Texto porVictória Silva
Jornalista, Santos

Por que ser doador de medula óssea: conheça a história de Guilherme

– Vó, eu vou descer tá?!                        

No meio do corredor da Santa Casa de Santos, Guilherme, 6 anos, avisa sua vó com um grito que está indo para a brinquedoteca da ASI (Associação Santa Isabel de Combate ao Câncer) com Susie, rosinha (como são chamadas carinhosamente as voluntárias, por conta da roupa cor-de-rosa) e vice-presidente da associação. A  avó, Josete Gomes, 47 anos, está no consultório e, por isso, não ouve o aviso do neto.

Já que não tem resposta, o grito se repete em todo o caminho até a sala onde Josete recebe atendimento. Ele dá um grito para cada dois passos. No primeiro, avisa a avó e, no outro, sorri para os pacientes que aguardam no corredor. Por ali, todos conhecem o sorridente Gui.

Quatro passos e dois gritos depois, Gui coloca a cabeça para dentro da porta e repete: “Vó, eu vou descer, tá?”.

Ao mesmo tempo, Susie avisa que está com ele e a avó concorda.

Enquanto Josete conversa com o médico sobre a terceira doação de medula óssea compatível com seu neto que, por alguma razão, foi cancelada dias antes da data marcada para acontecer, o garoto desce degrau por degrau de mãos dadas com a voluntária da ASI, uma velha conhecida sua, e uma garota que viu poucos minutos antes, mas que prometeu a ele que fariam algumas fotos.

A garota sou eu e o Gui o modelo mais simpático e íntimo da minha lente.

Parceria de avó e neto

www.juicysantos.com.br - doação de medula óssea em Santos

Gui tem leucemia. O diagnóstico foi dado aos 2 anos e 7 meses, após uma gripe que não tinha fim, febres sem motivo e uma semana sem andar.

“Ele passava o dia com uma vizinha enquanto a mãe trabalhava. Um dia, fui parada na rua por uma pessoa que me alertou que meu neto não andava há dias e não tinha sido levado ao médico ainda”.

Ao saber disso, a avó correu para a Unidade de Pronto Atendimento mais próxima de sua casa, em Praia Grande. Primeiramente, ouviu que não era nada. Em seguida, recebeu diagnósticos de febre reumática e miosite viral, ambos descartados logo depois.

Quem falou em leucemia pela primeira vez foi ela, que descobriu a possibilidade fazendo pesquisas na internet. Depois de 21 dias, veio a confirmação.

Sem protocolos

Segundo dados de 2016 da American Cancer Society, a leucemia é o câncer mais comum em crianças e adolescentes. Assim como o Gui, 30% dos casos infantis acontecem nas células que dão origem às células do câncer. Entre esses pacientes, existem variações do problema. O garoto mais popular daquele corredor da Santa Casa tem a mais rara entre elas.

Desde que descobriu a doença, Gui vive com sua avó e sua tia de 14 anos.

O tratamento começou logo após terem a confirmação da leucemia e, por isso, o labirinto da Santa Casa não é um grande desafio para os dois. Nos corredores, Gui faz um tremendo sucesso: todos sabem seu nome e ele sorri, acena e dá beijos.

Em alguns momentos, os exames chegaram a apontar negativos para a patologia. Mas o resultado não permaneceu o mesmo por muito tempo… Atualmente, Guilherme está na segunda recidiva, em outras palavras, em sua terceira leucemia.

De acordo com os médicos que fazem o acompanhamento do pequeno, que ainda não frequenta a escola por conta do problema, não existem mais protocolos para serem aplicados. Todos (e até um extra) já foram feitos, ou seja, a única saída para o garoto sorridente e brincalhão é uma doação de médula óssea.

3 doadores e nenhum transplante

Em 2017, um doador de medula óssea apareceu no sistema, mas não foi encontrado. Em abril, mais dois doadores 100% compatíveis surgiram.

“A cirurgia estava marcada, só que Gui estava com início de pneumonia e sinusite, então foi necessário fazer o tratamento primeiro. Depois da internação e as sessões de radioterapia no Hospital das Clinicas (SP) nós fomos para Jaú, para que o transplante fosse feito. Ficamos lá 2 dias fazendo os exames e aí recebemos a notícia de que podíamos voltar pra casa. Não ia mais ter transplante”.

Ao que tudo indica, por algum motivo que a família desonhece, o doador desistiu de salvar a vida do Gui.

A viagem deveria durar 4 meses, tempo estimado para a recuperação do menino, e terminou em 1 semana. Depois de mês sem trabalhar, a avó não tinha dinheiro para voltar para casa e contou com a solidariedade para comprar as passagens de volta.

História que ela conta sorridente, ao afirmar que as pessoas do interior são muito boas.

A doação de medula óssea do terceiro doador chegaria no dia 11 de junho, data em que a reportagem do Juicy Santos conheceu essa história. Mas, enquanto arrumava as malas, dois dias antes da viagem, a avó recebeu a notícia de que mais uma vez a doação que poderia salvar a vida do neto tinha sido cancelada.

O status da pessoa compatível está ‘indisponível no momento’. Não é possível saber o que de fato aconteceu.

“Eu penso na situação dessa pessoa, porque ela não desistiu de doar. Está indisponível no momento. Ela sabe que tem uma criança dependendo dela para viver. Eu estou sofrendo, mas também não queria estar no lugar dela”.

Sem doadores, a possibilidade de usar a medula óssea dos pais chegou a ser levantada. Mas ambos tem compatibilidade de apenas 50% cada um – deste modo, o risco do transplante de medula é maior e não indicado.

Doação de medula óssea em Santos

Quem vê Guilherme e sua avó não imagina o tamanho da batalha que estão vivendo. Ambos são só sorrisos e positividade.

Na brinquedoteca, o garoto cria historinhas com fantoches enquanto espera seu final feliz acontecer. Para isso, basta que um doador 100% compatível apareça no sistema e, talvez, você seja essa pessoa. Descobrir isso é simples e todo o procedimento da doação de medula óssea também funciona de forma muito tranquila.

www.juicysantos.com.br -doador de medula óssea

Sem razões para ter ter medo

O que pode salvar a vida do Gui, e de cerca de 257 mil pessoas por ano em todo o mundo, é um tecido líquido-gelatinoso que ocupa o interior dos ossos, o famoso tutano. Esse tecido desempenha papel fundamental no desenvolvimento das células sanguíneas – por isso, é tão importante para pacientes como Gui.

Como ser um doador de medula óssea em Santos

Aqui em Santos, para ser um doador de medula óssea, basta ir ao Hemonúcleo de Santos que fica no Guilherme Alvaro (Rua Osvaldo Cruz, 197, Boqueirão), de segunda a sexta-feira, das 7 às 17 horas, e  cadastrar alguns dados pessoais. O candidato a doação tem uma pequena quantidade de sangue (entre 5 e 10ml) coletada e é dispensado logo em seguida.

É tão (ou mais) simples quanto doar sangue!

O sangue do doador de medula óssea passa por análise em um teste de laboratório para identificar suas características genéticas. Depois de cruzadas com o banco de dados de pacientes, caso haja compatibilidade, o doador é contatado para fazer a doação.

Quando Gui recebe a notícia de que tem um doador compatível, alguém que passou por esse procedimento descobre que pode salvar uma vida. E isso é feito com uma internação de 24 horas e um procedimento que leva em torno de 90 minutos.

A doação de medula é feita em centro cirúrgico e a medula, retirada do interior de ossos da bacia, por meio de punções. Em 15 dias, a medula do doador se regenera e está novinha em folha e uma família como a de Josete e Gui pode comemorar a vida.

Associação Santa Isabel de Combate ao Câncer

A ASI é uma instituição filantrópica, sem fins lucrativos, que oferece apoio ao setor de oncologia da Santa Casa de Santos. O espaço oferece uma brinquedoteca, que Gui adora.

Enquanto o transplante não acontece, ele e sua avó continuam sorrindo pelos corredores da Santa Casa de Santos. E, sempre que possível, Gui corre para a brinquedoteca e procura o pega-peixe, seu jogo preferido.

A ASI também tem uma área destinada aos familiares e dá lanche diário no ambulatório, cestas básicas, fraldas, vale-transporte, cadeiras de roda, porth-a-cath (cateter), próteses mamárias e assistência jurídica, entre outros itens dos quais as famílias precisam.

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As Rosinhas (voluntárias) e os Cavaleiros da Rosa (voluntários) trabalham para diminuir a ansiedade e os traumas da rotina de hospitalização, fortalecer a estrutura familiar, recuperar a auto-estima e a auto-confiança de pacientes  familiares.

Além de se cadastrar como doador de medula óssea, você também pode dar uma força à associação. E, desta forma, ajudar o Gui e outros pacientes oncológicos de Santos e região.