Todo dia é dia do fim do mundo
– É o fim do mundo!
– Quê?
– Fim do mundo. Tá tudo escrito lá. O fim dos tempos, tudo se acabando.
– Tá falando sério?
– Claro que tô. Tá tudo escrito lá!
– Lá onde?
– Lá, ué.
– Sim, lá. Mas lá em que página? Em que momento falam no fim dos tempos?
– Não sei, mas tá lá.
– Hmmm…
– Não acredita?
– Não.
– Como não?
– Não tem nada a ver. Sempre aconteceu coisas como essa de agora. Só que é a primeira vez que a gente vê.
– Quanta descrença! Gente igual a você só aprende na marra, no sofrimento, viu? Cuidado!
– Tem nada disso. Pode olhar. Coisas como essa de agora aconteceram há 50, 100, 200, milhares de anos. Sempre e sempre. Repetindo. Pra quem morreu foi fim do mundo mesmo. Mas só pra eles.
– Como tem coragem?
– Mas é. Quantas vezes você ouviu falar no mundo se acabando e ele não acabou? O mundo tá acabando desde que começou.
– Céus!
– É a verdade.
– O que sua mãe diz sobre isso?
– Olha, antes de ser pai, eu dizia pra ela ter medo de pôr algum num mundo tão cruel, insano, maldoso como esse. Que com tanta coisa acontecendo, o melhor era não transmitir a nenhuma criatura o legado da nossa miséria. Sabe o que ela disse?
– O que ela disse?
– Disse que não tinha porque ter esse medo, que desde muito nova ela ouvia os mais velhos falando no fim do mundo. Mas ninguém viu ele acabando. Só se vê o próprio fim do mundo. Ele parece que tá sempre acabando, mas tá sempre se renovando. Sempre é fim do mundo.
– Que medo dessa gente!
– Que gente?
– Essa gente que não tem medo do fim do mundo.
– Você tem?
– Claro que tenho. Olha as coisas acontecendo como essas de agora. Só pode ser o fim do mundo.
– Desisto, tenho mais o que fazer.
– No meio do fim do mundo?
– No meio do fim do mundo.
– Céus.
– Bom fim do mundo pra você.
– Vira essa boca pra lá!
– Se cuida, não quero seu mundo acabando antes da hora.
– Céus! Até mais.