Texto porVictória Silva
Jornalista, Santos
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LGBTQIA+ na terceira idade: nem só de jovens vive o vale

Logo que se mudou para o prédio onde vive, Maria Estela, 65 anos, se viu numa situação que não vivia há décadas. Estava, novamente, “dentro do armário”. Casada há 36 anos, ela e a esposa, que prefere não se identificar, sempre viveram no mesmo endereço.

Por conta da pandemia, precisaram procurar um novo apartamento.

Em meio às idas e vindas da mudança, ouviu do responsável pelo transporte: “a sua irmã me pediu pra tomar cuidado com essa caixa que tem coisas mais sensíveis. Onde posso colocar?”. Apontou um canto e seguiu com a vida. Mais tarde, na mesma semana, outra pessoa pressupôs que eram irmãs. Novamente, ela não corrigiu o erro.

“Demorei alguns segundos para entender de quem eles estavam falando, sabe? Só mais tarde me dei conta de que depois de décadas, eu estava negando quem sou novamente”.

Se, por um lado, Maria Estela teve sua sexualidade invisibilizada com a idade, há histórias que são o total oposto.

www.juicysantos.com.br - ser lgbt na maturidade

Thaís Lyra, por exemplo, se entendeu LGBT depois de completar 40 anos.

Seja como for, existem pessoas LGBTQIA+ na terceira idade

Caso isso seja óbvio para você, saiba: é mais um tabu que quem vive na sigla precisa enfrentar.

Caio Pereira tem 22 anos e diz que sempre soube que era gay. Antes mesmo de saber o nome que se dava ao fato de se sentir atraído por meninos. Só falou abertamente em casa a respeito de sua sexualidade aos 19 anos, quando arrumou o primeiro emprego.

“A primeira coisa que a minha mãe perguntou foi: mas e quando você envelhecer, filho? Respondi que seria tão gay quanto agora e ri”, conta.

De acordo com uma projeção do IBGE, em 2060 o Brasil terá uma população de idosos maior do que a de jovens. É possível fazer uma série de leituras a partir deste dado. Inclusive que será cada vez mais comum encontrar casais não heteronormativos por aí.

Até lá, eles precisam percorrer um longo caminho

Quando ouviu a pergunta da mãe, Caio respondeu rindo e sem entender onde a mãe queria chegar. Mas, apesar de no primeiro momento parecer uma pergunta sem sentido, sua mãe tinha um ponto.

Segundo relatório apresentado, em 2020, pelo Grupo Gay da Bahia (GGB), uma pessoa LGBT morre a cada 23 horas no Brasil. Cerca de 90% dos casos são homicídios, ou seja, crimes de homofobia. Além disso, pelo 12º ano consecutivo o Brasil foi considerado o país que mais mata transexuais no mundo. Os dados também se referem a casos que aconteceram em 2020 e foram divulgados pelo Trans Murder Monitoring.

Uma mulher trans teve 40% do corpo queimado em Pernambuco. Portanto, em 2021, as coisas não estão muito diferentes

“Tivemos um avanço enorme nas pautas e nas políticas públicas para a comunidade LGBT. Mas sabemos que ainda tem um longo caminho para percorrer”, comenta Thaís. “É lamentável que existam pessoas que ainda acham que todos precisam corresponder ao entendimento que elas têm do que é normal”.

Para ela, que não teve uma educação baseada em qualquer preconceito sexual, o entendimento como LGBT aconteceu apenas quando se apaixonou por uma mulher. Antes disso, casou e teve uma filha – hoje com 18 anos. Aliás, a filha foi a primeira pessoa a saber sobre sua paixão. E também a primeira a apoiá-la totalmente.

Medo de envelhecer

Com a descoberta “tardia”, Thaís não passou pela série de questionamentos que Caio encarou após entender a pergunta da mãe. Segundo nos contou, chegou a sentir medo do futuro.

“Além da violência, ainda comecei a pensar em solidão. Uma viagem minha, claro. Mas aconteceu”.

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Para ele, pensar no futuro não é sinônimo de medo – por mais que ainda evite certos “trejeitos” sempre que está num local que não se sente totalmente seguro. O ponto de virada foi conhecer pessoas LGBTQIA+ na terceira idade ou caminhando para ela. Maria Estela deixou claro no condomínio que é filha única e que divide a casa com sua esposa. Com o apoio da filha, o único desejo da Thaís é que pudéssemos viver numa sociedade livre.

A liberdade, segundo ela, é o mesmo que felicidade. E gente feliz não enche o saco de ninguém.