Texto porVictória Silva
Jornalista, Santos

Vencendo a Surdez: os traços da história de Larissa Medeiros

Sem muito que fazer, a pequena Larissa pegou uma folha de papel sulfite e um lápis e começou a desenhar. De início, rabiscou formas geométricas. Conforme percebia que estava muito fácil, desafiou-se a copiar outros desenhos.

Era um dia de muita chuva e, por isso, o aparelho de TV estava desligado. Afinal, de tão velho, bastava um pouco de vento para que a antena não funcionasse e a tela fosse tomada por ruídos.

Passou a tarde deitada no chão, entretida com os esboços e nem se deu conta que ali, aos 8 anos de idade e sozinha, esperando a mãe voltar do trabalho, havia descoberto seu talento e uma forma de enfrentar sua deficiência auditiva.

“Quando a minha mãe chegou, ela viu os desenhos e ficou impressionada, gostou muito. Eu fiquei pensando ‘nossa, eu nunca fiz nenhuma aula e consegui fazer isso’. Aí fui treinando e melhorando o meu traço”, explica a garota que, hoje com 22 anos, usa a arte para se comunicar.

vencendo a surdez

Vencendo a Surdez

Antes de começar a ilustrar sua vida e de quem estava a sua volta, Larissa Medeiros precisou enfrentar um problema mais grave que a falta de sinal da TV: uma febre alta, erro médico e uma sequela irreversível – a perda da audição aos três anos de idade.

Lourdes, sua mãe, lembra que a família vivia em Vicente de Carvalho. Todos os dias, pegavam a barquinha com direção a Santos, onde ela trabalhava e a filha mais nova estudava (em uma creche). Em uma sexta-feira, a mãe percebeu que a temperatura da filha estava diferente do normal e decidiu leva-la ao médico:

“Fomos ao Hospital Santo Amaro, lá me disseram que era uma inflamação na garganta, medicaram e fomos para casa. No sábado, ela estava com o corpo todo paralisado. Voltei ao hospital e me mandaram para casa novamente”, lembra a mãe.

A saga continuou durante um mês e só teve fim quando um médico disse que apenas um milagre salvaria a menina do problema não identificado. Um costume popular da Paraíba, cidade natal de Lourdes, ajudou a baixar a febre e, aos poucos, a saúde se estabilizou.

No entanto, a mãe percebeu que quando pedia para a filha pegar um chinelo, ela voltava com outro item. Voltou ao médico e teve a notícia de que as altas temperaturas e remédios errados resultaram na perda da audição. Desde então, Larissa vence a surdez dia após dia.

“Faço isso para mostrar que sou tão capaz quanto um ouvinte. Esse é o meu objetivo em tudo! Eu fui a única surda a competir no Campeonato Paulista de Basquete”, lembra orgulhosa.

Seus desenhos, em exposição na Gibiteca de Santos, trazem pessoas que a garota considera famosas, amigos, familiares, seus personagens preferidos e animais.

Ela garante que os traços são muito melhores do que no dia chuvoso em que fez os primeiros riscos, mesmo sem nunca ter feito cursos para aprimorar sua técnica. Todas as conquistas vieram com muito treino. Recentemente, começou a aceitar encomendas: cobra R$ 30 pelo desenho em A4 e R$ 50 na A3 (o valor varia se forem muitas pessoas ou tiver riqueza de detalhes).

Para o futuro, Larissa diz que quer ser atriz ou lutadora de MMA. Sem abrir mão, claro, de sua grande paixão: a arte de desenhar.

“É importante ter pessoas surdas nesses lugares também. Por que colocar um ouvinte para interpretar um surdo?”, questiona.

vencendo a surdez Imagem: Ao lado de Larissa, estão sua mãe e Karoline Amparo (intérprete que acompanhou a entrevista)

Enquanto corre atrás de conquistar seus próximos objetivos, uma coisa fica clara: ela está vencendo a surdez e mostrando aos santistas (inclusive à sua mãe) que a capacidade indefere de sua deficiência.

Tem a ver só com força de vontade, como ela mesma gosta de dizer.