Texto porVictória Silva
Jornalista, Santos

Além do que as campanhas ilustram: todos os corpos do câncer de mama

Quando fez o autoexame dos seios naquela tarde, Ana Rosa estava apenas seguindo um protocolo.

Desde que entrou na puberdade, tocar as mamas em busca de algo “diferente” era incentivado por sua mãe.

Acontece que, naquele dia, ela sentiu um nódulo na mama direita.

Tinha apenas 16 anos quando o episódio aconteceu.

Com a mesma idade, Bruno Fabrega deu início ao seu processo de hormonização que, entre outras coisas, incluiu a remoção total das mamas (mastectomia).

As campanhas de outubro rosa não incluem Anas ou Brunos.

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Mas esses poderiam ser corpos do câncer de mama

Ou não. Não há como saber, a não ser tendo as informações necessárias.

Assim que sentiu o nódulo, Ana correu para contar para a mãe. Minutos depois, já tinha uma consulta com a ginecologista marcada.

“Foi um dia normal. Eu estava fazendo o autoexame, que fazia parte da minha rotina desde os 12 anos.  A ginecologista fez o exame do toque e também sentiu. Então, pediu uma ultrassonografia da mama”.

O nódulo, de fato, estava lá. Mas não era nada de muito grave e foi retirado semanas depois. Desde então, Ana não voltou a sentir nada em nenhuma das mamas e nenhum exame apontou para possíveis complicações.

Se a jovem não tivesse sido orientada pela mãe, provavelmente sua história se desenrolaria de outra forma. Já que o senso comum diz sempre a mesma coisa: o câncer de mama acontece em mulheres a partir de 50 anos.

Acontece que o câncer de mama não tem idade

O diagnóstico de Ana saiu rápido e foi rapidamente resolvido. De acordo com a ginecologista que atende toda a família, tamanho sucesso tem uma explicação simples: a detecção precoce do nódulo.

No Brasil, surgem, em média, 66 mil novos casos de câncer de mama todos os anos. Isso significa que esse é o segundo câncer mais comum no país, depois do de pele. De modo geral, a doença acomete pessoas com idade superior aos 50 anos. É raro encontrar pacientes abaixo dos 40.

Mas eles existem.

Larissa Prandato, por exemplo, sentiu o nódulo aos 38 anos. Assim como na vida de Ana, o exame de toque já era parte da rotina da fisioterapeuta há algum tempo – tanto quanto a mamografia.

“Fiz o exame de toque no final de 2018 e a ginecologista não sentiu nada. Semanas depois, eu caí e senti algo nos dias seguintes. Liguei para a médica para relatar o problema e ela pediu a mamografia, apenas por precaução”.

O primeiro exame não deu nada. Mas, na ultrassonografia, o resultado apareceu: o nódulo estava ali. Poderia ser um mioma ou então algo relacionado ao tombo.

Mas era câncer de mama

Dois anos depois do final do tratamento, Larissa conta toda a história com um sorriso enorme no rosto. É o sorriso de quem venceu e teve apoio do início ao fim. Uma amiga foi quem a ajudou a marcar um médico para a segunda-feira seguinte e o marido desmarcou todos os compromissos para acompanhá-la.

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Entre uma quimioterapia e outra, teve que raspar o cabelo. A irmã ficou responsável pela tarefa. Enquanto o resto da família assistia a tudo reunida na sala da casa, mesmo sendo quase meia-noite.

“Fizeram moicano, corte do Ronaldinho… Foi uma palhaçada. Não teve Love by Grace, como na novela, só as risadas”, ela conta.

Isso não significa, de modo algum, que enfrentar um câncer de mama seja simples. A própria Larissa diz que, às vezes, o desânimo se tornou seu companheiro no tratamento. Seja por estar sem trabalhar ou pelas longas horas sozinha em casa…

Existem casos mais graves, nos quais não há apoio da família, assistência médica ou a remissão não vem (conheça a história da Ana Michelle, por exemplo).

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A santista fez seis sessões de quimioterapia, uma cirurgia do quadrante onde estava o nódulo e 20 sessões de radioterapia e voltou a vida ao normal. Apesar disso, reforça alguns cuidados e segue com o acompanhamento médico por alguns anos até que a alta seja de fato assinada (chamada de remissão entre pacientes do câncer).

Ela está trabalhando e os planos de ser mãe ressurgiram. Antes do câncer, estava fazendo um tratamento para aumentar a ovulação. Se não funcionasse, a família estudava a hipótese de adotar uma criança. E é isso que será feito.

É sobre saúde de quem tem mama

Enquanto toda a história dela acontecia, em paralelo, Bruno Fabrega seguia sua hormonização.

Além da masctectomia, ele também fez a histerectomia (retirada dos órgãos reprodutores femininos) e outras oito cirurgias. Ainda assim, é preciso ficar atento aos exames de toque – assim como Ana sempre esteve. É que o câncer de mama também pode acontecer em homens – sejam eles trans ou cis.

De acordo com informações do Ministério da Saúde, os casos em homens são mais raros. Representam, em média, 1% do total de casos da doença.

Acontece que, muitas vezes, a comunidade trans e LGBTQIA+ não sabe dessa pequena, porém real, possibilidade.

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Vênuz e Raphaella Gomez, por exemplo, são os nomes por trás do Transceda. O projeto sociocultural levanta diversas pautas de conscientização no Instagram. Ainda assim, esse não era um assunto que conheciam até pouco tempo.

“Fiz o exame de toque pela primeira vez esse ano. Não sabia. Existe uma falta de preparo tanto dos profissionais quanto nossa”, relata Vênuz, que se identifica como trans não binarie.

A falta de corpos similares ao seu em campanhas é apontada como um problema.

Raphaella Gomez, travesti de 19 anos, conta que já sabia dessa necessidade. Apesar de ter estudado enfermagem por algum tempo, o conhecimento não veio do curso – que, aliás, foi abandonado pela ausência de corpos similares ao seu sendo abordados nas aulas.

Larissa, Ana, Bruno, Vênuz e Raphaella não estão nas propagandas ou campanhas de Outubro Rosa.

Não é só falar sobre câncer de mama para mães, avós e mulheres com mais de 40 anos. Não é sobre distribuir lenços ou batons ou usar um laço rosa na roupa por 30 dias. Já passamos dessa fase. As campanhas devem amadurecer com o tempo e levantar o tema fora do mês de outubro.

Se você não sabe como fazer o autoexame, clique aqui e confira 🙂