Isolamento no espectro: como a pandemia tem sido para autistas
Em 1º de maio de 2020, quando o uso de máscaras passou a ser obrigatório em Santos, Ana Paula Chacur já tinha uma coleção delas. O estoque, diferentemente do que mandava o decreto municipal, era usado mesmo quando estava dentro de casa.
Mãe de duas crianças no espectro austista, ela queria que os filhos tivessem curiosidade sobre o novo acessório em seu rosto. E, consecutivamente, aceitassem usá-lo em eventuais necessidades de ir resolver algo na rua.
Esse foi só o primeiro desafio do isolamento no espectro
Estima-se que um entre cada 367 brasileiros vivam com autismo.
O número, no entanto, não é lá muito certeiro. Isso porque não existe nenhuma pesquisa no país sobre o assunto e a estimativa vem de um estudo feito em Atibaia, há exatos 10 anos. Por isso, você, provavelmente, conhece alguém no espectro – seja criança ou adulto. Mas, se não sabe o que é autismo, explicamos. Em resumo, o transtorno é uma condição de saúde que tem vários níveis e características. Ele pode se apresentar, por exemplo, através de um déficit na comunicação ou em outros comportamentos.
“Pessoas com Transtorno do Espectro Autista (TEA) necessitam de uma rotina instaurada para facilitar o desenvolvimento de seu dia-a-dia e diminuir respostas de ansiedade”, explica Tatiana Lopes, Psicóloga Comportamental Especialista em TEA.
Helena e Antonio, filhos da Ana, têm 12 e 9 anos respectivamente. Ambos são autistas. Cada um deles possui suas próprias necessidades e níveis diferentes. Mas, tanto Ana quanto sua mãe, com quem mora, aprenderam a entendê-los e conseguiram criar uma rotina que funciona para ambos.
Quando as primeiras manchetes sobre a pandemia começaram a ser publicadas, elas já imaginavam que teriam um desafio pela frente.
Afinal, a rotina foi totalmente quebrada
Na casa de Marcela Alves, o diagnóstico de Bernardo foi fechado há cerca de dois anos. Na época com 3 anos, ele ainda não verbalizava e a mãe procurou ajuda médica. Desde então, a família busca vivenciar situações nas quais ele pudesse socializar e enfrentar, mesmo que em curtos intervalos de tempo, suas maiores dificuldades.
Há algum tempo atrás, nos perguntamos: a sociedade está preparada para acolher autistas adultos?
Além de ir à escola, ele também fazia aulas de futebol e taekwondo. Nos intervalos, costumavam entrar rapidamente no shopping para se acostumar com o estímulo das luzes e dos barulhos. Antes da pandemia começar, as primeiras palavras foram ditas. Um avanço comemorado.
“Quando veio a pandemia tudo piorou. A escola ficou online e ele perdeu a interação social. Perdeu o conhecer das coisas, sabe? De subir uma escada, de esperar numa fila… ele retrocedeu”, comenta a mãe.
Na casa de Ana Paula, a sensação é a mesma. Com os filhos em casa, ela conta que precisou aumentar a quantidade de medicamentos – até então, bem pequena. Pois não conseguiu outra maneira de conter a ansiedade gerada pelo confinamento.
Mas um problema é diferente entre as duas famílias: Bernardo prefere ficar em casa. Um ano depois da pandemia, ele reclama quando é necessário sair e fica agitado. Já Helena e Antônio ficam agitados por terem que ficar em casa o tempo todo.
A psicóloga Tatiana Lopes explica que os dois casos acontecem por conta da quebra de rotina. Que, entre outras coisas, pode causar desorganização emocional, gerar crises comportamentais e ansiedade. Ela explica ainda que, em alguns casos, é possível que o retorno à rotina também seja difícil – já que habilidades sociais serão perdidas.
Para conter as perdas, a terapia é necessária
Mas fazê-la a distância não é tão simples assim.
A Marcela, por exemplo, sabe que não conseguiria deixar o filho, de apenas cinco anos, na frente do computador para fazer terapia. A tentativa seria apenas uma fonte de agitação para o filho. Por isso, as terapias foram interrompidas.
“Uma das terapeutas, que acompanha ele desde o início, entendeu o que eu queria dizer. E também a que ele perderia todas as evoluções. Aí a gente começou a fazer em casa”.
A profissional, inclusive, ensina à mãe como melhorar a rotina e o ambiente da casa para o filho. Na casa de Ana Paula, adaptações também vem acontecendo. Ela conta que a varanda deixou de ser seu home office e passou a ter uma rede, puff, plantas e brinquedos. Além disso, para entretê-los, as crianças passaram a ser envolvidas em toda rotina organização e limpeza da casa.
“Eles aprenderam lavar louça, arrumar a cama, recolher, dobrar e guardar as roupas”.
Apesar de terem tarefas que ajudam o dia a passar, os irmãos sentem falta das terapias e de ir à escola.
O EAD não funciona tão bem entre eles
Fabíola Vieira, mãe de Thiago, de 15 anos, enfrenta problemas parecidos com os da Ana e da Marcela. O filho amava ir à escola e não consegue entender a necessidade do isolamento ou o motivo de não poder ir brincar com os amigos.
“Ele não fala que está triste, mas é notório o fato de que não está bem. Pede para ver a vó, ir à escola… No último sábado ele chorou muito”.
Ela aderiu as terapias online. Mas conta que ainda não sentiu diferença no comportamento do filho.