Texto porLeandro Marçal
Escritor e jornalista, Santos - SP
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Máscara mais cara

Meu amigo pagou 35 reais em uma máscara. Não há estudos científicos indicando que ela ofereça mais proteção que a minha, de 5 reais.

Nenhum médico disse na TV que ela é mais eficiente que as máscaras usadas por meus pais, feitas na casa onde estão isolados desde o começo da quarentena.

A máscara de 35 reais do meu amigo é preta, com um logotipo fluorescente estampado para indicar a marca usada por gente endinheirada. Mais endinheirada que meu amigo.

Por isso, ele pagou 35 reais na máscara, que não parece proteger mais a minha máscara: sonha parecer mais endinheirado que os menos endinheirados.

Eu jamais pagaria 35 reais em uma máscara. Nem 10 reais, como meu irmão mais novo. Resistente, ele fez minha mãe me ligar há algumas semanas, porque achava feio andar “com aquele troço na cara”.

www.juicysantos.com.br - homem usando mascara de proteção contra o coronavírusIlustração: UN para Unsplash

Eu disse que não era uma questão estética, mas sanitária. Foi um comunicado interno da empresa que lhe obrigou a comprar sua máscara. E custou 10 reais porque tinha um super-herói desenhado na frente, parece. Minha mãe não sabe dizer qual, ela não entende de super-heróis ou de máscaras caras.

Nem eu. Por isso me espantei com meu amigo pagando 35 reais em uma máscara. E quase caí da cadeira quando me apareceu uma propaganda de uma marca usada por gente ainda mais endinheirada que a preferida por meu amigo: 80 reais em uma máscara. Era uma questão sanitária, disse para meu irmão no parágrafo acima. Pelo visto, virou questão estética para muita gente e eu fiquei para trás.

Como uma epifania, que nos faz ligar os óbvios pontos de quem era o assassino desde o começo daquele filme de suspense, fui relembrando postagens de suposta conscientização. Stories com máscaras coloridas, enfeitadas, com um logotipo aqui, uma pose forçada acolá.

Bonitas ou feias, as máscaras precisam ser usadas para evitar novos contágios, mortes e tudo mais que a televisão nos informa nos últimos meses. Pela saúde, penso. Se achamos um absurdo ver o uso de respiradores para aumentar lucros em outros países, por que é normal enfeitar uma máscara e encarecê-la sem aumentar sua eficácia?

Pergunto demais. Lembrei outra amiga. Ela usava óculos bonitos. Trocava de modelo semanalmente. Eu, míope, quis saber quantos graus havia em cada lente.

– Que nada, eu enxergo bem. As lentes não são “de grau”, é só vidro. Uso óculos só pra ficar mais elegante mesmo, sabe, combina comigo, né?

– Nossa, óculos por estética? Eu uso por saúde. É como se você andasse por aí usando cadeira de rodas pra ficar mais bonita, um desrespeito com quem tem problemas de mobilidade – respondi, antes de ela virar a cara, nunca mais falar comigo, me xingar em grupos de WhatsApp e excluir do Facebook.

Nos primeiros dias, o uso de máscara dificulta a respiração. Claro, nada perto de quem precisa de ajuda para respirar, em uma cama de hospital, porque há gente sem usar máscaras, ou esperando as mais bonitas chegarem nas vitrines.

Puxo ar, arejo o cérebro, coloco a minha máscara quando preciso sair à rua e não ligo para personal stylists com especialização em adereços faciais.