Rubens Paiva, morto pela ditadura, e a homenagem no Terminal do Valongo

O que a biografia do engenheiro civil e líder trabalhista Rubens Paiva tem a ver com a Santos dos anos 1990, quando a cidade experimentou a última grande reformulação do seu sistema de ônibus?

É que o santista dá nome a um dos maiores símbolos dessa transformação, o Terminal Urbano de Integração de Passageiros do Valongo. Isso mesmo, o nosso Terminal Valongo, aquele “atrás” da rodoviária de Santos.

Talvez as milhares de pessoas que passam por lá todas as semanas nem saibam que Rubens Paiva foi um dos mais combativos deputados na história da Câmara Federal.

Morreu em 1971 (em data indefinida), torturado pela ditadura civil militar instaurada no país com o golpe de 1964.

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Rubens Paiva, ao lado de sua mãe, sua mulher e seus filhos. Foto de acervo pessoal, no Memorial da Democracia.

Inaugurado em junho de 1992, o Terminal Rubens Paiva viabilizou a integração física e tarifária das linhas de ônibus do município.

Transporte democratizado

Até então, os moradores da Zona Noroeste e dos Morros precisavam pegar duas conduções – e pagar duas passagens – para os deslocamentos até as zonas Intermediária, Leste e Orla.

Ou, se não quisessem ter essa despesa extra, tinham de fazer longas caminhadas até um ponto onde passasse uma linha que lhes servisse, diretamente.

Suplemento no D.O. Urgente, em abril de 1992, com detalhes sobre as mudanças no sistema de ônibus que entrariam em vigência em junho – e seguem valendo até hoje

Com a entrada em operação do Terminal do Valongo linhas foram extintas, outras criadas, e algumas tiveram seus itinerários modificados. Por exemplo, duas das linhas mais movimentadas da cidade hoje, a 154 e 155, nasceram naquela ocasião, cobrindo itinerários das linhas 1, 2, 12 e 111. As pessoas com mais de 40 anos devem se lembrar delas.

Para facilitar a identificação das linhas que atendiam o terminal, todas foram numeradas acima de 100. Linhas já existentes, e que passaram a ser integradas ao equipamento, receberam o “1” em sua numeração – caso dos circulares 39 e 93; 91 e 94; 18 e 81; hoje, respectivamente, 139, 193, 191, 194, 118 e 181. As pessoas com mais de 40 anos devem se lembrar disso.

Como toda grande reformulação, em um primeiro momento as mudanças incomodaram. Tanto que, meses depois, fizeram algumas adaptações.

Planos, reclamações e mudanças

No projeto inicial, a ideia era a de que as linhas tivessem ponto inicial/final ali, e não que configurasse como um ponto intermediário delas. Assim, os itinerários não se expandiriam de uma zona da cidade à outra.

O objetivo fazia (e ainda faz) todo o sentido: com itinerários mais curtos, os ônibus ficam menos sujeitos a atrasos. A operacionalização se torna mais racional.

Entretanto, quem antes não precisava tomar dois ônibus, não se acostumou com a necessidade de baldeação. Houve muita chiadeira.

A Companhia Santista de Transporte Coletivo (CSTC), empresa pública que gerenciava e operava o sistema à época, resolveu fundir alguns itinerários. Mesmo assim, alguns ainda hoje resistem fracionados, com ponto inicial/final no Valongo – caso das linhas 101, 102, 105 e 108.

A maquete do Terminal do Valongo. Foto: acervo D.O. Urgente

Importante para o país, importante para a cidade

A inauguração do Terminal Urbano de Integração de Passageiros Rubens Paiva ocorreu em 6 de junho de 1992, em uma solenidade que contou com a presença de familiares do santista, entre eles a viúva Eunice e o filho, o escritor Marcelo Rubens Paiva.

Rubens Paiva foi preso e torturado, até morte, pela repressão. Não se sabe a data exata da morte – deu-se entre 20 e 21 de janeiro de 1971. O corpo foi desaparecido, e até hoje não se tem informação sobre sua localização.

A morte de Rubens Paiva completou 50 anos em 2021. Mas o conhecimento dessas informações é recente. Veio apenas com a Comissão Nacional da Verdade, criada pela Presidência da República em 2011 e que realizou trabalhos de investigação e coleta de depoimentos entre 2012 e 2014. O documentário “Em busca da verdade” apresenta as revelações obtidas pela comissão.

Quem foi Rubens Paiva?

Rubens Beyrodt Paiva nasceu em Santos, em 26 de dezembro de 1929.

Por um tempo, morou no Boqueirão; depois, ele, a mulher e os cinco filhos fixaram residência em São Vicente. Cursou o antigo ginásio no Colégio Santista. Formou-se na Faculdade de Engenharia da atual Universidade Mackenzie, em São Paulo. Foi vice-presidente da União Estadual dos Estudantes. Os portais Memórias da Ditadura e Memorial da Democracia trazem mais informações sobre a biografia do santista Rubens Paiva.

Em 1962, foi eleito deputado federal, pelo PTB (Partido Trabalhista Brasileiro, à época com atuação política e ideológica sem nenhuma relação com a atual). Assumiu em fevereiro de 1963 e exerceu seu mandato até abril de 1964, com o golpe civil militar. A trajetória de Rubens Paiva como deputado pode ser conferida aqui.

Um dos momentos mais marcantes da história da política nacional é o discurso de Rubens Paiva na Câmara dos Deputados, na madrugada de 1º de abril de 1964, denunciando o golpe e conclamando estudantes, sindicalistas e lideranças a defenderem a democracia.

*A coluna Santos90, dedicada a resgatar a memória da cidade e da região na década mais divertida do século XX, tem autoria de Wagner de Alcântara Aragão, em colaboração para o Juicy Santos.