Texto porSuzane G. Frutuoso

Amizade tem que ser pra o que der e vier

Minha prima é uma das minhas melhores amigas. Desde o ano passado, se tornou também minha afilhada quando fui madrinha de seu casamento. Cinco anos nos separam na idade. E uma das mais fortes lembranças de infância que tenho com ela é de uma mordida que me deu na bunda.

O ato revoltado aconteceu na casa de uma de nossas tias, em São Vicente, quando arranquei da mão dela um pônei de brinquedo. Tirando esse incidente, e desde então, não me lembro de termos brigado de novo. Não concordarmos sempre, temos personalidades e algumas crenças bem diferentes. Escolhas idem.

Mas há, acima e antes de tudo, uma conexão que nos faz generosas uma com a outra. Inclusive com nossos erros e acertos. Com acolhimento e espaço para ser – não parecer.

www.juicysantos.com.br - amizade pra o que der e vierFoto: Chris Palomar

Almoçamos juntas na semana passada. Chorei ao relembrar a morte de um amigo. Já não chorava há semanas por causa dessa perda. E não sou muito de ir às lágrimas na frente de ninguém. Mas percebi que, se for pra chorar diante de outra pessoa, vai acabar sendo ela. É só mais uma certeza da confiança que une a gente.

Das riquezas que a vida nos dá, uma das mais especiais são aquelas relações de afeto cujo ditado “para o que der e vier” define com perfeição.

Não são relacionamentos em que as partes concordam com tudo o tempo todo. Até porque, em relações assim, provavelmente alguém está deixando de ser o que é. Quem concorda com tudo o tempo todo, ou é obrigado a, vê uma parte considerável da própria personalidade sendo anulada. Não é disso que se trata.

Para o que der e vier

As relações para o que der e vier são fáceis de identificar. Há lealdade, respeito, o ouvir e o ser ouvido; refletir sobre o que foi ouvido, ter compaixão e empatia pela história pessoal e opinião do outro; se manter aberto à compreensão do que alguém quer dizer. E, mesmo depois de tudo isso, se ambos não concordarem, são mantidos a admiração e o orgulho que cada um sente pelo outro. As alegrias pelas conquistas que não são nossas. O apoio pelas escolhas podem ser diferentes das nossas.

Relações para o que der e vier são fáceis de identificar também porque não carregam melindres, birras e competição. Muito menos mentiras. Claro que a gente pode contar, em diferentes situações, com quem volta e meia temos embates, nem tantas afinidades. Até nos relacionamentos que se seguram por convenções…

Mas os laços fortes são os que nenhuma navalha afiada é capaz de cortar. Existem discordâncias; não existem abalos e nem desconfianças.

Pode vir a tempestade que for. Aguentam o tranco junto. Muitas vezes arrumam um jeito de tirar a gente do tranco. Pode ter até bronca, mas seguida do abraço mais apertado.

Nunca vão aproveitar seu momento de vulnerabilidade para se sentirem mais fortes. Pra dominarem ou manipularem situações. Chamar a atenção pra si mesmos, incapazes de olhar para uma dor além da própria.

Isso é coisa de ego frágil. E egos frágeis não atam laços fortes.

São dois extremos. Tem a pessoa que até na desgraça quer ser a mais desgraçada. Do tipo que nenhum problema no mundo é maior do que o dela. Tem a pessoa que precisa mostrar a cada segundo e a cada ser humano que a cerca que ela é mais especial, importante, interessante, infalível. Em ambos os casos – pode reparar – são pessoas que garantem estar com a razão e ficam (adivinha?) melindradas, birrentas e competitivas se minimamente contrariadas.

Na era das redes sociais, egos frágeis também são identificados por serem aqueles que passam a o-di-ar quem seja contrário ao que eles pregam – e eu tenho pra mim que tamanhas reações são muito mais resultado de carapuças servindo…

Relacionamentos em que crescemos e que ajudamos a crescer, sejam de amor, de amizade ou familiares, deixam as armas guardadas. Assim como os julgamentos. São construídos entre pessoas que são boas pessoas. Não boazinhas. São levantados entre pessoas autênticas. Não preocupadas com o que os outros vão pensar.

São possíveis quando pedimos desculpas e nos esforçamos para melhorar.

Não são perfeição. Mas são perfeitos para nos mostrar que cultivar afetos sinceros e generosos valem infinitamente mais que o “poder” superficial das tiranias e das vaidades. Valem o jamais estar sozinho. Valem o se sentir realmente amado. Para o que der e vier.

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Suzane é santista e cofundadora da plataforma Mulheres Ágeis e da consultoria ComunicaMAG. É jornalista, mestre em sociologia e escritora. É autora no blog Fale Ao Mundo e lançou o livro “Tem Dia Que Dói – mas não precisa doer todo dia e nem o dia todo”. Mãe orgulhosa da viralatinha Charlotte.