Texto porVictória Silva
Jornalista, Santos

Ser universitário na pandemia: como está a rotina dos estudantes

Numa manhã de quarentena, meio cinza, meio sem graça, Gabriela Utescher ouviu baterem à porta do quarto que desde março virou seu home office improvisado.

– Pode entrar!

Recebeu um convite com uma beca e um capelo. Abriu o papel camurça de cor azul, sem entender nada. A mensagem dizia que sua formatura aconteceria naquela noite. Seria em casa, claro, mas da maneira como ela sonhara desde que fez a matrícula na faculdade de Relações Públicas.

juicysantos.com.br - Ser universitário na pandemia

A barra de ser universitário na pandemia

Quando entrou na faculdade pela primeira vez, há oito semestres, Gabriela tinha várias certezas em sua mochila. Algumas caíram por terra e outras ganharam os lugares delas. Mas uma coisa não mudou: não via a hora de receber o diploma do curso que escolheu fazer.

Assim como muitos universitários, a colação de grau seria o símbolo uma vitória – tanto pra ela quando para a família.

Mas aí a pandemia do coronavírus chegou e, entre outras coisas, fechou as universidades.

Para que os alunos não ficassem sem aulas, o ensino a distância (EAD) se tornou o método de aprendizado mesmo de quem escolheu aprender da maneira mais tradicional. E, então, a rotina já exaustiva de quem (normalmente) trabalha e estuda se tornou ainda mais maluca.

Renato Maciel faz Design e, apesar da boa adaptação ao novo método de ensino, sente falta de ir à faculdade. De acordo com ele, a escolha pelo curso presencial não foi à toa e a ausência da vivência com outras pessoas tem feito falta.

“Pra mim, a faculdade é um networking… Mais do que ir bem nas matérias, é um lugar pra se conectar com pessoas, conhecer gente, fazer contatos e nós perdemos isso”.

Sua maior reclamação é o fato de no Google Classroom, que tem sido usado pela universidade, só ter a possibilidade de troca com seus companheiros de classe. Há estudantes, por outro lado, que sequer conseguem acessar a plataforma para assistir às aulas.

As aulas continuam, mas não para todos

Geovana Costa quase precisou adiar o sonho de se formar por não ter um computador em casa.

Tentou assistir às aulas pelo celular, mas o aparelho não deu o suporte necessário por conta da ausência de memória. Ficou quase 10 dias ausente. Só depois de conseguir um notebook emprestado com uma conhecida retornou às aulas.

De acordo com dados da coletados durante a aplicação do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), nos últimos cinco anos, Geovana não está sozinha. Um em cada três estudantes, ou seja, 33,5% dos jovens que tentaram vaga em um curso superior, não tem acesso à internet e a dispositivos como computador ou celular.

www.juicysantos.com.br - vestibular fatec 2020 meio do ano será online

Um projeto de lei apresentado no início de julho (PL 3.491/2020) propõe o empréstimo de até R$ 2 mil para estudantes da rede pública comprarem computadores. Acontece que, neste caso, a medida vale apenas para estudantes do ensino básico – que vai da educação infantil ao ensino médio. Além disso, não contempla alunos da rede privada, mesmo que bolsistas.

Há faculdades públicas que abriram edital de inclusão digital. Mas a verba não é suficiente para contemplar todos os alunos. Além disso, a prática não aconteceu em todas as universidades.

Além da ausência de computador, há quem não possa continuar estudando por conta do impacto da pandemia. Diogo Pereira é um desses casos. Perdeu o emprego assim que o isolamento social começou. Usou as economias que tinha no banco para continuar estudando.

O dinheiro acabou. A pandemia não

“Se eles [a universidade] tivessem adaptado o valor da mensalidade, já que estamos estudando a distância, eu conseguiu continuar. Mas como não houve mudança, infelizmente não tive saída a não ser trancar o curso nesse semestre”.

De acordo com João Freitas, advogado santista, as universidades, de fato, podem cobrar o valor normalmente. Isso porque ainda é necessário manter a estrutura – tanto física quanto de funcionários.

Além disso, novas contratações podem ter sido necessárias para a adaptação.

“Em caso de aulas de laboratório, por exemplo, será necessário repor a prática futuramente. Já que, remotamente, esse tipo de aula não é possível”.

Se o aluno achar que a faculdade teve queda nos gastos, o advogado alerta que é possível pedir o documento que explica quais foram os créditos e débitos da instituição e justifica o valor cobrado. Segundo explica, caso a redução seja comprovada, dá para pedir que seja repassada ao aluno.

Ainda segundo o advogado, apesar de possível, essa é uma situação quase utópica.

Sem TCC nem formatura

Enquanto a situação de Diogo está longe do ideal, Gabriela viu o último semestre da faculdade se tornar roteiro para uma distopia e tanto. Antes de receber o convite da formatura no antes-quarto-agora-home-office, outra coisa inimaginável aconteceu: a apresentação do TCC, que fazia as pernas tremerem havia semanas, foi cancelada.

“Não tivemos a oportunidade nem de fazer por videoconferência”, explica. “Era algo para o qual estava me preparando havia muito tempo e o baque do cancelamento foi grande”.

No início de março, a quarentena duraria apenas 15 dias, então a possibilidade de não ter uma colação nem passava pela cabeça. Mas aí veio outro momento surreal: assinar a ata para colar o grau a distância.

Para não passar o momento tão esperado em branco, a família decidiu preparar a surpresa. A colação de grau em casa teve desde traje de festa, buque de flores, maquiagem e horário para começar.

“Eu procurei um tutorial na internet e me arrumei. Tive uma entrada principal e até uma cadeira diferente pra sentar”, conta rindo. “Minha mãe fez um discurso em nome da família. Em seguida, me entregou o canudo e eu até fiz o juramento”.

juicysantos.com.br - Ser universitário na pandemia

A cerimônia terminou com um brinde de champanhe e um coquetel. Um final feliz, para a barra que tem sido ser universitário na pandemia.