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52 semanas a menos: versão 2023

Direto do último dia de 2023, paro aqui para fazer uma das coisas que mais gosto, mas ando fazendo menos do que gostaria. Comecei o ano com as metas de ler mais e escrever mais. Sinto que a escrita é parte da minha expressão maior e a leitura é o meu esporte favorito. Mas, devido a 2023, eu já havia desencanado de escrever uma espécie de dossiê de um ano que, para mim, pode ser resumido em uma palavra: ambiguidade.

Entretanto, como teve muita gente que fez parte desse ano, aqui no Juicyhub e no Juicy Santos, eu agradeci o fato deste final de semana ter amanhecido chuvoso em Santos. Sem essa água caindo aos poucos do céu, eu estaria na praia, algo que por ventura, fiz pouco esse ano. Estaria tomando um banho de mar, fechando alguma das leituras que deixei pendentes, provavelmente Oliver Burkeman, que inspirou o título desse texto.

Esse autor me fez pensar no seguinte fato: se eu viver até os 80 anos, me restam pouco mais de 2000 semanas. Como 52 delas foram consumidas em 2023, esse texto é uma análise do que eu fiz com elas. E de com quem valeu apena compartilhar desse ativo importante e irrecuperável: o tempo de 2023.

Sugestões para você

“Azedou aqui, gente.”

O ano estava em seus primeiros dias e uma amiga cria um grupo com a seguinte mensagem: “azedou aqui, gente”. O grupo com alguns amigos e familiares estava nomeado como #bucketlist da AnaMi. Bucket list basicamente é uma lista de desejos, experiências e/ou conquistas que uma pessoa quer realizar durante sua vida. É uma lista detalhada de metas que as pessoas desejam alcançar antes de “chutar o balde”. Em português claro: morrer.

Ana Michelle, amiga que fiz em 2011 também por conta do meu diagnóstico de câncer, estava morrendo. Enquanto algumas pessoas são varridas do planeta por acidentes, infartos ou mortes rapidamente binárias, algumas doenças permitem despedidas e planejamento. Câncer, dependendo do lugar e de suas metastáses é uma dessas doenças. E como aprendi com a AnaMi, a gente não consegue se curar da finitude crônica, termo que ela cunhava sempre.

Eu tenho muito orgulho dessa minha amiga. Depois do câncer ela escreveu três livros que viraram best-sellers, deu inúmeras palestras, co-criou projetos como a Casa Paliativa e foi a primeira pessoa não-médica a falar para os membros da Academia Nacional de Medicina. A vida da AnaMi provocou uma mudança imensa no debate sobre cuidados paliativos, relação médico-paciente e sobre a palavra “cura”.

Mas o fato é que, uma semana depois da primeira mensagem, os amigos que estavam no grupo de bucket list da AnaMi, foram chamados ao hospital para cumprir um dos itens que estavam na lista: assistir junto com ela um filme, que ainda não estava pronto. Os amigos e o diretor do filme mobilizaram o que podiam, montando uma “sala de cinema” no auditório do hospital, com  AnaMi acompanhada da equipe da UTI. O filme é esse aqui, que saiu em outubro de 2023 pela Maria Farinha Filmes, onde você pode assistir a AnaMi e outros personagens incríveis exalando vida e sabedoria (que são a mesma coisa).

O fato é que eu não podia reclamar, me revoltar, nada. AnaMi preparou todo mundo para sua partida. Em dezembro de 2017, quando viajamos juntas para Nova York, para comemorar seu aniversário, nos despedimos com a seguinte fala dela: “Amiga, foi nossa primeira viagem juntas pra cá. E talvez tenha sido a última. Mas eu só queria que você soubesse que foi inesquecível”. Eu segurei as lágrimas, mas assim que ela foi embora (eu fiquei um dia a mais em Nova York e ela foi para o Canadá), desabei de chorar.

Dia 12 de janeiro de 2023 foi o último dia que vi minha amiga. Não fui ao seu velório. Não fui ao seu enterro. Não fui. E eu sei que esses rituais são fundamentais para os seres humanos, mas são meus mecanismos de defesa para que as memórias mais fortes no meu cérebro sejam as nossas em Nova York, em Santos, em São Paulo e no Rio de Janeiro.

O ano já começou com esse baque, que era esperado, também foi seguido do lançamento do terceiro livro da AnaMi. Esse, infelizmente, não terei a alegria de seu autógrafo dessa vez.

I have a dream feat. sonho realizado

Em janeiro, um dia antes da AnaMi partir, fiz minha aplicação para uma bolsa de estudos de liderança na London School of Economics (LSE). Sempre foi um sonho estudar fora do Brasil e apesar de uma certa experiência em eventos profissionais na gringa, eu nunca tinha sentado na cadeira de uma universidade renomada nem tido contato com professores internacionalizados. Viajar estava na minha lista de desejos de 2023, mas estudar fora, por uma questão de viabilidade financeira e Real desvalorizado, não estava. Eis que, em 25 abril recebo um e-mail que fui aprovada, junto com outras 49 mulheres para ser parte do W50 programa da LSE patrocinado pelo Santander. Mais de 11.000 mulheres de todo o mundo se candidataram para o processo. E lá estava eu, entre as 7 brasileiras escolhidas. Foi uma experiência transformadora.

Viajei em junho, e na mesma semana do meu embarque para Londres soube que eu fui aprovada em um segundo programa internacional, dessa em Washington D.C., a terra do I have a dream, do Dr. King, viabilizado pela Exxol Mobil e ofertado pela Counterpart. Embarquei em uma viagem já sabendo que teria outra e me sentindo absolutamente grata por ter sido escolhida para essas oportunidades de impacto imensurável. Foram mais de 100 horas em salas de aula, além de um mergulho gigante em artigos, livros e leituras para a preparação para essas bolsas, bem longe de ser uma viagem comum e de lazer. Principalmente em Washington, foi uma tremenda sensação de pequenez diante do tamanho dos seres humanos que conheci e da dimensão dos desafios do mundo. Acho que essas duas imagens representam bem isso:

Ludmilla Rossi e Juicyhub em eventos internacionais durante o ano de 2023

Tive o prazer de conhecer biografias incríveis, não apenas através das participantes dos programas, mas também das organizadoras e facilitadoras. Aprendi muito. Mergulhei em estudos de liderança, gênero, igualdade e impacto. São conhecimentos que, ao nos submetermos à eles, fica impossível de ver o mundo da mesma forma. E principalmente olhar nossa cidade com os mesmos olhares sociais e econômicos.

Aliás, 2023, do ponto de vista global foi um ano importantante também para discutir gênero, onde a ganhadora do Prêmio Nobel, pela primeira vez desde 1969 foi uma mulher, sozinha. Claudia Goldin recebe o prêmio justamente falando sobre participação econômica das mulheres e economia do cuidado e descobertas como o fato do desenvolvimento econômico não ser sinônimo de uma maior participação feminina na força de trabalho nos últimos 200 anos.

A profundidade dos estudos da LSE, especialmente olhando para gestão e mercado, foi incrível. A construção do treinamento de Washington, promovido pela Counterpart International, me deu uma lupa ainda mais precisa para entender o que é o mundo sob o olhar de mulheres de países como Brasil, Argentina, Papua Nova Guiné, Moçambique, Colômbia, Qatar, Arábia Saudita, Indonesia, Nigéria, Guiana, Angola, Egito, México e Namíbia.

São mulheres com forte impacto em suas comunidades, que tocam projetos inimagináveis, que vão de insegurança alimentar, abandono de bebês em lixões à desenvolvimento de educação e renda em comunidades periféricas. Nesse momento, quando a gente se afasta do Brasil, a gente percebe que nossa cultura, nosso jeito, nossa visão de mundo são especiais.

Voltei mais orgulhosa do Brasil. Voltei mais orgulhosa das habilidades que construí ao longo das minhas mais de duas décadas de empreendedorismo. Voltei me sentindo uma profissional mais completa, justamente porque aqui no Brasil, precisamos fazer muitas coisas e aprender muitas coisas para sobreviver em um cenário menos favorável economicamente. Essas experiências internacionais me ajudaram a fazer uma coisa que eu sempre fazia involuntariamente, sem saber que fazia: silenciar os ruídos.

Ao mesmo tempo, voltei com uma certa desesperança: quanto mais a gente entende sobre gênero e interseccionalidade, mais a gente fica sensível às injustiças e ao entendimento estrutural das desigualdades. E nota o quanto falta consciência de classe ao nosso redor – e o quanto o mundo e a nossa cidade poderiam ser um lugar melhor apenas com o despertar e a ampliação da nossa consciência.

Em nenhuma das aulas que tive por lá, consegui tirar o Juicyhub da equação dessas oportunidades. Apesar dos tantos desafios vividos no Juicyhub em 2023 junto nossa equipe, ser uma liderança mulher, beneficiada com essas duas bolsas por causa do Juicyhub só reforçou a importância dele, num contexto além da nossa cidade. É complexo dizer que o Juicyhub é um sonho realizado, porque é uma história que tem apenas dois anos recém completados nesse final de 2023. Mas fiz um vídeo, resumindo esses primeiros dois anos de um sonho em andamento.

A varanda

Em uma das primeiras aulas da LSE, ouvi a Connson Locke falando sobre liderança e gestão. Ela defendia que uma organização não vive de visão. É fundamental a também gestão – e discutir se o que “muda o jogo” é a visão ou a gestão é uma grande perda de tempo. A Sra. Locke comentou sobre uma expressão em inglês que eu não conhecia, que explica essa importância de olhar o contexto completo: “Go to the balcony”, ela disse. Ou seja, em português quer dizer “vá para a varanda”. Olhe o todo, alinhe pessoas, motive pessoas e crie o futuro. Enquanto o olhar para dentro é a gestão, organizando e montando equipes, controlar e solucionar problemas e montar planos e orçamentos. Essa ambidestria me transportou imediatamente para o ambiente do Juicyhub, que basicamente é visualmente essa metáfora: metade do espaço varanda para “olhar o todo” e metade em ambiente de trabalho para “fazer o que precisa ser feito”. Ir para a varanda virou uma grande metáfora e foi o que eu fiz muitas vezes nos momentos sombrios deste ano.

É difícil falar de sombras em um ano que vivi tantas oportunidades, onde ninguém da minha família passou apuros de saúde e onde realmente não tive muito do que reclamar. A maior parte dos meus desafios foram empresariais e econômicos, o que sabemos que faz parte de um grande jogo de picos e vales, especialmente se tratarmos de empreendedorismo na nova economia.

Enquanto isso, meu lugar de sombra esteve basicamente em um sentimento: o de não pertencer. O oposto do pertencimento talvez seja o julgamento ou a delimitação. Durante boa parte do ano me senti assim. Talvez sobre a maior consciência sobre os estudos de gênero, talvez pelo próprio amadurecimento do Juicyhub no mercado, talvez pela posição que ocupo ou mesmo talvez por uma fome de futuro que dialoga pouco com o status-quo da nossa cidade. Leia-se por status-quo, uma barra baixa para pensarmos nos próximos 20 ou 50 anos. Eu nunca havia lidado com esse tipo de sentimento antes: com essa inadequação que oscila entre o “será que estou na cidade certa?” e o “que bom que eu não penso como a maioria”.

Longe de todos

Longe de todos, em Washington D.C. e Nova York, tive alguns dias para conviver comigo mesma. Ainda sobre uma frase do Nietzsche que li no livro do Olive Burkeman (“A pressa é universal porque está todo mundo fugindo de si mesmo”) não tive pressa nos dias em que estive fora e parei para estudar. Por vinte e um dias dividindo horas de estudos, o hotel com Joaquina Eduardo, com uma Angolana maravilhosa e alguns dias em Nova York, assentei vários aprendizados. O principal deles talvez tenha sido sobre a dimensão do meu time. Longe deles e pensando nas 52 semanas de 2023, quero encerrar esse texto dizendo que não existe liderança sem gente capaz por perto. Não existe nem vitória e nem derrota que seja individual. E que as melhores relações não precisam de incondicional concordância, mas sim de alinhamento.

Com isso – e com a grande chance de ser injusta por ter esquecido algum fato importante desse ano – preciso agradecer à algumas pessoas que fizeram toda a diferença nas minhas últimas 52 semanas.

Eline Lima, que se tornou uma das mulheres mais fortes que conheci. Já passamos por muitas coisas juntas, mas esse ano foi especial por você ter revelado sua coragem, aquela única virtude que é impossível de se fingir. Entre nossas tantas conversas, discordâncias e chateações que uma pode ter ofertado à outra, ficamos muito maiores justamente pela coragem de termos feito – e ainda precisarmos fazer o que precisa ser feito. Preciso te dizer, Eline, que você foi uma das melhores pessoas que “aconteceram” nos últimos anos. E o último só reforçou a sua matéria prima. De novo ela, a coragem.

Nathália Williams, outra força da natureza, que manteve sua generosidade diante de tantas razões para não fazê-lo. Que trouxe paz, água fria em tempos ferventes e chuva para ideias áridas. Naty, você fez toda a diferença nessas 52 semanas e não tenho a mínima dúvida da sua evolução e clareza de si. Da sua energia serena em querer ver todos bem ao mesmo tempo que as coisas acontecem como devem acontecer: com firmeza moral, sem permissividade e com muito, mas muito amor.

Bonna, com quem pude trabalhar mais intensamente no último ano e que surpreende pela sua completude e ambidestria entre o que é técnico e o que é humano. Ter o Bonna no time mudou tudo. Sua energia realizadora, sua vontade de ver as coisas funcionando, sua capacidade em resolver as coisas que muitos não sabem tem um poder de transformação muito além do que ele imagina. Sua abertura ao novo e à construção de um lugar melhor trazem efeitos maravilhosos para todos nós.

Alexandre, outra pessoa de envergadura moral única, que talvez tenha sido uma das primeiras pessoas a entender o que eu estava fazendo – até mesmo antes de eu entender tudo. Sua certeza e disposição em fazer dar certo seguem me impressionando. Tenho certeza que isso foi uma luz em muitos dias sombrios.

Flávia, que você precisa ser, fazer e transformar já mora em você. O caminho é seu. E assim como você abriu vários caminhos para tantas pessoas, eu espero que as próximas semanas sejam suas. Eu acredito em todas as transformações que você fará e quero vivê-las.

À todas as outras pessoas que são vitais para minha existência, reforço o quanto vocês foram importantes em 2023. Meu amor, Mauricio Matias. Minha família e amigos, a quem dei reservada atenção esse ano e que foram compreensivos em todas as ausências. Aos meus amigos e mentores, que foram aliados essenciais para passar pelos piores momentos, destacando aqui Antonio Napole e Robson Henriques. Ao Daniel Domingues, que simplesmente existiu nesse meu ano mais do que imaginou. À Nathália Aoão, que está construindo uma nova estrada comigo, meu imenso agradecimento antecipado pelo que estaremos celebrando no final de 2024.

À todos que fazem parte da comunidade Juicyhub, incluindo todo o nosso time, que fecharam esse ano conosco, meu imenso agradecimento por compartilharem suas semanas conosco.

Obrigada por sua ambiguidade, 2023.
Obrigada, por toda a coragem que você construiu em mim.

Ludmilla Rossi
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