Texto porLudmilla Rossi
Santos
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TidalWatt na COP28: cientista da Praia Grande apresenta tese em Dubai

Inovar no Brasil não é nada simples. Na Baixada Santista então, é quase uma missão impossível. Um físico descreveria como um empuxo: quando inovamos há um movimento vertical e para cima, onde nossos cérebros e talentos se movem para as capitais e grandes cidades, como São Paulo.

Mas Mauricio Queiroz, pesquisador e cientista, fez o inverso. Nascido em São Paulo e formado em física pela Uniban, ele mudou para a Praia Grande.

Por conta da relação com o mar, Mauricio escolheu a Baixada Santista para viver. Além do chamado do mar para a sua vida, foi uma corrente marítima que transformou sua vida profissional.

Mauricio Queiroz, criador da TidalWatt

Ele é um dos brasileiros que apresentará um painel na COP28, em Dubai, que inicia hoje, 30 de novembro de 2023. A 28ª conferência do clima da ONU é um evento super importante e para onde os olhos do mundo estarão voltados nos próximos dias. Terá a participação de governos do mundo inteiro, diplomatas, cientistas, sociedade civil e entidades privadas para buscar soluções para a crise climática.

O dia será um marco para nossa região, afinal o mesmo oceano que amedronta a cidade com a possibilidade de cobrir 7% do nosso território por conta das mudanças climáticas pode ser também a chave para resolver vários problemas. É aí que mora a TidalWatt, ideia que compreende a UNIDADE COLETORA DE ENERGIA DE CORRENTE (UCEC), solução criada pelo Mauricio, que embarca para Dubai para falar no pavilhão do oceano, no dia 9 de dezembro.

Para Mauricio, o oceano é a fonte de energia renovável que pode oferecer segurança energética. Através da solução que desenhou, Mauricio desenvolveu um conceito de energia de volume, através de uma turbina que é capaz de capturar toda a energia que passa por ela.

“Cada molécula que está no oceano está sob a ação de uma força, que é chamada força de campo. Até hoje, todas as tecnologias se baseiam no conceito de força de superfície. A UCEC inaugura um novo conceito que faz frente à força de campo capturando a energia nativa do planeta, tornando o investimento na tecnologia muito menor”. – afirma entusiasmado.

Para quem fugiu das aulas de física, conversar com Mauricio é curioso. O cientista conduz você a entender a solução – e apesar de muito complexa do ponto de vista de cálculos – saímos da conversa com a sensação de: “por que nunca ninguém pensou nisso antes?”.

Essa pergunta tem muitas respostas: a ideia ainda não está aplicada em escala, mas seus protótipos e testes, inclusive em laboratórios oceânicos de alta complexidade, indicam que a solução funciona.

Laboratório Oceanico - TidalWatt

É improvável que, se Mauricio fosse apenas um cientista sonhador, estivesse recebendo convites tão relevantes.

Em 2022, a TidalWatt foi convidada para apresentar sua solução em Londres em 2022, onde a diretora da Royal Institution surpreendeu Mauricio dizendo: “um dia sua turbina vai estar aqui também”.

Todas essas falas e frases parecem ser audaciosas, mas é de audácia que vive a inovação no Brasil. Por aqui vivemos as seguintes contradições: investimos mais em ciência básica do que em ciência aplicada. A diferença entre essas duas coisas é que a ciência básica se pauta em descobertas como observar o espaço, estudar espécies de rochas e animais. Isso faz a civilização avançar e é essencial, mas não necessariamente gera algum tipo de prosperidade. Já a ciência aplicada é quando a iniciativa privada aplica essas descobertas do passado em produtos e serviços, que gerem lucro.

Enquanto a pesquisa básica não gera lucro, a pesquisa aplicada não existe sem ela, mas as duas são fundamentais. Para entender melhor como isso funciona, basta pensar nos aplicativos que estão no seu celular e que você usa todos os dias: GoogleMaps, Waze, Uber, iFood, Rappi. Quando a gente olha de lupa, eles só foram possíveis por conta das das equações de Newton e Einstein, ligadas aos satélites. Com isso em mãos, o militarismo americano investe em tecnologias que originam o GPS. Sem essas pesquisas que provavelmente drenaram muito dinheiro, dificilmente sua pizza chegaria na sua casa com um clique.

A TidalWatt é fruto dessas misturas. Mas também um reflexo de que, para grandes soluções surgirem à partir do Brasil, é necessário ter uma mente inventiva e um grande espírito de risco e emprendedorismo, afinal doutores são pouquíssimo absorvidos pela nossa iniciativa privada. Enquanto nos Estados Unidos 42% dos doutores formados trabalham em empresas, no Brasil esse número é de 11,4%. As empresas não absorvem essa mão de obra e muitos gênios, morrem na praia.

Diferente da TidalWatt, que nasce aqui.

TidalWatt: como começa essa história

Em 2018 Mauricio sofreu um incidente durante um mergulho, ficando à deriva no mar. Foi arrastado por uma corrente muito forte enquanto estava submerso em uma parada de descompressão. Por conta do fato se perguntou:

“E se usássemos essa força para gerar energia?”

Durante uma noite, depois dessa ideia morando em sua mente por três meses, Mauricio acordou uma madrugada com o início do projeto na cabeça, como se fosse um “download” dos seus insights. Ele se emociona ao falar disso e mesmo sendo cientista, sua fala se volta para o inexplicável pela ciência. “É algo que não sei explicar, quase espiritual”. – diz.

Ele desenhou a turbina num software e o próximo passo foi imprimir o protótipo em uma impressora 3D, que aconteceu em 2019. Com esse protótipo, Mauricio foi mergulhar em Ilhabela para fazer um teste ainda amador e entender se aquilo tudo seria possível ou se era apenas um sonho.

Em abril de 2020, Mauricio depositou a patente da Unidade Coletora de Energia de Corrente em território brasileiro e começou uma verdadeira saga e batizou a solução (toda a cadeia de sistemas integrados à UCEC) de TidalWatt, que significa “potências das marés” em tradução livre. E pela primeira vez começou a enxergar sua invenção como um negócio, passando a divulgar a tese e a buscar investimento para tirar a ideia do estágio embrionário.

Para ele, a energia do oceano é a energia do futuro e a grande salvação do planeta. Como sociedade, nós precisamos de energia elétrica e não abriremos mão do desenvolvimento. Deveríamos tomar ações imediatas, como “desligar” muitas coisas, mas não temos como fazer isso. Então temos que urgentemente migrar das fontes fósseis para fontes renováveis de energia, a chamada transição energética.

TidalWatt - a solução

A tese de Mauricio reforça que a energia renovável de hoje é sazonal. Por exemplo, no caso da energia hídrica, precisamos de chuva. Quando não chove, o backup acaba sendo o combustível fóssil, em casos de emergência. A mesma coisa acontece com a solar e a energia eólica.

“Como a oscilação é grande e acontece sempre, o sistema não tem 100% de segurança com fonte renovável. É diferente do oceano que nunca para”. – explica Mauricio.

Tsunami de desafios

Mauricio conta que um dos desafios iniciais foi que os investidores gostavam da ideia, mas queriam a maior parte da empresa, afinal era apenas um protótipo de alto risco. Para mitigar isso, o físico empreendedor logo entendeu que teria que buscar certificações e laudos, provando que a solução era realmente efetiva. Essa história é comum em muitos projetos com alto teor de inovação e com ele não foi diferente.

Ao final de 2020, em plena pandemia, Mauricio buscou na Baixada Santista algum lugar que pudesse o apoiar nesse jornada nada simples, procurando o Parque Tecnológico de Santos.

“O Gabriel Miceli indicou que eu entrasse no programa Start, para me conectar com as startups e mentores. A partir daí me conectei com a cidade de Santos e outros empreendedores”.

Ainda em 2020, Mauricio aplicou para o PCT (Tratado de Cooperação em Matéria de Patentes).

Por pouco, Mauricio perde os prazos da nacionalização estrangeiras das patentes. Os escritórios de patente são muito caros para aplicações internacionais, mas em 2022, Mauricio conseguiu aplicar patentes em 45 países por conta própria.

TidalWatt em eventos

Enquanto tudo isso acontecia, Mauricio seguiu falando em uma série de eventos, sendo convidado por líderes do setor público e privado para apresentar sua solução, envolvendo muitos sacrifícios físicos e financeiros. Como já falamos, inovar no Brasil não é simples.

O convite para o pavilhão dos oceanos na COP28 é o momento mais importante para a TidalWatt até aqui.

TidalWatt na COP28

Segundo a própria divulgação da COP28, Mauricio Queiroz estará lá porque é uma das vozes com ideias audaciosas e tecnologias inovadoras para enfrentar a crise climática. A premissa é que os recifes de coral são uma janela para o nosso mundo futuro, territórios onde já há uma luta contra a elevação dos mares, a erosão das costas, a escassez de água e o aquecimento dos oceanos.

O painel onde Mauricio falará é painel promovido pela Woods Hole Oceanographic Institution. reunindo inovadores das novas gerações, representantes governamentais, especialistas em tecnologia climática para uma demonstração impactante dos futuros orientados para o oceano.

As expectativas do Mauricio são ambiciosas:

“Minha primeira expectativa é falar para o mundo inteiro que está de olho nisso. Quero que as pessoas entendam que a tecnologia é viável e que ela toque o coração das pessoas”.

Mauricio tem a expectativa de captar investidores internacionais e parcerizar com fundos de fomento que tornem a TidalWatt uma solução aplicável.

Ele apresentará a tese da Tidal como uma solução ambiental e social, especialmente como solução para ilhas que tem recifes de corais.

“As pessoas que moram em ilhas têm energia baseada em diesel. Existe um recurso da ONU para financiar soluções de energia limpa que resolvam problemas dessas populações”. – afirma entusiasmado.

Essa é daquelas histórias que a gente ama contar por aqui. Que ajudam a tornar nosso território mais consciente das necessidades de investir em inovação e reter nossos talentos. Vida longa à TidalWatt e à ciência brasileira.