Texto porVictória Silva
Jornalista, Santos

Elas contra o coronavírus: as mulheres no combate à COVID-19 em Santos

Quando era criança, Mônica Mazzurana sonhava em ser médica quando crescesse. Não apenas médica. Médica e professora. Sua mãe, Therezinha, conta que a filha falou sobre isso pela primeira vez aos seis anos. Nunca mais parou.

Apesar de as lembranças dessa época serem poucas, Mônica recorda que, em algum momento, tomou consciência de que médicos ajudam pessoas. E ela queria ajudar pessoas.

Todos os amigos trocaram a profissão dos sonhos mil vezes, como é comum na infância. Mas Mônica já tinha seu plano traçado. Tornou-se médica, saiu de Rio Grande do Sul e adotou o Hospital Guilherme Álvaro, em Santos, como sua missão. A vontade de ajudar pessoas segue intacta, mesmo com o passar de décadas e um diagnóstico de coronavírus.

Ela é uma das mulheres no combate à COVID-19 em Santos

Cirurgiã, Mônica também hoje exerce o cargo de diretora do maior hospital da Baixada Santista, o Guilherme Álvaro.

Desde o início da pandemia, ela atua exclusivamente na estruturação do hospital, referência para toda a região e para o Vale do Ribeira, no combate ao coronavírus.

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Além dela, várias outras mulheres deixam seus filhos e família em casa e seguem o juramento de Hipócrates. Aquele que profissionais de saúde declamam no dia de suas formaturas e, entre outras coisas, prometem honestidade e responsabilidade com a vida.

E, às vezes, ser responsável com a vida dos outros é colocar a própria em risco.

“Eu não tenho medo de pegar. Mas tenho muita preocupação com a minha família e meus pacientes. A gente vai trabalhar sabendo que vai ser mais um dia difícil e também de risco”, comenta Elisabeth Consolo.

A médica infectologista conta que tudo mudou a partir do início da pandemia. A carga emocional deste momento, segundo ela, está nos corredores do hospital.

Em sua sala, porém, esse peso é ainda maior. Já que é ela quem dá o diagnóstico aos infectados pelo coronavírus.

Consolar sem abraçar é uma triste novidade

Em Santos, já passamos de 36 mil* casos e 1.115* óbitos confirmados (*números de março de 2021).

Boa parte destes passou pela sala de Elisabeth e ouviu dela o resultado positivo para COVID-19.

No momento, mais de 260 mil pessoas morreram no Brasil de COVID-19. E esse é um trabalho que, por enquanto, não tem fim.

“Não teve um dia em que eu não tenha dado um diagnóstico (positivo). Cada caso dessa doença é único, mas uma coisa sempre igual: a reação das pessoas. Sempre choram. E essa é a pior parte, estamos acostumados a dar conforto aos pacientes. Levantar e abraçar era normal até então”.

Logo no início da pandemia, Mônica, a diretora do Guilherme Álvaro, foi infectada pelo vírus – na época, uma novidade tanto para os médicos quanto para o Ministério da Saúde. Não foi abraçada quando o resultado do exame saiu e nem quando chegou em casa, pois ela e marido passaram a viver isolados. Mesmo que na mesma casa.

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A rotina se manteve assim durante cinco dias. Até que, na sexta-feira, o marido descobriu que, apesar de todos os cuidados tomados, também tinha sido infectado.

“Quando saiu o diagnóstico dele acabamos nos tranquilizando. Ficamos 14 dias isolados, um cuidando do outro”.

No caso do casal, a doença se apresentou leve. Eles tiveram, em resumo, uma semana de tosse muito forte e febre por cerca de três dias. O tratamento foi um combinado de antibióticos e também muita hidratação (ao menos três litros de água por dia) e alimentação adequada.

Voltar ao hospital foi o maior alívio

Afastada do hospital, Mônica manteve-se de plantão remotamente durante todo o isolamento. Respondia a perguntas da equipe via WhatsApp e ligações para saber o andamento das coisas eram recorrentes. Apesar dos incômodos causados pelo vírus, ela diz que a maior dor foi ficar longe do hospital e se sentir impotente em um momento tão crucial.

Tamires S. Datoguia repetiu o juramento de Hipócrates em 2011. Depois do período de residência, começou a atuar em UTIs. Durante a pandemia, seus atendimentos estão focados nos pacientes de coronavírus com um quadro clínico mais severo.

 “É um ambiente de tensão. Os pacientes estão todos sedados e em ventilação mecânica, então precisam ser manipulados de diversas formas durante todo o plantão Ficam, no mínimo, 15 dias e, acredito eu, o mais triste é que não recebem visita dos seus familiares”.

Ela conta que o cansaço, porém, é mais mental do que físico. Pois enfrenta uma nova forma de lidar com uma doença, com a morte e com o trabalho. Desde o primeiro dia de pandemia, a rotina se alterou totalmente.

“Os EPIs utilizados são diferentes em cada ambiente, para serem os mais adequados possíveis. Na UTI, por exemplo, estamos o tempo todo de máscara N95, capote impermeável, luva, touca e óculos de proteção”.

E os cuidados continuam quando o plantão acaba. Mas, ainda assim, o inevitável aconteceu. Assim como a Mônica, Tamires também recebeu um diagnóstico positivo para a doença.

“O mais difícil foi sair da linha de frente e assumir o papel de paciente. Desde o início dos meus sintomas, eu fui do céu ao inferno e me arrisco a falar que não posso citar uma doença que apresente uma intensidade de sintomas, nível altíssimo de transmissão e desfecho como essa”.

Essa é a ilustração perfeita de como os casos da COVID-19 se comportam de maneira diferente em cada paciente.

Isso porque, ao contário de Mônica, Tamires apresentou sintomas fortes.

No total, foram dez dias seguidos de febre e uma alteração na tomografia de tórax. Não chegou a ficar internada, mas ainda não teve alta para voltar ao trabalho. O que, segundo ela, pretende fazer assim que possível.

Uma epidemia diferente de qualquer outra

Maria José Gonzalez é apaixonada pela Medicina. Apesar desse enlace durar anos, o fogo da paixão segue acesso como quando ainda era um flerte na adolescência. Ela, aliás, prefere estar em atendimento hospitalar do que em clínica.

Gosta mesmo é de estar onde estão os que mais precisam. Por esse motivo, a profissional já atuou em diversas epidemias. Mas não tem dúvidas em dizer: nunca viveu nada igual à do coronavírus.

“Uma epidemia de algo que você não conhece é bem mais complicada”.

Para ela, a rotina se tornou sinônimo de caos. Agora, está mais organizado, diz, mas não deixa de ser uma bagunça. Assim que a Organização Mundial de Saúde declarou o estado de pandemia, no início de março, ela iniciou os estudos sobre o novo coronavírus. Semanas depois, a pneumologista já estava com a mão na massa, fazendo a triagem dos pacientes.

Em casa, o contato físico com a mãe não acontece há meses, para evitar seu maior medo: infecta-la.

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Desde que a pandemia começou, Maria José já acompanhou diversos pacientes e viu alguns deles morrer. Dói, ela diz. Mas a dor começa antes da morte.

Dói acompanha-los sem que eles possam ver seu rosto e nem o de ninguém.

Para diminuir essa distância, ela diz que estuda carregar uma foto sem a máscara para mostra-los, assim como aconteceu na Espanha.

Fora da linha de frente, a responsabilidade também existe

Em Santos, o vírus, que migrou de morcegos para humanos, já matou 87* pessoas.

Em paralelo a essa situação, outros profissionais de saúde seguem atuando com pacientes de outras doenças que, para seus infectados, são tão letais quanto.

Eles não estão na linha de frente. Mas também sofrem a pressão criada pela pandemia.

Renata Costa, médica hematologista, também atua como docente. Apesar de não trabalhar no combate à COVID-19, ela relata uma mudança total em sua rotina. Primeiramente, o número de pacientes diminuiu de forma drástica. E, em seguida, houve o adiamento das aulas presenciais na faculdade.

“Nos pacientes da Hematologia, a taxa de transmissão é alta e o vírus é bem traiçoeiro”, comenta.

Ela conta que o uso de EPIs também passou a ser mais rigoroso. Assim como a rotina de higiene na volta para casa.

Entre linhas e agulhas

A enfermeira Lenita Tonon também atua com pacientes de câncer. Escolheu a profissão pelo mesmo motivo da pequena Mônica: a vontade de cuidar das pessoas. O que ela faz desde que começou a trabalhar em hospitais de São Paulo e, em seguida, Santos.

Seu coração, no entanto, tem outra paixão: a costura. Modesta, ela não gosta da ideia de ser estilista. Prefere dizer que se diverte com a máquina de costura e que, às vezes, faz as próprias roupas. O currículo, no entanto, tem ao lado da faculdade de Enfermagem e do mestrado, o curso de Design de Moda.

Durante a pandemia, os dois amores se uniram em uma motivação: a confecção de máscaras.

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“Fiquei muito preocupada com as notícias sobre a falta de materiais hospitalares na Itália e Espanha. Diante da possibilidade disso acontecer no Brasil também, comecei a pensar no que eu poderia fazer para conscientizar as pessoas”.

Ela decidiu ensinar como as pessoas poderiam produzir suas máscaras em casa. E, mais do que isso, como fazer o uso correto e evitar a contaminação por uso inadequado.

A costura se transformou em um propósito para os dias de folga. Pois, deste modo ela se mantém em casa, o que considera bastante desafiador.