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Existem mais influências de Portugal em Santos do que você imagina

Maria Tereza Gonçalves abandonou Portugal em 1959.

Quando embarcou no Charles Tellier, navio francês, não sabia muito a respeito de seu destino final. Apenas que sua irmã, sobrinhos e a cunhada estariam à sua espera. E também que 21 dias de viagem a separavam de seu futuro. Após três semanas no mar, ela estaria no local onde teria uma vida melhor. Para estar próxima de suas raízes, na pequena mala estavam linhas, agulhas, pedaços de tecido e um dedal. Tudo o que precisava para fazer seus bordados no morro do São Bento, em Santos.

Ao desembarcar no cais do porto, ela descobriu que existia muito de Portugal em Santos.

Primeiramente, o sotaque (que ela mantém até os dias de hoje) era comum nas ruas do morro. Isso porque, no século 19, a maioria dos moradores do São Bento também tinha enfrentado semanas de viagem para chegar até ali. Aliás, a geografia de morro e mar é tão igual à Ilha da Madeira quanto ela consegue se lembrar.

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Com seu bordado em mãos, a jovem nem sentiu que estava do outro lado do mapa.

Influências de Portugal em Santos

Sessenta anos após a chegada de Teresa em Santos, acredita-se que o número de portugueses por aqui esteja em torno de 30 mil lusitanos. Em toda a Baixada Santista e Vale do Ribeira, são 50 mil cidadãos portugueses ou com dupla nacionalidade. Nem todos eles trouxeram um costume português em suas malas, assim como a jovem de 21 anos fez. Mas todos encontraram em Santos influências da terra natal que os fazem sentir em casa ou ajudam a matar a saudade.

No mês de junho, por exemplo, acontece a Festa de Portugal. Em 2019, o evento chega à sua 10ª edição. E, como já é tradição, irá reunir música, dança, artesanato, comidas e doces típicos portugueses no Centro Histórico.

juicysantos.com.br - Portugal em Santos

“Nossa comunidade é enorme e gosta de manter as tradições. A festa de Portugal foi desenvolvida no intuito de proporcionar um ambiente bem português. Assim é possível matar a saudades e também proporcionar um primeiro contato com essa cultura que é muito rica”, explica José Augusto, organizador do dia de Portugal.

A estimativa é que 5 mil pessoas compareçam à festa no domingo, 16 de junho. Mas, se acaso você não puder ser uma delas, não precisa ficar triste: tem Portugal em Santos o ano inteiro!

As esquinas e o sabor de Portugal

Tereza é enfática ao dizer: quando sente saudades do almoços da Ilha da Madeira corre para cozinha e prepara a melhor carne de porco alentejana de Santos. Mas já que não é possível ir almoçar na casa dela, você pode deliciar a gastronomia portuguesa em alguns endereços em Santos.

Para começar, vamos falar sobre do prato português mais tradicional em Santos: bolinho de bacalhau. Essa é uma iguaria que pode ser facilmente encontrada em qualquer bar da cidade. Mas dois disputam o título do melhor bolinho de bacalhau de Santos: o cinquentenário Bar Goiás e o Bar do Toninho.

“Pra mim o verdadeiro bolinho de bacalhau é feito apenas com bacalhau e batata, sem farinha de trigo. Se tem farinha é croquete”, comenta a portuguesa Isabel, que frequenta ambos os endereços e não quis se comprometer a apontar o melhor.

Bolinho de bacalhau do Toninho

Já quem nem só de bolinho de bacalhau se faz a rica gastronomia portuguesa, os fãs de outros pratos os encontram em dois endereços: o tradicional Tasca do Porto e a novidade da cidade, O Lagar. O cardápio de ambos se baseia em receitas a base de carnes, peixes e frutos do mar, por exemplo. Mas é o Tasca do Porto que faz a cultura portuguesa se manter viva para além das ótimas comidas.

Isso porque todos os sábados e domingos, sempre a partir das 13 horas, a casa tem música ao vivo com artistas como Choro de Bolso, Maurício Fernandes e Ney Rocha e a Banda Filhos da Tradição. Em outras palavras: repertório português como nas boas tascas de Portugal. Além disso, no último sábado do mês acontece a Noite de Fado, que de acordo com os organizadores é um sucesso de público desde sua primeira edição.

www.juicysantos.com.br - a história da casa da frontaria azulejada

Arquitetura e arte de Portugal em Santos

Em toda a região do Tasca, que fica no Centro Histórico (Rua Quinze de Novembro, 112), é possível encontrar outra grande influência de Portugal em Santos: a arquitetura.

Uma das principais está na Casa da Frontaria Azulejada. E o Juicy Santos já contou essa história aqui.

juicysantos.com.br - influências de Portugal em SantosImagem: Reprodução/Sergio Avelino Campagnolo

“Nós temos uma influência muito forte na arquitetura. Na região do Centro Histórico, por exemplo, existe uma concentração bem grande para um espaço pequeno”, explica Ricardo Andalaft, coordenador do curso de Arquitetura da São Judas – Campus Unimonte.

De acordo com ele, isso se dá pela grande ocupação portuguesa na cidade durante a colonização. Dado que muitos portugueses se estabeleceram em Santos e, muita vezes, viajavam a Portugal e voltavam com novidades.

“Durante o século 19 e os trinta primeiros anos do século 20, tivemos construções neoclássicas e ecléticas. Mas, antes disso, também houve construções com influência pré-barroca”, explica.

Entre as obras, cita, por exemplo, o casario da Rua do Comércio (foto acima), o entorno da Praça Mauá e o Conjunto do Carmo.

www.juicysantos.com.br - centro português de santosAuditório do Centro Português da Rua Amador Bueno

Centro Português

Dentre todas as construções, uma das mais emblemáticas para Andalaft é a do Centro Português – construído no estilo neomanuelino.

www.juicysantos.com.br - influências de portugal em santos

“Uma curiosidade é que, com o retorno dos brasileiros a Portugal, houve também uma influência da arquitetura brasileira por lá. Muitas das vezes, isso significava descaracterizar os estilos tipicamente portugueses. E, por isso, houve um movimento de arquitetos e construtores de resgatar as origens.”

Se você não conhece, a casa fica na Rua Amador Bueno e até as paredes transbordam as referências de além-mar.

www.juicysantos.com.br - influências de portugal em santos

Quem visita o local se sente numa verdadeira viagem no tempo, com livros, obras de arte e até mesmo uma caixa que guarda terra do Castelo de Guimarães. O espaço cumpre o papel de não deixar as lembranças de Portugal se esvaírem.

A missão do Centro Português também é a dos ranchos folclóricos de Santos: preservar a memória. No total, a cidade abriga sete grupos:

  • Grupo Folclórico Cruz de Malta
  • Rancho Veteranos Apaixonados pelo Folclore
  • Rancho Folclórico Verde Gaio
  • Rancho da Escola Portuguesa
  • Rancho Folclórico A. A. Portuguesa
  • Rancho Folclórico Tricanas de Coimbra
  • Rancho Folclórico Típico Madeirense

Cerca de 240 participantes se dividem entre eles (e também há um grupo em Praia Grande). Têm o objetivo de manter as tradições lusitanas vivas. Para isso, o trabalho consiste em apresentações que mesclam dança, música e roupas tradicionais de época.

Memórias que dão sentido à vida

Tereza, que chegou em Santos em 1959 e tem a melhor receita de porco alentejana da cidade, também mantém uma tradição da Ilha da Madeira viva: o bordado, que ela trouxe em sua mala e nunca largou. Aliás, ela mal chegou em Santos e já montou um grupo com outras portuguesas da ilha para bordar, as Bordadeiras do São Bento.

“Quando eu cheguei aqui minha irmã já tinha um jogo de lençóis para eu bordar. Desde esse tempo não parei mais… O bordado pra mim é tudo. Ninguém se interessa mais por bordado feito à mão, mas eu amo fazer. Desde pequena. Faço mesmo sem vender”, comenta.

Apesar de o grupo não existir mais, já que algumas das integrantes faleceram e outras estão debilitadas, Tereza ainda batalha para que a arte do bordado não seja esquecida. Há 10 anos, ela dá aula no CAIS Vila Mathias ao lado da também portuguesa Isabel da Paixão Andrade e de uma brasileira, filha de uma das bordadeiras da primeira formação do grupo.

No total, sete alunos aprendem a arte de bordar. Para a portuguesa, elas são as esperança de manter a tradição trazida no Charles Tellier viva. De todo modo, uma coisa é certa: enquanto as mãos dela puderem, ela estará bordando.

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Jornalista,