Clubes de Santos: arquitetura e história da cidade em risco
Nesta coluna, costumamos recuperar momentos curiosos, boas lembranças, da Santos dos anos 1990. Mas, desta vez, teremos de resgatar uma passagem bem triste, porque vemos um erro daquela década bem perto de se repetir em 2021.
Trata-se do descaso com o patrimônio arquitetônico, histórico, cultural e esportivo, ameaçados pela insensibilidade de determinados segmentos da sociedade. Parecem mais preocupados com seus próprios interesses e lucros imediatos, do que com a coletividade.
Hoje, três clubes de Santos correm o risco de desaparecer da paisagem urbana: o Atlético Santista, a Portuguesa Santista e o Portuários.
Mais que isso: suas áreas, das poucas ainda livres para serem aproveitadas como equipamentos de esportes e lazer, estão na mira de empreendimentos imobiliários.
Não é de shoppings, nem de arranha-céus que Santos está carente. Não é pela quantidade de edifícios altos nem de marcas de grife que se mede o progresso de uma cidade.
Tampouco o problema em questão envolve só aquelas associações, e seus sócios. Seja pelo valor arquitetônico, como é o caso da sede do Atlético Santista, seja pelo porte de suas praças esportivas (Portuguesa e Portuários), é uma situação que diz respeito a toda cidade.
Como era, no final dos anos 1990, o caso envolvendo o Clube XV.
A destruição da premiada sede do Clube XV
Quem tem mais de 30 anos deve se lembrar da imponente sede na esquina da avenida da orla com o Canal 3.
Uma construção de arquitetura moderna brutalista, concebida em 1963 pelos arquitetos Francisco Petracco e Pedro Paulo de Melo Saraiva. Eles venceram um concurso envolvendo 43 projetos. Uma obra destacada pela Revista Acrópole, da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (USP), das mais respeitadas na área. E que recebeu menção honrosa na X Bienal de Arquitetura de São Paulo.
Além da estética moderna brutalista, o edifício era valorizado por “estabelecer uma relação muito próxima com o contexto urbana e a praia”, como escreveram em 2016 os pesquisadores Camila Leone e Rafael Peres Mateus, em artigo publicado pela Universidade Mackenzie.
O XV, como outros clubes de Santos à época e esses de agora, sucumbiam à crise econômica do país e enfrentavam dificuldades financeiras. Fragilidade que tornava as associações presas fáceis para o mercado imobiliário. Até porque, estavam (estão localizados) em terrenos cobiçados por construtoras e incorporadoras.
Houve mobilização do Sindicato dos Arquitetos, de estudantes e professores de Arquitetura e Urbanismo e de pessoas preocupadas com a memória e a cultura da cidade. Um pedido de tombamento foi protocolado no Conselho de Defesa do Patrimônio Cultural de Santos (Condepasa).
No entanto, em 17 de agosto de 1999, o Condepasa optou por liberar passar a boiada.
O pedido de tombamento do Atlético Santista
Agora, mais de 20 anos depois, tramita pedido de tombamento de instalações do Clube Atlético Santista. Uma audiência pública na Câmara de Vereadores será realizada (dia 20 de outubro) para expor detalhes do pedido.
O valor arquitetônico da edificação é imensurável, como bem demonstra o relatório técnico que pede a preservação.
É, também, um exemplar da arquitetura moderna na cidade, projeto de 1947 de autoria dos arquitetos Ícaro de Castro Mello e Oswaldo Correia Gonçalves.
Sem contar que o ginásio do Clube Atlético Santista guarda histórias incríveis.
Por exemplo, em 1958 recebeu show do grupo Bill Halley and His Comets, precursor do rock’n’roll mundial. Um público de 10 mil pessoas esteve presente, conforme já contou aqui no Juicy a repórter Victória Silva.
Por que o tombamento dos clubes de Santos?
Tombar não é engessar, não é deixar um imóvel se degradar. Ao contrário. É impedir que se destrua, é garantir uma evolução que preserve a arte, a história e a cultura.
O Condepasa, desta vez, deu parecer favorável ao tombamento do Atlético Santista, mas a pressão é grande. A localização estratégica do imóvel (fica pertinho da extensão do VLT) faz o mercado se interessar por erguer arranha-céu ali.
Já as áreas do Portuários e da Portuguesa Santista pertenciam à União. Ou seja, a todos nós. De uma hora para outra foram postas à venda, sem que nenhuma discussão com a sociedade, sobre a destinação mais adequada. O grupo comprador (Peralta) já anunciou que quer implantar um empreendimento imobiliário. Portuários e Portuguesa Santista seriam desalojados. As canchas sumiriam.
Para justificar a destruição, o discurso recorrente é o do “crescimento”, da “geração de empregos”.
Ora, o que traria maior valor agregado à orla da cidade, uma construção icônica como a antiga do Clube XV, ou o atual arranha-céu, mais um na paisagem?
O que gera mais desenvolvimento, emprego e renda: um complexo de formação esportiva, revelando talentos, potências olímpicas, ou mais um centro comercial?
A Santos dos anos 1990 tem muito a nos ensinar.
Que tenhamos aprendido.
Porque, depois, não adianta lamentar vendo fotos antigas em grupos de redes sociais.
*A coluna Santos90, dedicada a resgatar a memória da cidade e da região na década mais divertida do século XX, tem autoria de Wagner de Alcântara Aragão, em colaboração para o Juicy Santos.