Deauville, o paraíso francês para quem ama cavalos
“Meu avô era criador de cavalos e ele começou a jogar pólo com 15 anos. Em 2015 ganhei a copa de Deauville, uma das mais importantes do mundo.”
Essa parece uma história para poucos, mas em Deauville você vai ouvir muita gente relacionando vida e cavalos. A realidade é que quase sempre encaramos o hipismo, o pólo e todo o universo dos cavalos como inalcançável ou para as elites.
É justamente o inverso disso que o personagem da frase, Jean Edouard Mazery quis desmistificar assim que assumiu o Deauville Polo Club, em 2014. O lugar é um ponto imperdível para ser visitado por quem é apaixonado pelo universo dos cavalos. E na Europa não é pouca gente. Uma boa porcentagem dos 4.000 habitantes de Deauville ou vive profissionalmente do tema ou é amador dos esportes equestres.
A tradição é tão forte que o clube existe desde 1907 e Jean assumiu a presidência para colocá-lo em uma nova fase. O pólo é conhecido por uma certa sofisticação, que se mantém no clube. Para se ter uma ideia, em Deauville o clube de pólo foi criado antes da primeira igreja da região e no mesmo ano da Villa Strassburger. Se você estiver em Deauville, aproveite para conhecer a vila, o hipódromo e o clube no mesmo dia, já que tudo fica pertinho.
> Leia também: Villa Strassburger em Deauville – um lugar de cinema
Jean Edouard defende que é preciso viver o pólo, uma vibração que vai muito além do esporte. O pólo é um esporte admirável e trata sobre as relações e percepções entre os homens, os cavalos e a natureza. “Para um jogador de pólo, o mérito é 90% dos cavalos. É preciso sentir que o cavalo não está confortável no campo. Se isso acontecer tem que recolher o cavalo e jogar com o outro. É preciso ser extremamente humilde – principalmente com os animais”.
Foi minha primeira vez num jogo de pólo e eu amei. Apesar de não ser difícil entender as regras, eu não sou muito talentosa para os babados esportivos. Então fiquei aproveitando o meu estado de presença (e surpresa), me deliciando ali num ambiente novo. Como o Jean Edouard comentou, é um ambiente muito receptivo. E mais divertido ainda foi invadir o campo (junto com todo mundo) para consertar o campo – um dos momentos de integração entre a platéia e os jogadores.
Vale lembrar que Gabrielle “Coco” Chanel era uma dessas inveteradas apaixonadas pelos cavalos e pelo pólo. Foi em Deauville que ela vivia de férias com o amor de sua vida – Boy Capel, que praticava o esporte.
E também no balneário francês que Chanel viveu as grandes disrupções de seu trabalho, muitas delas inspiradas pelo universo equestre. Dizem que a textura de sua clássica bolsa foi inspirada no matelassê das celas de cavalo. E que em Deauville ela adotou o uso do jérsei como matéria prima de suas roupas, incluindo a clássica blusa listrada.
1. Ilustração caricata de Chanel dançando com Boy
2. Entrada de Chanel primeira loja fora de Paris, aberta em 1913. Alguns dizem que a primeira loja aberta ao público foi em Deauville, pois em Paris era considerada apenas seu ateliê.
3. A icônica bolsa, em voga até os dias atuais, inspirada no matelassê das celas equestres.
4. Chanel e Salvador Dali fotografados por Gjon Mili na praia de Deauville, em meados de 1940. Ela frequentou Deauville por muito tempo, mesmo após a morte de Boy.
Sobre a marca da maison Chanel criada pela própria em 1925 – composta pelo dois Cs, existem vários rumores sobre sua criação. Dizem que são os Cs de Capel & Chanel, os dois Cs de Coco, mas em Deauville fala-se que são duas ferraduras de cavalos. Dá para acreditar em todas elas.
Chanel era uma grande frequentadora do hipódromo, da praia e do Deauville Polo Club por razões óbvias. Se era lá que ela buscava parte de suas inspirações, hoje Chanel se depararia com transeuntes num um estilo bem diferente. Eles flanam de maneira charmosa ao redor da plateia e do bar, usando uma paleta que mistura camisas pólo (!), a formal paleta azul marinho com os artes do verão francês. Mas em pleno século XXI aparecem os cortes e tecidos leves, que esbarram no boho chic com seus linhos e turquesas. Vale reforçar que não há nenhum sinal de ostentação, bem ao estilo francês de SER antes de TER.
A galera assistindo o jogo ~de bouas~, com Coca, cerveja, vinho ou champagne.
A praia e os cavalos
Não dá para deixar mencionar a beleza que é estar na praia e ver os cavalos passarem para a sua sessão diária de mar. E não é a toa que Deauville ama os cavalos, mas os cavalos amam Deauville. O clima ameno (e bem mais estável que no resto da França), o fácil acesso à praia, as acomodações e os espaços para treinar os cavalos – tanto na praia como no hipódromo.
Funciona assim: os cavalos de corrida e de pólo se revezam nos treinos visto que eles jamais podem se misturar. Todos os dias é possível ver os cavalos de pólo treinando na praia pela manhã. Enquanto isso os cavalos de corrida estão no hipódromo fazendo seu treino. Durante o período da tarde, eles se invertem sem nunca se encontrar.
Os cavalos adoram a água do mar. A água salgada faz muito bem para suas patas e para a saúde do animal, em geral.
E eles também treinam no hipódromo. A arquibancada do hipódromo de Deauville ao fundo sempre recebeu os fãs do esporte.
No verão (europeu) é possível registrar esse momento dos cavalos no pôr do sol, entre 20 e 21h.
Para quem quer ter a experiência de passear na praia com os cavalos a dica é falar com o time da La Mangeoire Deauville. Eles organizam passeios e aulas para iniciantes, inclusive crianças. Conheci a escola conversando com os donos do restaurante Le Garage (comida deliciosa e atendimento espetacular, diga-se de passagem).
O site da La Mangeoire está apenas em francês, mas não se preocupe. Como há muitos argentinos em Deauville por conta da também tradição de equitação do país, muitos locais também falam espanhol, assim como no Clube de Pólo de Deuville.
As mulheres e o pólo
Atualmente entre 25% e 30% dos jogadores de pólo são mulheres. Conversando com o Edouard, perguntei entre a relação das mulheres e o pólo. Perguntei justamente pois já tinha ouvido falar que o pólo é um esporte agênero, ou seja, os times podem ser mistos. Ele confirmou a informação e realmente, um time de pólo pode ser composto por atletas de ambos os gêneros. Que esporte mais atual, não?
A temporada dos cavalos em Deauville
Por sorte eu estive em Deauville em agosto, uma época deliciosa para viajar para a França. Em Paris está tudo mais tranquilo pois os franceses estão de férias – e para eles isso é serious business. Muitos pequenos comércios e lojinhas locais estarão fechadas em Paris.
Mas não em Deauville – visto que agosto é uma grande época para eles onde acontecem fases importantes do campeonato e também os leilões dos cavalos. Pude assistir ao pedaço de um (é aberto ao público) e os valores das transações impressionam tanto quanto a beleza dos bichos.
Eu escolhendo um cavalo hipoteticamente – eles são apresentados na parte externa…
…e os lances são dados na parte interna, para um seleto público que encara os cavalos como negócio ou paixão. Nenhum cavalo custou menos que o valor de um apartamento em Santos.
Resumindo: se você quer pegar o ápice da temporada dos cavalos em Deauville, vá em agosto e não se arrependa.
Jean Edouard, do Deauville Polo Club – que contribuiu muito com esse artigo do Juicy Santos e eu – no palco da premiação, após a partida terminar.
Como chegar em Deauville
É muito fácil acessar Deauville a partir de Paris, podendo fazê-lo de trem ou de carro. Usei a locomoção de trem, cuja viagem vale a pena pelo visual. Dura quase duas horas e os preços variam (se eu não me engano paguei 45 Euros partindo da Gare St. Lazare). De carro a viagem é pouca coisa mais demorada e também é bem comum. É possível fazer bate e volta, mas eu recomendo no mínimo duas noites por lá para aproveitar bem as atrações da cidade. Se tiver mais tempo fique uma semana para curtir TUDO (mesmo) e visitar as cidades próximas como Trouville, Honfleur, Le Havre, entre outras.
Se você não fala inglês ou não entende um pouco de francês, é importante consultar uma agência de turismo. Eu fiz isso quando fui à França off-Paris pela primeira vez e fez total diferença na minha viagem. Eu precisava viajar para Cote D’Azur e não fazia ideia de como fazer isso. Contei meu relato nesse post.
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