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Benny Coquito, um casamento no hospital e o sonho de um celebrante

Saída de emergência. Corredores, Risco de queda. Bipes. O contexto de um hospital não é, necessariamente um lugar romântico e nem mora nos nossos sonhos. Nós não desejamos hospitais como cenários. A exceção, em alguns casos, mora nas maternidades, símbolos de novas vidas chegando ao mundo.

Mas quando o hospital representa momentos de prognósticos ruins, acontece o oposto: queremos sair dali em rota de fuga.

O hospital, para um paciente de câncer, vai se tornando menos assustador aos poucos porque vira paisagem. Além do tratamento em si, que exige idas e vindas, o câncer é uma doença de alta complexidade que muitas vezes não se resolve com uma consulta. Em alguns casos, os protocolos são longos e cansativos para paciente e família. Isso quando não exige internação em outras cidades.

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A história do Benny é a história de muitos pacientes. O câncer, diagnosticado em 2013, não foi um ponto final. Paciente de câncer em cuidados paliativos e vivendo os altos e baixos da doença, ele fez muita coisa depois de receber um diagnóstico.

Eu tenho lugar de fala aqui. Além de ter sido paciente de câncer em 2011, ganhei uma grande amiga na época de diagnóstico. Apesar dos nossos tratamentos e tipos de doença terem sido muito diferentes, criamos uma amizade que foi longe.

AnaMi conviveu com um câncer de mama metastático desde 2015. Mas muito além disso, ela se tornou uma das vozes mais importantes do Brasil no tema cuidados paliativos sob a ótica do paciente. Advogou, através de sua escrita, pelos seus livros e redes sociais, chamando a atenção para a necessidade de um tratamento humanizado e pelo protagonismo dos pacientes. Falou sobre quanta vida existe depois de um diagnóstico. AnaMi escreveu três livros, fez centenas de palestra e impactou milhões de pessoas. Sua sabedoria também está expressa em audiovisual no filme Quantos dias, quantas noites, lançado em 2023.

A história de Benny Coquito

No dia 21 de janeiro de 2024 eu já estava, naturalmente mais emotiva porque, foi nesta data que AnaMi partiu, um ano antes. E eu testemunhei pelo Instagram uma história que me impactou bastante: como ela envolve alguns santistas, eu não poderia deixar de contá-la aqui no Juicy Santos – e finalizo esse texto no dia 4 de fevereiro, dia mundial de combate ao câncer. Então, se você que está lendo é paciente ou tem alguém que você ama que está passando ou passou por essa jornada, esse texto é para você.

Eu vi Benny Coquito (pai) circulando algumas vezes pelo corredores do Juicyhub. Geralmente ele acompanhava uma turma de jovens, entre eles o casal Benny Coquito Filho e Juliana Laffront, para produção de um podcast. Para facilitar, vamos chamá-los de agora em diante de Benny Pai e Benny Filho. Ao encontrá-los, jamais imaginava que o Benny Pai estava em tratamento de câncer, muito menos em cuidados paliativos. A razão é muito simples: o câncer migra de sua imagem de uma doença que significa uma sentença de morte em poucas semanas para virar uma doença crônica. Em países desenvolvidos, mais da metade dos casos de câncer são curados. Em países menos desenvolvidos, as estatatísticas são piores, por conta do diagnóstico tardio. E a palavra “cura”, em muitos casos também é bastante relativa, como reforça a obra da AnaMi.

Benny Pai faz tratamento no Instituto de Câncer Dr. Arnaldo desde 2013 devido ao diagnóstico de câncer metastático. Em meados de dezembro de 2023, apresentou algumas complicações clínicas precisando ser internado às pressas. Em um período bastante crítico não existia a possibilidade de alta próxima. Por isso, a residente Annelize Bezerra e Letícia, companheira do Benny Pai, conversavam sobre a preocupação do pai e do filho, que acabara de ficar noivo e se preparava para que o casamento acontecesse somente em 2025.

No meio dessa conversa, Benny Filho expôs que sempre foi um grande sonho do seu pai, poder ele próprio celebrar esse casamento. O trabalho de Benny Pai é esse: realizar cerimônias de casamento três décadas, ou seja, não fazia sentido ser outra pessoa a realizar a cerimônia de casamento do seu filho.

Agora, repara bem nessa imagem:

Celebrante Benny Coquito casa filho e Juliana

Na mesma semana da conversa, a oncologista Dra. Marcela Barreto, foi ao hospital levar a Aurora (pet terapeuta) para visitar os pacientes. Marcela conta que ficou um longo período no leito do Benny Pai conversando sobre esse sonho e as possibilidades de realizarmos esse sonho.

“Terminando a visita, logo que cheguei em casa, enviei uma mensagem para a estilista Flaysa Vieira que fez o meu próprio vestido de noiva, expliquei sobre o nosso projeto Lâmpada Mágica e a nossa vontade de realizar esse desejo. Inicialmente a ideia era que fosse uma cerimônia bem simples visto que o nosso hospital assim como a grande maioria tem seus desafios financeiros. Mas em algumas horas já tínhamos um grupo formado cheio de profissionais angelicais dispostos a fazer acontecer. E foi assim com o apoio de muita gente que em menos de uma semana tínhamos uma equipe mágica para realizar um casamento de sonho. Vestido da noiva, roupa do noivo e do paciente pai do noivo, dia da noiva, acessórios, decoração, bolo, docinhos, buffet, foto e filmagem, DJ, iluminação cênica, música ao vivo até mesmo cabine de fotos para os convidados.” – conta Marcela.

Casamento no hospital

Pensar em casar num hospital já seria um desafio e algo que explodiria a cabeça de muita gente. A foto abaixo é, para mim, a representação da palavra força. Força de um casal, de uma família, dos profissionais envolvidos. E principalmete, a força de um sonho, que ultrapassa toda e qualquer resistência para acontecer.

Casamento no hospital

Um dos aliados para que tudo isso acontecesse foi o Projeto Lâmpada Mágica, imaginado e criado pela Dra, Marcela. Médica atuante desde 2010, fez residência de clínica médica e em sequência residência de oncologia onde vivenciou muitas histórias de pacientes.

“No meu último ano de residência de oncologia em 2016, ainda sentia um vazio, como se faltasse algo para que pudesse me sentir completa como profissional. Já tinha uma boa base médica, mas ainda sentia que me faltava competência humana para cuidar dos pacientes além da dor física, considerando também os componentes emocionais, sociais e espirituais. Sempre enxerguei meus pacientes como pessoas, não é a doença e seus casos clínicos que os definem, mas os seres humanos que são. Pessoas com câncer tem seus valores, família, enfrentamentos, sonhos e desejos. Foi pensando longamente sobre o tema que decidi trilhar mais um novo caminho e busquei me especializar em Cuidados Paliativos. Fiz pós graduação em cuidados paliativos em São Paulo, na Casa do Cuidar, com a Ana Claudia Quintana Arantes, e uma segunda especialização pelo Instituto Pallium Latinoamericano na Argentina.” – explica Marcela.

O Projeto Lâmpada Mágica é executado sempre com a ajuda de muita gente fantástica e voluntária, pensado para os pacientes oncológicos em cuidados paliativos do Instituto do Câncer Dr. Arnaldo visando sempre realizar um desejo ou um sonho que ainda não foi possível durante a vida dessas pessoas.

“Muitas vezes são desejos simples como poder ver seu cachorro, comer uma feijoada ou tomar uma cerveja por exemplo. Um outro pedido que me marcou muito foi de uma paciente que tinha o sonho de ver um avião. O que para alguns pode parecer comum pode ser o sonho de outro alguém, e por isso todos o sonhos e pedidos são tratados como igual carinho e dedicação, são histórias únicas e incríveis.”- completa a criadora do Lâmpada Mágica.

No casamento do Benny Filho e Juliana Laffront, o Projeto Lâmpada Mágica cuidou de absolutamente tudo. Todo o tema do casamento, do repertório da cerimônia até o posicionamento dos convidados levaram em conta o desejo de Benny Pai e dos noivos. Foi uma semana intensa de muito trabalho e realizações.

“Eu e o Benny (filho) nem sabíamos como planejar um casamento. Não sabíamos nada de organizar um evento desses… mas nossa! Foram pessoas extraordiárias e eu tô até agora tentando entender o que aconteceu. Mas foi um dia mágico. Para você ter uma ideia, no eu estava indo no sábado, dia 13 no Gonzaga com o Benny (filho) procurar um vestido na C&A, Renner… quando a Dr. Marcela mandou a mensagem da estilistaFlayza dizendo que doaria o aluguel do vestido” – Conta Juliana, a noiva.

E foi assim que aconteceu o casamento dos sonhos e a cerimônia no anfiteatro dentro do hospital no Instituto de Câncer Dr. Arnaldo.

Benny Coquito e Juliana Laffront casam no hospital

“Quando as raízes são profundas, não há razão para temer o vento”

“Quando as raízes são profundas, não há razão para temer o vento” – a frase que guia o trabalho da Dr. Marcela como inspiração, tem tudo a ver com essa história. Depois do casamento, que acompanhei pelo Instagram, enviei mensagens para o Benny Filho e para a Juliana. Ambos estavam extremamente gratos e emocionados, em um estado de êxtase.

Benny, com uma grande felicidade, comentou que o pai teve uma melhora renal que surpreendeu até aos médicos. E reforçou o quanto o olhar de cuidados paliativos transforma, não só a qualidade de vida do paciente, mas o impacto positivo que isso traz para toda a família.

Vale reforçar que hoje menos de 10% dos hospitais no Brasil contam com equipe de Cuidados Paliativos. Tema muito disseminado inclusive pela Dr. Ana Claudia Quintana Arantes, que eu tenho orgulho de ter conhecido. Ana Claudia, que fez história com seu livro A Morte é Um Dia Que Vale a Pena Viver, onde traz um olhar incrível de um ser humano que exerce medicina. E claro, da obra da Ana Michelle Soares, que através se sua conta no Instagram @paliativas e de seus livros, geraram um impacto profundo para reforçar a importância de olhar pacientes muito além de seus diagnósticos.

“Eu tenho a honra de fazer parte desses 10%, me sinto realizada completamente na questão profissional. É importante ressaltar que estar em cuidados paliativos não significa estar privado dos recursos diagnósticos e terapêuticos que a medicina pode oferecer, um paciente em cuidados paliativos pode também estar em tratamento oncológico com quimioterapia ou outros. Mesmo que uma doença não tenha cura, sempre haverá tratamento e cuidado. Em 2017 tive a felicidade de iniciar meu trabalho como oncologista paliativista no Instituto do Câncer Dr. Arnaldo, criando e liderando a formação da comissão de cuidados paliativos e alguns projetos como o Pet terapia, Canto da leitura, Arte terapia e agora o projeto Lâmpada mágica. – Conta Marcela.

Se você achou essa história incrível e quer fazer parte de alguma maneira, entre em contato com a Dra. Marcela Barreto para apoiar projeto Lâmpada Mágica.

E convidamos você a assistir ao vídeo dessa cerimônia, que nos ensina muito sobre o poder de realizar sonhos.

Ludmilla Rossi
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