Voar de paraglider em São Vicente é um verdadeiro culto à natureza
É quase como se não houvesse nada e, ao mesmo tempo, estivesse tudo ali tocando à pele.
Um assobio ritmado, viajando através do vento, faz lembrar: estamos voando e o mundo está logo abaixo dos nossos pés. A voz que grita “água a R$ 2” traz a rotina à tona e dá medo. E então vem uma brisa leve que acaricia e diz que vai ficar tudo bem.
Voar de paraglider em São Vicente me ensinou uma nova forma de rezar.
Talvez esta seja, agora, a minha maneira preferida de me conectar à Mãe Natureza.
A experiência de voar de paraglider em São Vicente
Durante anos, eu passei pelo trecho da Av. Ayrton Senna da Silva, na orla de São Vicente, com os olhos voltados para o céu. Sempre em busca dos pontinhos coloridos que saltavam do Morro do Voturuá, também conhecido como Morro da Asa Delta, rumo ao nado e ao tudo. Minha curiosidade de menina queria saber: quem eram e por que voavam?
Peguei o teleférico com a missão de descobrir a paixão desses caras. E ainda, no caminho até o topo do morro, me vi apaixonada, mesmo que com as mãos suando frio.
Subir de teleférico e pular de paraglider
Os carrinhos do teleférico de São Vicente não param. Você fica em pé e é avisado na hora que deve sentar. E então ele sobe num ritmo que te permite tocar o topo das árvores com os pés, ouvir o som dos pássaros, observar borboletas e ouvir o trânsito da avenida que liga São Vicente e Santos.
Levam cerca de 15 minutos para chegar ao topo. O mesmo tempo que o voo de paraglider (ou parapente) costuma durar. Mas as duas experiências são totalmente diferentes.
No teleférico, você está ligado ao chão por cabos, durante o voo a única conexão é com o ar. E, às vezes, parece que ele nem existe.
“Eu sempre digo que para quem acredita em algo superior – seja Deus, a mãe natureza ou o que for – cada voo é como uma oração. O momento de se conectar e ser grato”, comenta Eládio Nascimento, mais conhecido como vovô do paraglider.
Com ele, eu vivi a experiência de voar sobre São Vicente e observar uma das vistas mais bonitas da Baixada Santista. Lá de cima, com os pés flutuando e o carinho do vento, o mar é mais azul e o verde, mais intenso. Os assobios do instrutor de voo lembram que estamos voando feito pássaros, e também que não temos asas. Uma sensação que permeia entre o medo e o encantamento em questão de segundos.
Nascido para voar
Há quem imagine que depois de correr e saltar, o paraglider se move em um ritmo acelerado. Mas, na verdade, o equipamento se move delicadamente, quase como numa dança. Os carros passam rápido lá embaixo, mas a sensação é que, no ar, o ritmo soa diferente.
O vovô do paraglaider concorda, o ritmo é outro. E, aliás, o seu preferido.
“Eu nunca soube que eu precisava voar, até que pulei pela primeira vez e descobri que nasci para isso. Foi uma loucura. É sempre uma loucura e isso é uma delícia”.
Fisioterapeuta de formação, Nascimento tinha a agenda cheia de paciências em seu consultório em Santos e não costumava observar o céu na divisa com São Vicente. Sua esposa, por outro lado, admirava os pontinhos coloridos da sacada do apartamento e tamanha era a curiosidade, pediu para voar em seu aniversário.
Um instrutor de São Paulo fez o voo duplo com ela e foi amor à primeira vista. Quando os pés encontraram o chão estava decidida: ia fazer o curso para voar sozinha.
“Achei um absurdo, mas ela queria né… Fomos a um morro na (rodovia dos) Imigrantes e ela saltou de lá duas vezes. Ficou pendurada numa árvore e desistiu. Acontece que o curso já estava pago e o instrutor se negou a devolver o valor. Eu fui no lugar dela nas aulas, só para não perder o dinheiro do curso”.
De acordo com ele, o que aconteceu em seguida foi que ele ficou maluco por voar e não conseguia fazer mais nada. O paraglaider ficava no porta-malas do carro e o horário de almoço era, na verdade, hora de fazer sua oração. Quando o vento estava bom, estendia o intervalo e os pacientes tinham que voltar outra hora.
Então, ele largou tudo e partiu para fazer o que sabia, agora, ser sua vocação: voar pelo mundo.
Primeiro clube de voo do Brasil
“Eu fechei o consultório, peguei todo o dinheiro que eu tinha e fui para a Europa voar. Fiquei dois meses e gastei tudo que eu tinha”.
Sem um real na carteira e com uma pilha de contas para pagar, nasceu a ideia de transformar o amor em negócio. Há 27 anos, o vovô do paraglider largou a fisioterapia para voar, dar asas a quem quer sentir o tempo passar sem os pés no chão e assobiar no ritmo do vento.
Hoje, soma mais de 10 mil voos registrados e a responsabilidade de ser o cabeça por trás do primeiro clube de voo livre do país e também de uma das escolas de paragliding mais tradicionais, a Wind Coast. Mas, se acaso você subir o morro, vai encontrar outra opção de escola, a Dinâmica do Ar, capitaneada pelo primeiro aluno do vovô, carinhosamente chamado de Barata.
Além das aulas de voo livre em São Vicente, ambas as escolas também oferecem os voos turísticos – como os que eu fiz. Assim como Nascimento, todos os instrutores contabilizam anos de voo e não conseguem se ver fazendo outra coisa.
“Para se instrutor eu peço pelo menos 10 anos de voo e 4 trabalhando numa escola como monitor”.
Bispo aprendeu a sorrir
Os voos de paraglider acontecem todos os dias no Morro do Votoruá, desde que as condições de vento estejam favoráveis. Para que eu enfim matasse a minha curiosidade de saber qual é a sensação que os pontinhos coloridos sentem, precisei fazer o passeio de teleférico em três dias diferentes. Nas duas primeiras, não dei sorte. Por isso, aqui fica o meu conselho para quem quer voar de paraglider em São Vicente: olhe o céu antes de subir. Caso não tenha ninguém voando, há uma grande chance de você também não poder ir.
Apesar de duas primeiras voltas não terem sido como eu imaginei, nenhuma das viagens foi perdida. Em uma delas, conheci Silvio Bispo, que todos chamam apenas pelo sobrenome, um senhor que aprendeu a voar aos 70 anos.
Ou melhor, que aprendeu a sorrir.
“Eu estava na praia e vi um rapaz pousando. Me aproximei, de curioso mesmo. Tinha um rapaz dando instruções e eu perguntei pra ele se era curso. Ele me disse que sim e logo em seguida eu vim fazer a minha inscrição”.
De acordo com os instrutores de ambas as escolas, Bispo era um senhor totalmente sério e só abriu o primeiro sorriso quando voou pela primeira vez. Ele nega que fosse tão sério, mas não tem dúvidas de que voar trouxe a leveza que sua vida precisava. Para ele, ficar dias sem voar é uma tortura.
Como voar de paraglider em São Vicente
Se você também tem vontade de voar, é só entrar em contato com o Vovô Eládio ou então ir direto ao topo do morro. Os voos acontecem diariamente, desde que o tempo esteja favorável. Custa R$ 260 (pagamento à vista tem desconto) e também dá para fotografar o voo por R$ 70 e filmar por R$ 120. Com R$ 170, você recebe o vídeo editado.
Para subir de teleférico, custa R$ 40. Mas quem é da Baixada Santista paga meia 🙂