Texto porVictória Silva
Jornalista, Santos

Filhos viram estrelas, elas constelação: grupo de mães de luto em Santos

Uma caixinha na cor azul com um lacinho na tampa repousa em cima do sofá. Em seu interior, estavam a lembrancinha do chá de bebê, a pulseira da maternidade, um carrinho Hot Wheels e uma bolinha pula-pula.

“Fazia tempo que eu não visitava essas memórias”, suspirou Juliana Matias ao mostrar o conteúdo.

Os itens chamaram a atenção de Laís, que estava sentada no chão brincando com lápis de colorir.

“Eram do Henrique, filha. Seu irmãozinho que virou uma estrela”.

Lala, como é chamada pela mãe, tem quatro anos e não chegou a conhecer o irmão, que nasceu prematuro e faleceu após oito dias. Juliana perdeu o primeiro filho e descobriu uma dor que não tem nome ou cura.

Afinal, quando um filho morre, a mãe não ganha um outro nome. Ela é mãe. Sempre.

juicysantos.com.br - mães de luto em SantosImagem: Renato Maciel para Juicy Santos

Maria Cristina também precisou reaprender a viver após perder sua única filha. A mãe guarda na memória e em fotografias no móvel da sala as melhores lembranças de Mariana, que desistiu de viver em janeiro de 2013.

Não há definição

Apesar das experiências diferentes, tanto Juliana quanto Maria Cristina concordam que não existe uma forma de descrever o luto de uma mãe. Não é à toa que o dicionário não traz uma palavra que defina tal experiência. Um filho que perde a mãe ou o pai, por exemplo, é órfão. Mas a mãe não deixa de ser mãe após perder o filho.

“O luto de uma mãe é uma dor muito grande, pois nós não estamos preparados para ver nossos filhos partirem, e sim para ir antes. Na minha experiência, os primeiros três meses foram os mais difíceis”, comenta Maria Cristina.

Ela conta que na primeira Páscoa, por exemplo, entrar no mercado que fica perto de casa se tornou quase impossível. Pois a decoração tinha como base o chocolate preferido de sua filha. Para Juliana, o problema era entrar em casa sem o filho nos braços. Ela e o esposo doaram as roupas e fraldas para outro Henrique, filho de amigos próximos, que estava para nascer. Venderam o berço. Os únicos itens que foram guardados são os que vivem na caixinha azul.

Assim como não há definição para a dor, outra coisa é certa: elas nunca deixam de lembrar dos filhos. Não importa se a perda aconteceu após 8 dias ou 23 anos, as memórias de uma mãe são eternas. Fato que muitas vezes não é entendido por pessoas em volta.

Normalmente, a sociedade quer silenciar essas mães, pois acredita que as memórias são sinônimo de sofrimento. Para a psicóloga Patrícia Mendonça, isso transforma o luto em um processo solitário e mais dolorido. Ainda de acordo com ela, o ideal seria que as pessoas ouvissem a dor do outro sem precisar calar o choro ou tentar animar.

Mas, segundo a experiência de mães que vivem em luto, não é isso que acontece.

Uma constelação de mães de luto em Santos

Por essa razão, desde 2017, mães de luto em Santos se reúnem para dar apoio e ouvir umas as outras.

Os encontros são organizados pelo grupo Lado a Lado e acontecem sempre no último sábado do mês, às 10 horas, em um espaço do Lobo Estúdio.

Maria Cristina está sempre por lá e também participa de outros grupos para ajudar sobreviventes e enlutados do suicídio. Juliana faz parte do grupo que começou as reuniões. Inicialmente, eram 8 mães. Ela é a única delas que ainda frequenta os encontros – que, hoje em dia, tem um número diferente a cada nova reunião.

“Eu faço parte de alguns grupos de maternidade online. Em um deles, tinha uma mãe que perdeu a bebê poucas horas após o parto. Nós ficamos muito sentidas por ela, mandamos flores e decidimos fazer um grupo paralelo para dar apoio naquele momento”, lembra.

Como já tinha passado por uma experiência semelhante, Juliana comprou a ideia de ampliar as reuniões e receber outras mães. De começo, ela atuava como mediadora dos encontros, já que é psicóloga. E também falava sobre sua experiência. Durante a segunda gravidez, precisou se afastar temporariamente e o grupo ganhou novas voluntárias.

juicysantos.com.br - mães de luto em SantosImagem: Ludmilla Rossi para Juicy Santos

Atualmente são duas psicólogas, entre elas Patrícia Mendonça.

“É um espaço de acolhimento. Lá, tanto as mães quanto os pais (que são raros nos encontros) podem falar sobre seus filhos, a saudade que sentem, as dificuldades de se viver sem eles e em uma sociedade que aloca tão pouco espaço para a dor dessas perdas”, explica.

Em resumo, o grupo oferece possibilidade de troca, de aprendizado e de desabafo. Além disso, os frequentadores encontram uma rede de apoio e, caso necessário, são encaminhados para um profissional.

Sofrimento ressignificado

Além dos encontros do Lado a Lado, Cris também participa das reuniões do Luta em Luto (acontecem na primeira segunda-feira do mês, às 19 horas, na sede do SINTRAJUD) e do Vita Alere, ambos para ajudar sobreviventes e enlutados pelo suicídio. Além disso, ela transformou a dor do luto em energia para outros projetos. Na mesma semana que enterrou a filha, já estava montando cestas básicas e atualmente comemora anualmente o aniversário da filha. Todo mês de outubro, ela compra bolo, refrigerantes e outros docinhos e faz uma festa para crianças especiais.

Essa atividade, segundo a psicóloga, é a ideal em um momento de luto. De acordo com ela, a pessoa enlutada deve tem que entrar em contato com a dor quando ela aparecer. Sem tentar fugir ou se enganar.

“O ideal é que essa mãe consiga ressignificar sofrimento para que esse se transforme em saudades e que a relação com esse filho seja reconstruída, pois ela existirá para sempre”, explica.

E é isso que elas fazem, por meio das reuniões e das lembranças guardadas em caixinhas azuis, porta-retratos e em suas memórias.

E quando perguntadas se gostam de falar sobre seus filhos, a resposta também é sempre a mesma: tudo o que uma mãe de luto mais quer é poder falar sobre seus filhos sem ser julgada.