Texto porLudmilla Rossi
Santos
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Não é (só) sobre preconceito: é sobre como pensam os empreendedores locais

Quem é minimamente conectado e mora na Baixada Santista soube do caso: Santos ganhou visibilidade nacional devido a um comentário sem noção de um empreendedor local. Após uma crítica vinda de um consumidor LGBTT, o dono de uma hamburgueria utilizou seu perfil pessoal no Facebook para expressar sua opinião sobre uma crítica que recebeu.

Meu objetivo não é discutir o comentário homofóbico. Como vocês devem supor eu pessoalmente não concordo em NADA com a atitude, a abordagem e com nenhuma das palavras escolhidas. Sendo franca: eu já havia ido até a hamburgueria duas vezes: uma na inauguração como convidada e a outra em janeiro/2017 como cliente. Comi um hamburguer vegetariano por lá que adorei e fui muito bem recebida pelos proprietários da casa.

Sinto que hoje estamos vivendo um momento onde cada vez é mais difícil separar o criador da criatura. O dono da Blend Burguer Bar manifestou-se no seu canal pessoal. O estrago reverberou na sua empresa e o pior: nacionalmente.

É natural pensarmos “bem feito” quando a gente defende a diversidade, a empatia e a aceitação do amor de todas as formas. A raiva contra o outro só gera mais raiva em você. Durante toda essa semana fiquei pensando sobre isso. Nossos leitores também estavam curiosos para saber qual a opinião do Juicy Santos sobre o assunto.

Vamos lá: eu parto do princípio que você entende muito mais de machismo se você é mulher, muito mais de racismo se você é negro ou de outra etnia, muito mais de homofobia se você é gay.

Então quando eu falo de homofobia, é na visão de uma mulher branca hetero. A vida é mais fácil para mim do que para um homem negro e gay, especialmente em Santos.

Essa cidade linda, banhada pelo mar e deliciosa tem um defeito: o status quo estrutural.

O caso da hamburgueria é exceção ou regra?

Coloco aqui um trecho de um post do Luiz Fernando Almeida:

Já sabemos que Santos, infelizmente, é uma das cidades mais homofóbicas do país. Além disso, é hipócrita, visto a quantidade de homens que levam vida dupla por aqui. Claro esse não é um “privilégio” nosso, mas Santos trata isso com normalidade. O ideal aqui é não se assumir, herança da “sociedade santista” da década de 80 que perdura até os dias de hoje.

Ele escreveu esse post em 2014 sobre o bar cujo dono teve atitude homofóbica, recusando atendimento. A solução foi um beijaço na porta do bar, basicamente a mesma reação do caso recente da hamburgueria.

Para ler o caso completo, dá uma olhadinha no post Chega de homofobia em Santos. Vale ler.

O beijaço resolveu? Não. Nada. Mesmo assim a manifestação é válida, necessária e genuína. O próprio Blend soltou uma  nota a imprensa, para nós inclusive, apoiando a manifestação.

O que quero colocar aqui é que a homofobia (e outras formas de preconceito) são mais estruturais do que parecem. Em Santos, como todo mundo se conhece, isso fica muito claro.

O empresariado em Santos faz parte dessa maioria. Já ouvi atrocidades de alguns ligadas a preconceitos, crenças limitantes e ignorância (no sentido de não saber). Existe um ponto histórico em Santos: temos muitos empreendedores que são herdeiros. E note que isso não é uma crítica aos negócios herdados, é uma constatação de valores que passam de pais para filhos sem que sejam notados ou contestados.

Além dos negócios, são herdados os pensamentos de gerações anteriores. Afinal “sempre deu certo”. E não mudamos.

Notem que não estou colocando aqui nenhum pensamento político. Eu acredito num mundo onde você pode ser “de direita” e ser extremamente livre em seus pensamentos. E principalmente, não ter pensamentos violentos em relação às diferenças.

Acima de tudo, diversidade é um bom negócio

Se você abre um negócio, especialmente de alimentação ou varejo você tem um só objetivo: SERVIR PESSOAS. Cada real que você fatura é exatamente o mesmo se vier de gay. Ou de hetero. Ou de homem casado que é gay e ninguém sabe. Só isso já deveria ser uma lição de gestão.

Quanto mais gays você atender (bem) o lucro também é maior.

Gays são fantásticos

Eu sei que toda a generalização é burra (inclusive essa), mas TODOS os gays que conheço, sem exceção são pessoas criativas e interessantes. Gostam de consumir e são extremamente críticos. Crítica é um bom negócio para qualquer negócio.

Das críticas é possível retirar excelentes inspirações.

O que me leva a acreditar que…

…não é um problema de homofobia e sim o despreparo para críticas

A homofobia existiu, obviamente. Mas ela está associada a outro problema: o despreparo e a falta de humildade para ouvir críticas. Outro problema do empresariado local, diga-se de passagem.

Ouvir críticas dos consumidores é uma ferramenta de trabalho. E na maioria das vezes, gratuita. Tem que ouvir, respirar. Decidir o que fazer com isso.

É simplesmente reconhecer que a nossa empresa não é a melhor do mundo e todo mundo falha. E geralmente as pessoas próximas evitam ser 100% isentas.

Quando alguém faz uma crítica construtiva, ela simplesmente diz: eu quero me unir a você para ajudar você a ser melhor.

Frase do Confúcio em cima de imagem do hamburguer

Frase de Confúcio ou receita de hamburguer? Não sei, mas pão, carne e queijo nasceram para se unir.
Seres humanos também, olha só que legal.

Formar uma nova cultura local: uma missão dos empreendedores

O cidadão é um agente de mudanças. Ele precisa questionar, reclamar, participar e organizar mobilizações em prol do que acredita. Assim como o governo municipal. Só que algumas vezes esquecemos o quão importante é que as empresas sejam responsáveis por transformar a cultura local.

A formação de uma cultura local mais interessante é uma missão dos empreendedores, SIM.

Isso passa pela capacidade e principalmente, pela capacitação constante do empreendedor. Pelo atendimento oferecido. Pela clareza do entendimento que uma empresa existe para gerar lucro, mas gerar valor para a comunidade local.

Essa é uma receita importante para Santos.

Vamos lembrar que o Juicy Santos também é feito por empreendedores. Também somos responsáveis por formar uma nova cultura por aqui. Fazemos isso valorizando em nosso conteúdo quem está fazendo isso na cidade.

Dessa história toda fica uma coisa boa: o sócio dos comentários infelizes do Blend Burguer Bar deve ter aprendido muito com a experiência. Mas mais importante que isso ele revela que não é uma exceção.

Ele abre espaço para que outros empreendedores reflitam sobre sua própria humildade para críticas. E sobre a diversidade da origem dessas críticas.

Nós desejamos que o Blend Burguer Bar supere essa história rapidamente e que Santos, como toda boa cidade cosmopolita permaneça repleta de boas hamburguerias.

Nosso sonho é que hamburgueres estejam recheados de cores e de muita tolerância.

E se o hamburguer estiver uma merda, sua função é sim, criticar construtivamente.

Abrir discussão sobre esses temas é o nosso papel e nós adoramos saber sua opinião.

Sobre hamburguer ou sobre outras receitas de como tornar Santos uma cidade melhor e mais diversa.