Texto porVictória Silva
Jornalista, Santos
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Pagu: a Mulher que Mudou a Economia do Brasil

Quando você pensa em pessoas de Santos que fizeram história, quais nomes vêm à sua mente?

Provavelmente, algo entre os Andradas, Bartolomeu de Gusmão ou algum outro nome que está eternizado pelas ruas da cidade. Mas, quantas mulheres que nasceram aqui ou adotaram a cidade como lar e foram importantes para a história do Brasil você consegue citar?

Elas existem, foram tão importantes para a história quanto os caras e em menor número – infelizmente, diga-se de passagem – também dão nome as ruas por entre os canais.

A única diferença é que em algum momento, foram apagadas da memória dos santistas.

Podemos citar Ada Campanini da Silva, que participou da 2ª Guerra Mundial como enfermeira; Maria Máximo, fundadora do Centro Espírita Ismênia de Jesus; Afonsina Proost de Souza, que dedicou a vida à solidariedade e muitas outras, como fizemos há algum tempo.

Entre tantos nomes, um dos mais controversos e que causam curiosidade é: Patrícia Galvão.

Você sabe quem foi Pagu?  

Patrícia Rehder Galvão, ou simplesmente Pagu, nasceu no interior de São Paulo, em São João da Boa Vista, e escolheu Santos como sua cidade do coração. Por isso, muitas vezes se disse santista.

Sua primeira estadia de maior duração por aqui aconteceu em sua lua de mel, ou melhor, logo depois de fugir de casa. Vamos explicar: aos 19 anos Pagu casou com o pintor Waldemar Belisário, mas o enlace era apenas uma desculpa para sair de casa e do controle de seus pais.

Ainda na serra, ela trocou de carro e, de quebra, também de companheiro.

E então seguiu para uma pousada no coração do Gonzaga com Oswald de Andrade, que na época era casado com Tarsila do Amaral e mantinha um relacionamento com Pagu – que era amiga do casal e contou com a ajuda de ambos para arquitetar o plano.

* Tarsila, obviamente, não imaginava a existência do relacionamento amoroso.

Antes disso, Pagu já tinha dado alguns mergulhos pelos mares santistas durante férias em família e se apaixonado pela cidade.

Pouco tempo depois da fuga, ela engravidou de seu primeiro filho (Rudá de Andrade) e, como consequência, Oswald pediu divórcio e oficializou o casamento com a mãe de seu filho. O que não garantiu que deixasse de ter relacionamentos extraconjugais e, por isso, apenas 3 meses após o nascimento de seu filho, a santista embarcou sozinha para Buenos Aires, onde aconteceria um congresso de poesia do qual ela seria Embaixatriz da Antropologia.

Rudá e Pagu na praia de Santos

Política

Foi durante a viagem que Pagu conheceu Luiz Carlos Prestes.

O que resultou em uma mulher ainda mais fascinada pelas ideias comunistas. É bom dizer que no século 20, a jovem já defendia a participação ativa das mulheres na política e se declarava comunista abertamente. A partir de sua ida a Buenos Aires, ela passou a trazer panfletos e livros marxistas de todas suas viagens.

Por conta disso, foi a primeira mulher brasileira a ser uma presa política. Neste período, o primeiro de 23 prisões, ficou na pior cadeia da América Latina (hoje conhecida por aqui como Cadeia Velha).

Artes

Somado a todos os feitos políticos, Pagu também encontrava tempo para outras atividades.

Entre seus feitos históricos, foi Pagu quem, ao lado de Oswald de Andrade, editou o jornal O Homem do Povo; participou da organização do Socorro Vermelho, ramo partidário de apoio a grevistas e militantes de Santos; foi cronista de A Tribuna; e traduziu diversos autores até então desconhecidos no Brasil.

Também foi Pagu que liderou a campanha pela construção do teatro municipal de Santos e, por isso, o centro cultural (que fica no Canal 1 e engloba o teatro municipal, teatro de arena Rosinha Nastrângelo, a galeria de arte Patrícia Galvão, a galeria de arte Brás Cubas, o museu da imagem e do som de Santos e a hemeroteca Roldão Mendes Rosa) é conhecido como Centro Cultural Patrícia Galvão.

Mas, a estrutura foi inaugurada apenas 17 após seu falecimento 🙁

Em vida, ela ainda foi responsável pela criação da Associação dos Jornalistas Profissionais e a União do Teatro Amador de Santos.

Além de dirigir peças de teatro e escrever diversas críticas, ela também fazia uma série de desenhos que vão dos mais simples e ilustram seus dias até traços considerados ousados para a época (não que isso seja uma novidade vindo dela, né?).

Uma curiosidade: Em certo momento, Pagu viveu em um quarto alugado em uma pensão na Av. Rei Alberto I, na altura do número 367, na Ponta da Praia.  Quem lê ‘A Escada Vermelha’, de Oswald de Andrade, é apresentado à família de Dona Maria, dona do local.

Noutro momento, a família se abrigou na Ilha das Palmas, também em Santos com a ajuda da mesma senhora.

Chegou até aqui e ainda não entendeu o impacto de Pagu na economia ? Calma, ele está chegando!

Soja

O casamento com Oswald não foi bem-sucedido e Pagu acabou separada de seu filho, que foi morar com o pai e as diversas esposas que ele teve no decorrer dos anos.

Somado ao sofrimento causada pela distância de seu filho, Patrícia Galvão precisava lidar com a frequente perseguição política e isso serviu como um incentivo para uma viagem à Europa e Ásia.

A ideia era, entre outras coisas, visitar a Rússia (o que resultou em sua primeira decepção com o regime até então amado).

Durante a viagem, a santista trabalhou como correspondente de diversos jornais, militou no PC da França e, na China, conheceu a “vaca vegetal”. Foi um caso de amor à primeira vista e ela decidiu implementar a cultura no Brasil.

Deste modo, quando desembarcou no país- no porto de Santos – entre os itens trazidos estavam as primeiras mudas de soja em território brasileiro, que foram entregues ao então ministro da agricultura, Fernando Costa.

O agrônomo aproveitou o gesto da artista como propaganda para fortalecer a nova cultura. O que tronou Pagu uma espécie de madrinha nacional da soja, uma vez que as sementes foram espalhadas por canteiros de todas as estações experimentais do país.

Não demorou para a mídia passar a divulgar o grão. A partir desse momento a soja ficou conhecida como uma possível solução para melhorar a alimentação e, nos anos 40, se tornou uma rota culinária alternativa no Brasil.

Atualmente, essa é a principal cultura do agronegócio brasileiro. Mas, poucas pessoas sabem que foi uma mulher tão ligada a Santos que a implementou no país.

Ilustração poema Pagu - Olhos moles

Por que Pagu?

Sabendo disso tudo, sua cabeça está louca para saber o que significa Pagu?

Um erro. Segundo relados de Augusto de Campos, o poeta Raul Bopp aconselhou-a a assinar seus textos com as primeiras sílabas de seu nome e sobrenome. Ele pensou que seu nome era Patrícia Goulart e escreveu um poema cujo título eternizou o apelido, O coco de Pagu (leia o poema aqui).

O último registro

Pagu faleceu em Santos em 24 de setembro 1962 e foi sepultada no cemitério do Saboó.

Seu último texto foi publicado um dia antes de sua morte, em A Tribuna. A poesia Nothing, que você pode ler na integra:

Nada nada nada
Nada mais do que nada
Porque vocês querem que exista apenas o nada
Pois existe o só nada
Um pára-brisa partido uma perna quebrada
O nada
Fisionomias massacradas
Tipóias em meus amigos
Portas arrombadas
Abertas para o nada
Um choro de criança
Uma lágrima de mulher à-toa
Que quer dizer nada
Um quarto meio escuro
Com um abajur quebrado
Meninas que dançavam
Que conversavam
Nada
Um copo de conhaque
Um teatro
Um precipício
Talvez o precipício queira dizer nada
Uma carteirinha de travel’s check
Uma partida for two nada
Trouxeram-me camélias brancas e vermelhas
Uma linda criança sorriu-me quando eu a abraçava
Um cão rosnava na minha estrada
Um papagaio falava coisas tão engraçadas
Pastorinhas entraram em meu caminho
Num samba morenamente cadenciado
Abri o meu abraço aos amigos de sempre
Poetas compareceram
Alguns escritores
Gente de teatro
Birutas no aeroporto
E nada.

* A pesquisa para essa matéria foi feita no Centro de Estudos Pagu Unisanta e com base em conteúdos do Canal Rural  e do site Viva Pagu