Texto porVictória Silva
Jornalista, Santos

Quebradas do Plinião: endereços da história de Plínio Marcos em Santos

O barulho da região da Bacia do Mercado, em Santos, é ensurdecedor.

O odor é característico.

E a movimentação é intensa a qualquer hora do dia.

As catraias não param, os trens não dão sossego e os pedestres caminham rápido como formigas. É um universo paralelo à cidade que muitos habitantes conhecem e vivem.

Estamos no universo que Plínio Marcos narra em grande parte da sua obra.

Ainda assim, há quem transite pelo bairro, cenário dos textos intensos, ou mesmo por outros locais de momentos que transformaram o cara e desconhecem seu nome.

Pois o Juicy Santos vai reparar essa injustiça. O santista Plínio Marcos de Barros, ou Plinião para os íntimos, renovou a dramaturgia no Brasil.

Saltimbanco do Macuco

Assim como todo bom santista, Plínio Marcos se orgulhava da terra onde nasceu e nunca negou o berço. Apaixonado pelo Jabuca e torcedor do Santos Futebol Clube, Marcos levou o nome de Santos para o mundo e carregou a terra consigo mesmo quando estava longe.

juicysantos.com.br - Plinio Marcos em SantosImagem: Sérgio Andrade/Acervo O Globo

Após sua morte, em 1999, suas cinzas foram jogadas no mar da Ponta da Praia.

Mas até chegar neste capítulo da história, o Saltimbanco do Macuco (como o próprio se intitulava) viveu e criou em diversos endereços de Santos.

Rua de Cima versus Rua de Baixo

A Rua Antônio Damin é um desses locais. À época, tinha outro nome, Rua das Laranjeiras. Mesmo assim, foi ali que Plínio Marcos cresceu em Santos.

De acordo Kiko de Barros, seu filho, o autor estudava em uma escola duas quadras acima. Mas, apesar do sucesso que seus textos teriam dali a alguns anos, não era um aluno modelo e acabou largando os estudos na 4ª série.

“Na verdade, ele estudou em várias escolas, pois mudava com frequência. Tinha muitos problemas… Dizem que, apesar de ele ser canhoto, a escola o obrigava a escrever com a mão direita. Por isso, ele não conseguia acompanhar a turma”, explica.

juicysantos.com.br - Plinio Marcos em SantosImagem: A esquina onde Plínio Marcos morava em Santos por Rodrigo Montaldi/Festa61

Também por essa razão, antes de descobrir o talento com as palavras, Plínio Marcos precisou se desenvolver em outros segmentos. Trabalhou, por exemplo, como:

  • Bombeiro (encanador na época)
  • Numa banca espírita no Centro de Santos
  • Numa loja de encadernação

Neste último, ele se descobriu um ótimo camelô. Desenvolveu a atividade durante anos. Aliás, em entrevista à Folha de São Paulo, em 1993, o autor declarou que se achava melhor enquanto camelô do que como autor.

Apesar da modéstia, a primeira peça do santista, Barrela, representa um marco para a dramaturgia brasileira. Diretores consideram que existe o teatro brasileiro antes e depois do texto – inspirado numa história real que aconteceu na rua Antônio Damin.

“Ele sempre foi apaixonado por futebol. Jogou no Jabaquara, na Portuguesa e em todas as quebradas… Uma delas era o tradicional rua de cima vs. rua de baixo. E é nesse cenário que Barrela nasceu”.

Segundo o que Barros ouvia o pai contar, um dos meninos que fazia parte dos jogos bebeu algumas cervejas mais do que deveria, arrumou briga e foi preso. Apesar do delito simples, a cela escolhida era a mesma onde estavam vários facínoras. Se você leu Barrela, sabe o que aconteceu com o jovem santista na cadeia. Mesmo se não leu, os textos continuam sendo atuais nos dias de hoje, ou seja, dá para imaginar.

Palhaço Frajola

Para alcançar o sucesso de Barrela, Abajur Lilás, Querô, Navalha na Carne e tantos outros textos publicados (a lista ultrapassa os 400), Plínio Marcos usou muito do que viu nas ruas e também dos aprendizados do circo.

juicysantos.com.br - Plinio Marcos em SantosImagem: Reprodução

Sim, Plínio Marcos também foi palhaço! Atuou no Circo Pavilhão da Liberdade, que também ficava nos arredores da atual Rua Antônio Damin. E fazia um baita sucesso.

“Ele foi ao circo com um amigo e gostou muito do ambiente, do circo em si e também de uma moça. Era filha do dono e ele não deixava ela namorar rapazes de fora do circo. Aí já viu, né?”.

Ele entrou para o circo e aprendeu muito sobre teatro por lá. Tempos depois, o santista fugiu de casa com destino a São Paulo. Na capital paulista, o jovem, que tinha 16 anos na época, encontrou o Circo do Seu Ricardinho e começou a viajar com a trupe.

Então ele ganhou o estilo de vida saltimbanco e também o apelido de Saltimbanco do Macuco.

Pagu também está nessa história

Já que estamos falando sobre teatro em Santos, claro que Pagu tem um papel nessa história. Plínio participou de seu grupo de teatro em 1958. Por conta dessa amizade, conheceu atores e fez a primeira montagem de Barrela.

Mesmo fazendo um estrondoso sucesso, acabou barrado pela censura em 1959.

“Quando ele escreveu Barrela, passou a ser visto como um gênio em Santos. Conversando com Pagu, ele começou a questionar outros textos e foi desafiado a escrever um texto melhor do os que tanto criticava”.

Assim nasceu Os Fantoches. A crítica, inclusive da própria Pagu, levou o autor a se mudar para São Paulo. Na capital paulista, se casou com a atriz Valderez de Barros e também viveu uma terrível onda de censura.

Plínio teve textos proibidos e seu nome na lista dos que deveriam “sumir”. Foi assim que o dramaturgo se tornou galã em Beto Rockefeller. A participação na novela tinha dois objetivos: manter Plínio vivo e alimentar sua família.

“Em 1969, as coisas já estavam muito difíceis para quem defendia a liberdade de expressão. O Plínio era uma dessas pessoas, com várias obras já censuradas”.

Além das peças, os textos escritos para o jornal também ficavam no chão da redação, desperdiçados. Já que as novelas eram quase ao vivo, os militares não podiam sumir com ele sem que o Brasil inteiro soubesse do ocorrido. Às vezes, ele ia preso, mas acabava solto no dia seguinte para gravar.

Censura no Teatro Coliseu

Apesar de viver em São Paulo, Plínio continuava com o coração e a criatividade em Santos.

Assim, ele escreveu Querô, história que acontece na região da Bacia do Mercado e que cita, entre outras coisas, a Igreja do Valongo. Anos depois, em Dois Perdidos em uma Noite Suja, o mercado aparece de novo. Aliás, esse texto sofreu censura durante uma leitura no Teatro Coliseu, aqui em Santos.

“A polícia chegou falando que não podiam fazer a apresentação. Mas o Plínio insistiu, disse que era santista e que ia fazer sim. Mandou buscar reforços”.

Enquanto a polícia ia em busca de ajuda, Plínio e uma turma de santistas fechou o teatro e colocou reforço nas portas, de modo a dificultar a entrada. A leitura foi feita, mas o santista saiu preso, mais uma vez, ao final do espetáculo.

Em crônica publicada anos depois, o santista relatou o ocorrido:

“Quando fui apresentar Dois perdidos foi aquela cascata. As autoridades não queriam de jeito nenhum deixar meu recado ser encarado no palco do Coliseu. O povão, meu povão, estava firme lá. Duas mil pessoas para ver o seu artista. Meu Deus, que coisa linda (…)”.

A vida do Plínio Marcos em Santos

Existem em Santos e nas obras de Plínio Marcos muitas outras similaridades.

Todas elas foram contadas por Kiko de Barros, no Rolê nas Quebradas, durante o FESTA61. O passeio, do qual o Juicy Santos participou, funcionou como uma aula.

E teve como espectador casual um jovem vendedor de balas que caminhava com destino às catraias e decidiu se morar por ali. Ouviu a leitura e seguiu em direção ao barulho ensurdecedor daquela região.

juicysantos.com.br - Plinio Marcos em SantosImagem: Rodrigo Montaldi/ Festa61

Ele não sabia quem era Plínio Marcos. Não imaginava, mas já fora ilustrado pelo autor que o emocionou.