Texto porSuzane G. Frutuoso

Primeira semana de quarentena #ficaemcasa

Hoje entrei em desespero.

Há uma semana, eu comecei a diminuir minhas atividades fora de casa, na medida do possível. Já estava combinado com meus pais que eles viriam almoçar comigo no domingo em São Paulo e buscar uma das minhas filhotas de quatro patas, a Charlotte, para ficar uns dias com eles em Praia Grande enquanto eu atendia um compromisso de trabalho em uma cidade do interior.

As primeiras suspeitas de coronavírus eram, então, contabilizadas. Por via das dúvidas, resolvi que esse almoço seria na minha casa mesmo, eu cozinharia, para evitar que meus pais circulassem por lugares com muitas pessoas. Ali, eu estava atenta, mas tranquila, imaginando que era muito possível que todos nós ficássemos por um período mais reclusos em casa, com menos mobilidade do que o normal. Tudo bem. Temos internet, Netflix, a piscina e a academia do prédio…

E as suspeitas viraram casos confirmados. E aos casos confirmados juntaram-se as primeiras mortes. E em muitos países o cenário virou guerra e desespero.

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Na terça-feira, tive meu primeiro pico de ansiedade. Doei sangue de manhã. E, à tarde, senti taquicardia e dificuldade para me concentrar no trabalho. Quarta-feira as notícias mostravam que as restrições cresciam, o vírus se espalhava por outras cidades, tive que dar umas broncas por telefone nos meus pais para que realmente não circulassem mais, o mínimo possível, que comprassem remédios e comida para uns bons dias. Parênteses importante: não acho certo as pessoas estocarem comida, sabemos as consequências graves para quem não tem grana para comprar agora e em quantidade. Mas entendo como uma exceção para pessoas idosas que talvez não tenham alguém perto para ajudar.

E percebi que não estaria perto para ajudar os meus pais, que além de idosos são hipertensos. O pai é também diabético. Eu, que sempre sei que decisão tomar, me vi presa, literalmente, sem saber se seria melhor descer a serra correndo para ficar com eles ou se talvez, especialmente porque estive em hospital para a doação de sangue, seria um risco carregando comigo alguma coisa incubada. Decidi esperar pelo menos 15 dias. Mas a verdade é que não sabemos como será daqui 15 dias. Se estradas estarão abertas, por exemplo. E que talvez a saída para enfrentar o corona seja mesmo um isolamento total de todo mundo durante pelo menos uma semana.

Nessa quarta-feira, eu tinha dificuldade de respirar e mal conseguia completar as tarefas mais simples. Tive a sorte de me ver obrigada a dar uma aula online para meus alunos de uma das faculdades em que trabalho. Estar com eles durante três horas, mesmo que virtualmente, me salvou do pânico.

Quinta-feira passei bem. Bem demais. Talvez porque tenha sido o primeiro dia desde então com apenas 30 minutos vendo noticiário. Já estava certa de que não conseguindo descer a serra, eu faria as compras online para meus pais e mandaria entregar na casa deles. Se minhas tias precisassem também faria o mesmo para elas. E para meu irmão, hipertenso, minha cunhada e meu sobrinho, que têm problemas respiratórios. Tudo certo. Tudo no “controle”. Vai passar. Minha filhinha caçula de quatro patas, a gatinha Jeannie é um Gênio, está aqui para eu cuidar, apesar de achar que ela é quem está me cuidando. Tenho também a companhia da Meli, uma gatinha dos meus pais de 17 anos, uma Highlander tipo o Keith Richards dos gatos, que toma uns tantos remédios por dia, mas tá firme e exigindo comida e carinho, como é de direito dos velhinhos. Deixamos ela aqui para minha mãe não ter muito trabalho com a Charlotte lá na casa deles. E que saudade da minha cachorrinha, minha primogênita…

Na quinta à noite, falei por Hangouts com um amigo que é psicólogo. Ele sempre me ajuda nessas horas. Mas era hora de também ajudá-lo. Mantendo os atendimentos online dos pacientes, ele viu uma crescente de angústia de segunda para quinta vindo das pessoas. Uma angústia que também é dele, e minha, e de vocês. Que desafio manter a serenidade para manter o equilíbrio de quem precisa da gente.

Na madrugada de quinta pra sexta acordei às 2h40 e não dormi mais.

Chorei muito lembrando de uma reportagem na TV em que uma senhora entrevistada dizia que não tinha sabonete em casa. Que quando recebia, no começo de cada mês, comprava dois sabonetes para a família. Não duravam 30 dias. No tempo em que falamos de Internet das Coisas, Big Data e Inteligência Artificial ainda é o tempo em que uma parte considerável da população tem que escolher entre comer e manter a higiene com alguma dignidade. Ainda é o tempo em que temos que ensinar as pessoas a lavarem as mãos direito.

Percebi que estar em casa isolada com água corrente vindo das torneiras e ter sabão, sabonete e detergente é mais um privilégio gigante que em geral não nos damos conta. Percebi que sim, todas essas distâncias podem durar de dois a cinco meses. Não é apenas sobre perder o controle do nosso cotidiano pessoal. É sobre entender que todos aqueles nossos momentos de vaidade, soberba, irritação, impaciência e até de distanciamento porque não tô a fim de lidar são insignificantes. Não tem outra palavra. A gente passa dias colocando energia no que não importa.

Enfim, gente, é muita coisa para lidar:

  • Manter a concentração para trabalhar;
  • Ajudar como e quem a gente puder e não ser besta de não pedir ajuda;
  • Ficar isolado que no momento é a maior ajuda do universo junto com lavar as mãos;
  • Caprichar na faxina da casa;
  • Lembrar de fazer exercícios e tomar uns 15 minutos de sol na janela;
  • Aprender a mexer em todas as ferramentas tecnológicas possíveis que nos deixem próximos de quem a gente ama;
  • Ficar aqui meio em choque com o Doria se saindo um líder necessário no meio do caos;
  • Ver o Mandetta naquela situação de ter um chefe incompetente e lunático e sair trabalhando do jeito que dá, assim mesmo.

Hoje entrei em desespero.

Mas meu grupo de amigas de Praia Grande disseram que vão cuidar de qualquer coisa que meus pais precisarem. Meu chefe que tá ocupado com um monte de situação para manter as aulas parou pra me mandar uma mensagem de “segura a onda, sua loca” rsrs. Meu amigo psicólogo me mandou mensagem antes de mais um dia cheio atendendo os pacientes. Troquei umas covid-piadas com meu irmão e minha cunhada. Minha sócia, que odeia áudios longos de WhatsApp, me mandou uma mensagem de dez minutos pra nunca esquecer que antes de tudo, de qualquer marca e império que a gente vai construir, nossa amizade existe no longe, no perto, na alegria e na tristeza, na saúde e na doença.

Sozinha e isolada a expressão “você nunca está sozinho” faz o maior sentido de todos no meu coração neste fim de primeira semana da pandemia. Ainda tem muito desafio. Muito mesmo. Mas é só um game pra gente aprender a realmente melhorar como humanidade. E assim como aprender a lavar as mãos, aprender a abraçar apertado de verdade.

Suzane é santista e cofundadora da plataforma Mulheres Ágeis e da consultoria ComunicaMAG. É jornalista, mestre em sociologia, professora e escritora. É autora do livro “Tem Dia Que Dói – mas não precisa doer todo dia e nem o dia todo”. Mãe orgulhosa da vira-latinha Charlotte.