Texto porVictória Silva
Jornalista, Santos

Delicadeza e poesia: Coração de Papel, o livro de Lessa

O sol ainda reflete nas ondas formadas na região da travessia Guarujá – Santos quando uma multidão de bicicletas invade a balsa.

Estamos no horário de verão e, por isso, às 18 horas ainda é possível se bronzear durante a pedalada de volta para casa. Em sua maioria, os trabalhadores vestem roupas leves – como forma de aliviar as altas temperaturas do dia. A não ser por um garoto.

De estatura média, olhar tímido e barba a fazer, ele veste uma camiseta de cor clara, com as mangas dobradas na altura dos cotovelos, calças jeans e sapatênis.

Os outros ciclistas não reparam, mas a mochila transversal dá a dica do motivo de ele se vestir de maneira diferente: é um poeta do Guarujá, que pedala para entregar o seu livro, Coração de Papel, na cidade vizinha.

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Totalmente feito pelo autor, Matheus Lessa, os livros – que enchem a mochila – têm capa feita de papel kraft, com ilustração minimalista carimbada ao meio e barbantes amarando a obra. As entregas, em sua maioria feitas por ele, levam um plástico transparente e um lacinho vermelho como embalagem.

É evidente que se trata de uma obra que carrega uma energia diferente em cada página. É delicada, como um Coração de Papel.

“A ideia de transformar o meu trabalho em algo físico surgiu há cerca de quatro meses. Recitei umas poesias no show de um amigo, o Anderson Oliveira, e depois nós entregamos papeizinhos com frases para as pessoas presentes, esse contato foi maravilhoso”, explica.

A partir do momento em que decidiu dar vida à ideia, algumas semanas depois, começou a fazer uma curadoria dos textos que transformam o amor em rima.

Foram quatro meses para dar vida à coletânea, tempo em que teve que desenhar a capa; encontrar uma empresa que transformasse o desenho em carimbo; estudar encadernação artesanal e descobrir o nó adequado para seu estilo de obra; diagramar os textos para, finalmente, ter o livro em mãos.

O resultado final, para ele, não pode ser sintetizado em palavras. É o brilho nos olhos que mostra o orgulho envolvido na produção.

O nascimento da obra

Apesar de escrever o amor, em sua maioria das vezes, de maneira melancólica, Lessa bebe de muitas fontes e se inspira em qualquer coisa que tenha vida: as ondas que o levam para casa, o movimento que observa da sacada de seu apartamento ou a música que ouve nas horas vagas.

O ritmo que o embala é bem diferente do que ele passa para as pessoas: se inspira no rap de Emicida, Rashid e outros nomes que tocam em seu fone de ouvido e que ajudaram na concepção da obra.

“Muitos amigos meus diziam que eu tinha que lançar um livro. Para fazer isso por uma editora, precisava de um investimento fora da minha realidade. Em uma música, o Rashid diz que foi para rua vender mil CDS, eu pensei que também poderia fazer isso. Foi assim que dei início à ideia de um livro totalmente artesanal”.

Os livros são feitos em levas de 10, de acordo com a demanda do público – que fica sabendo da venda por meio da internet. São duas horas para que as páginas sejam impressas e se tornem o livro.

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O carimbo, marca registrada da obra, também foi inspiração de uma obra musical: o CD Pra Quem Já Mordeu Um Cachorro Por Comida, Até Que Eu Cheguei Longe, do Emicida.

Em pouco mais de um mês, foram quase 100 livros vendidos ao valor de R$ 10.

Quando o destinatário se encontra em uma distância maior do que a travessia da balsa, Lessa pedala até o correio. Já enviou suas poesias para Minas Gerais, Santa Catarina, Guarulhos e outras cidades aqui da Baixada Santista.

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Quem quer adquirir um exemplar pode entrar em contato via Facebook e fazer a encomenda da obra que entrega o coração do Lessa, poeta do Guarujá, em folhas de papel.

* Imagens: Divulgação/Matheus Lessa