Texto porVictória Silva
Jornalista, Santos

Como mudou a rotina dos professores na pandemia?

Verônica Musetti não vê a hora de voltar a tomar café com seus alunos.

Até o início de março, seu dia começava na companhia de uma turminha de crianças que tomava a primeira mamadeira da manhã em sua casa. Aliás, na Creche Vó Bidita. É que o endereço foi sua casa durante décadas, até que ela e a família abriram mão do lar para a realização de um sonho: construir uma escola de Educação Infantil.

Aí, as paredes ganharam novas cores e os corredores, pequenos corredores.

Desde 19 de março, as pernas apressadas e, às vezes, meio atrapalhadas de Verônica, não disparam mais de um canto para o outro.

A escola ficou vazia e a rotina dos professores, cheia

De trabalho para fazer, de medos, angústias e até depressão…

Na semana em que algumas escolas de Santos e região voltam a funcionar, o Juicy Santos conversou com professores para entender: o que eles acham da reabertura das escolas particulares e como foram os últimos sete meses pra eles?

Verônica, que foi professora de biologia e ciências durante anos, não vê a hora de sua antiga casa voltar a ser a morada do aprendizado de seus bebês. A creche, que ela abriu depois de 17 anos dando aulas para o Ensino Fundamental, Médio e até ao EJA (educação de jovens e adultos), tinha 32 alunos no início do ano. Por lá, a ideia é que as turmas sejam pequenos, com no máximo oito crianças por sala, para que eles recebam o máximo de atenção.

Quando as aulas voltarem, serão apenas 12 pares de olhos curiosos.

“Eu estou morrendo de saudades das crianças. É emocionante vê-las aprenderem, sinto muita falta disso”, comenta.

Ao mesmo tempo, ela admite que os últimos sete meses têm sido uma verdadeira força-tarefa. Tanto para ela, quanto para a equipe de professores.

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Encantar a distância não é tarefa fácil

Camila Marx dá aula para crianças um pouquinho maiores: do 2º ano do Ensino Fundamental I. Quando a pandemia começou, a rotina de gravar aulas teve início. Mas a falta de troca pesou e as aulas passaram a ser ao vivo meses depois.

Uma dinâmica nova. Tanto para ela quanto para os alunos.

“No começo, existia uma ansiedade. Todos queriam falar ao mesmo tempo e escrever no chat ao mesmo tempo. Era difícil de acompanhar”, comenta.

Meses depois, os alunos já estão mais adaptados. Ainda assim, ela confessa: o afeto do contato físico faz falta. Além disso, ela ressalta que foi necessário encontrar criatividade para criar aulas e manter os alunos interessados durante 3 horas em frente ao computador ou celular.

Mesmo problema encontrado lá na creche da Verônica, em São Vicente, onde a equipe de professoras (que continua intacta) esgotou músicas, gincanas e outras atividades.

Como fazer os pequenos aprenderem de tão longe? Como não deixá-los esquecer do carinho que têm pelas ‘tias’?

Como tudo em 2020: pelos vídeos. As aulas são gravadas pelas professoras e editados por Ana Musetti, filha de Verônica. Vendo o desespero causado pelo coronavírus, Ana decidiu aprender a usar os softwares necessários para edição.

“A professora do jardim começou a fazer vídeos de gincanas com os alunos. As outras tias se espelharam e começaram a gravar também. Quando eu vi esse movimento, comprei um curso para aprender a editar e tirar mais essa tarefa delas”.

Em algumas escolas, esse apoio não existe. Ou seja, cabe aos professores preparar as aulas, gravar e editar os vídeos.

Em abril, o Juicy Santos falou com Nathália Donato, professora de inglês da Educação Infantil e Ensino Fundamental e ela confessou: estava trabalhando muito mais que o normal.

www.juicysantos.com.br - aulas online e a rotina dos professores na pandemia

Tensão é a palavra da vez

Alcione Alves compartilha do mesmo sentimento. A carga de trabalho se multiplicou algumas vezes desde que a pandemia teve início. Professora de química, ela tem dado aulas online e conta que o conteúdo que antes levava duas semanas para ser ensinado agora é dado em um dia. Os motivos da agilidade são vários: não é necessário usar a lousa, aguardar os alunos copiar e nem responder perguntas.

Os alunos ficam em silêncio a aula inteira.

“É muito mais cansativo. Eles não me perguntam nada a aula inteira. Eu falo, falo, falo… Aí, depois, recebo mensagens no WhatsApp o dia inteiro com dúvidas. Eu trabalho das 9 às 15 horas, mas como a escola é integral, eu tenho que responder. Às vezes, até à noite tem aluno chamando”. 

Em comum com as demais professoras, ela conta que adoraria retornar a rotina de antes da COVID-19. Apesar do deslocamento até a escola, a jornada de trabalho era mais tranquila e a participação dos alunos, muito melhor. Ainda assim, diz que prefere continuar em casa até o final do ano.

O medo de voltar é tão grande quanto o cansaço que sente na rotina de home office

“Eu queria muito voltar, mas tenho muito medo de ficar doente. Com o calor que está por vir, qual a chance de manter uma turma de adolescentes na sala sem ventilador ou ar condicionado ligado? Conheço meus alunos o suficiente para saber que não vai rolar – nem isso nem o distanciamento entre eles ou o uso de máscara”.

Já que pertence ao grupo de risco, ela, de fato, não retornará às aulas presenciais em 2020.

Já Verônica aguarda a liberação da creche para a próxima quarta-feira (14 de outubro). Enquanto isso, prepara um Dia das Crianças drive-thru. Medo? Ela também tem. Principalmente, por serem crianças muito pequenas, ou seja, que não usam máscara ou álcool gel.

Ainda assim, tudo está sendo preparado para recebê-los com a maior segurança possível. Tanto para as famílias quanto para a equipe de professores.

A turminha da Camila também vai voltar, mas no contraturno e com outra professora. Ela, assim como todos, tem receios quanto a volta.

De todo modo, um sentimento é comum entre todos: a saudade da sala de aula e a vontade de voltar ao normal. Não o novo. Mas o de antes da pandemia.