daqui tem a chance.
Em Santos começou a carreira nos palcos de casas noturnas para o seleto público hétero e festas na sociedade santista interpretando e dublando canções de divas. Rodou todo o Brasil (faltando apenas Rondônia, Acre e Roraima).
Viveu temporadas no Japão, Coréia, China, Taiwan, Filipinas, Malásia, Tailândia, Indonésia, Índia, Inglaterra, Bélgica e Luxemburgo como corista e show com elencos de travestis de multinacionalidade. Mudou para São Paulo em 1988 para trabalhar em casas noturnas, onde dividiu o palco com grandes estrelas.
Em 1999 soube portava o vírus HIV.
“Cair na realidade foi muito difícil, porém sempre tive o carinho e amor incansável da família, patrões e de alguns amigos. Retornei depois de muita luta e com a convicção de que poderia ajudar aqueles que não se aceitam, ora portadores, ora por orientação sexual. Militando aqui e acolá, sempre usando o palco como veículo”.
Em 2010 foi convidada para ser parte da diretoria da Associação da Parada do Orgulho Gay de São Paulo. Gretta continua nos palcos, trabalha como mestre de cerimônia em todo o Brasil.
Tem sua história e trabalho reconhecidos frequentemente por diretores, que a incluíram em documentários e programas de TV. Um deles recente é o São Paulo em Hi-Fi, de Lufe Steffen,
“Eu acho que a maior conquista é poder se expressar em público todas as nossas nuances, é claro que com comportamento e educação, respeitando o grau de evolução dos outros. Mudou muito de minha época de adolescente pra cá”.
As transgêneros podem ser Margaridas, Beatriz, Marias e Madalenas – só não podem ser como querem, são “cortadas” e “bloqueadas”, justamente pelas mesmas pessoas que pedem respeito clamando “que mulher é onde ela quiser”.
Ainda bem que as Grettas existem, como estrelas que guiam nossa sociedade marinheira.
Post escrito com base em entrevistas de Gretta Starr e artigo de Patrícia Gorisch.