Texto porVictória Silva
Jornalista, Santos
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Mães nascidas na pandemia: como o isolamento mudou a maternidade

Quando Luane Fratelli chegou ao Hospital dos Estivadores, em Santos, a máscara escondia parte das expressões ansiosas de uma mãe de primeira viagem que acabara de entrar em trabalho de parto. Mas seus olhos entregavam, ela estava apreensiva.

Além das roupinhas e acessórios de Aurora, levava na bolsa um item pouco comum: anotações sobre seu direito a um acompanhante.

Com todas as restrições impostas para evitar a proliferação da COVID-19, ela teve medo de precisar enfrentar o parto sozinha. O que não aconteceu.

Apesar disso, não é possível dizer que a história dela ou de outras mães nascidas durante a pandemia não é diferente daquelas escritas em tempos nos quais a palavra “normal” não era acompanhada de um “novo”.

Mães nascidas na pandemia

Se tornar mãe não é simples em nenhuma época, mas nos últimos doze meses e, possivelmente nos próximos também, os desafios são ainda maiores. Os medos vão desde a constante necessidade de consultas médicas até a exposição no hospital/maternidade. Sem contar o impacto que uma infecção por COVID-19 pode ter tanto para a mãe quanto para o bebê.

Como reflexo deste medo, o número de nascimentos, nove meses após o início da pandemia no Brasil, caiu 24%.

De acordo com informações do Portal da Transparência do Registro Civil, mantido pela Associação Nacional dos Registradores de Pessoas Naturais (Arpen-Brasil), no primeiro bimestre deste ano foram 106,6 mil registros a menos em comparação com 2020.

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Quando Luane descobriu que estava grávida, o coronavírus ainda não amedrontava ninguém em nenhuma parte do mundo. Quando fez o chá de bebê, alguns amigos declinaram ao convite por conta das primeiras manchetes sobre o vírus. Uma semana depois, Santos e região decretaram a quarentena.

“No último mês da gestação, eu me mudei pra casa da minha mãe. Estava bem assustada, pensando em como seria quando ela nascesse. O pai dela ia trabalhar todos os dias, então eu não teria ninguém para me ajudar”.

Com a imposição do isolamento social, mães por todo o país tiveram o mesmo medo. E, mais do que isso, em geral, perderam a possibilidade de ter uma rede de apoio. Isadora Souza* já estava em casa quando tudo começou, mas tinha optado por não receber visitas nos primeiros dias. Os planos eram que, antes de mais nada, ela, o marido, o bebê e o cachorro entendessem a nova rotina. Quando tudo se encaixou, veio a notícia: não era seguro receber ninguém em casa e nem sair dela.

Em março de 2021, o filho já ensaia os primeiros passos e começa a colecionar palavras. Enquanto ao lado do berço, as lembrancinhas de maternidade seguem embaladas.

Um mundo de descobertas impedidas

As visitas não puderam acontecer e a rotina se manteve a mesma desde então: mãe, pai, bebê e cachorro.

Para além de todas as dificuldades, ambas as mães relatam se preocuparem com o desenvolvimento dos bebês. De acordo com a ciência, em nenhum momento da vida um ser humano faz tantas conquistas motoras, mentais e sociais quanto nos primeiros meses. Também segundo pesquisas, estímulos são muito importantes nesse período.

E é aqui que mora o problema das mães nascidas na pandemia. Como estimular a criança sem nenhum contato com nada além das paredes de casa?

“A gente morava num quitenete super pequeno. Ela só via o teto e eu. Mas precisava de estímulos para se desenvolver e não dava pra fazer isso”, conta Luane.

Como solução, ela passou a fazer pequenas caminhadas na orla em horários de pouco movimento. Mesmo em horários alternativos, as caminhadas sempre tinham alguém que via a bebê e queria brincar ou fazer uma gracinha. Mais uma vez, o medo se fez presente. Mãe e filha começaram a sair junto ao nascer do sol.

Neste sentido, Isadora conta que sempre sonhou em ser mãe e que tinha vários momentos que se imaginava vivendo. Levar o filho à praia, por exemplo, estava em sua lista.

Por conta da pandemia, isso só aconteceu aos sete meses. Ainda assim, ela não se sentiu segura para deixa-lo brincar com a areia ou molhar os pés. Além disso, vários outros desejos tiveram que ser cancelados ou adiados.  O que a faz definir a maternidade na pandemia como “um caminhão de expectativas jogadas fora”. 

Os desafios do mom office

Lidar com as pequenas frustrações só não é mais difícil do que aprender ser mãe e, praticamente ao mesmo tempo, lidar com o home office.

Tatiane Martins é empreendedora e tinha um planejamento delineado. Após o nascimento de Felipe, ficaria quatro meses sem trabalhar e, depois, voltaria ao escritório apenas em meio período. A realidade acabou sendo outra, pois com a notícia da pandemia veio o medo de perder os clientes.

“Como era prestadora de serviços PJ, não tenho salário fixo. Li as notícias e pensei ‘f*deu’. Com 15 dias, voltei a atender meus clientes. Às vezes, ele estava no colo, noutros momentos era entre as sonecas rezando para ele não acordar”.

Atualmente, ela conta com uma ajuda para cuidar do Felipe enquanto trabalha. Pois, com o primeiro aninho completo, o menino quer brincar e não tem maturidade para entender que a mãe precisa trabalhar.

Quando a licença-paternidade acabou, o marido da Isadora começou a trabalhar de casa. Então, foi preciso entender que, apesar de estar ao seu lado, ele não poderia ajudá-la nas demandas constantes do filho. Logo em seguida, ela voltou ao trabalho como professora, só que em casa e, mais uma vez, adaptações foram necessárias.

“Tudo isso deixou o puerpério muito difícil. Só não foi pior por que o meu companheiro começou a trabalhar de home office e conseguia me dar um suporte pra eu poder pelo menos tomar um banho, sabe? E ao mesmo tempo eu tinha que entender que ele estava em casa, mas estava trabalhando. Eu não poderia chamar toda hora”.

Neste processo, ela relata que muitas brigas aconteceram. E foi necessário entender juntos que ou se uniam naquele momento ou não daria certo. As conversas surtiram efeito, mas essa nem todos os casais tiveram esse resultado.

Ainda em setembro de 2020, o número de divórcios no Brasil teve um aumento de 54%. Em geral, casais que não aguentaram viver isolados – muitos dos quais tinham crianças em casa.

Eu ainda não nasci

Enquanto as mães já nascidas encaram estes e outros desafios, outras mulheres receberam a notícia de que estão grávidas no meio da pandemia.

Natália Furtado está grávida de três meses, dos quais dois foram necessários para aceitar a gestação.

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“Estamos em uma fase superdifícil. Até para sair de casa e realizar exames em segurança é bem complicado. Então, confesso, chorei de desespero quando soube que estava grávida”.  

Trabalhando de casa, ela conta que só sai para fazer o pré-natal. A agenda de idas ao obstetra, laboratório e clínica de imagem é organizada para que tudo aconteça no mesmo dia. Assim, o marido consegue folgar no trabalho e não é necessário usar outro meio de transporte. Para aliviar a rotina estressante, sessões de alongamento e yoga em casa têm ajudado.

“Além da COVID-19, ainda tem dengue e chikungunya. Nas minhas saídas, uso muito repelente, máscara e tenho álcool gel para passar nas mãos e em spray para o carro”.

No meio de tudo isso, ela tenta se preparar e também preparar o filho para o parto. Que espera fazer com um horário programado, para ter maior segurança quanto ao hospital e a situação que estará. Não dá para garantir que o bebê vai respeitar essa vontade e a bolsa não estourará antes. Mas uma coisa é certa: mesmo um ano depois do início da pandemia, ela chegará ao hospital com uma máscara cobrindo a expressão de ansiedade.

Para as mães nascidas na pandemia, essa é uma realidade que não deve mudar.

*A pedido da fonte, ocultamos seu nome e também do novo integrante da família