Texto porMarcus Vinícius Batista
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Plic Ploc: entre Minas Gerais e o rock

Andando pela cidade, descubro pequenas pedras lapidadas em meio ao barulho, à pressa e às neuroses urbanas. Ao caminhar pelo canal 5, olhei pela enésima para um café, quase escondido, entre as avenidas Pedro Lessa e Afonso Pena. Desta vez, li na placa de madeira: “Propague o amor! Torta de banana integral.”

Busquei Beth na natação, o propósito da caminhada, e sugeri a ela: “Vamos comer um pedaço de torta de banana? É integral.”

“Onde é?”

“Já te mostro.”

Ao entrarmos no Plic Ploc – bistró e empório, percebemos que o endereço era diferente.

plic ploc

Nada da superstição de números, 222 da avenida Almirante Cochrane. A decoração impressionava, mas o segredo estava no atendimento, que temperaria ainda mais o almoço que nem sabia que aconteceria e provocaria salivação diante da torta protegida pelo balcão de vidro.

Com a torta de banana e um quiche na mesa, começaram as histórias. Óbvio quando você descobre depois que o dono é mineiro. Atrás das mesas de madeira, a diversidade cultural nas paredes.

Numa delas, as prateleiras abrigavam garrafas de cerveja, tanto as gourmets como os cascos reciclados e transformados em arte.

Nas garrafas coloridas, imagens de Noel Rosa, Salvador Dali, Elton John, Bono Vox, Mel Gibson em Mad Max, Simpsons e Eddie Vedder. A arte era assinada por Rafael (só Rafael mesmo!), que trabalhou lá por dois meses e depois se mudou para Portugal.

Ao apanhar a garrafa com o vocalista do Pearl Jam, descubro a letra de Society, música que aparece no filme “Na Natureza Selvagem”. Abaixo delas, outra prateleira dava moradia para licores de jabuticaba, esculturas de metal, uma caminhonete com o símbolo da loja pintado à mão.

Plic Ploc

Adair Junior Landim, um dos donos do espaço, nos traz, como cortesia, dois pães de queijo e nos alerta: “É o legítimo mineiro, da minha terra.”

Não era blefe. O pão de queijo se aproximava demais daquele feito pela minha avó Norvina, lá na cidade chamada Luz, no interior do mesmo estado. É um pão de queijo bronzeado, com a essência de queijo – ou o queijo meia cura -, nada esbranquiçado. Amarelo gema, como manda o protocolo das Minas Gerais.

Júnior e Renata Fenyo criaram o Plic Ploc há dois anos. De início, uma doceria e bomboniere. Hoje, um espaço cultural de formação de amizades.

Plic Ploc nasceu de um caminho eclético da cultura. A expressão remete a um desenho animado da década de 70, com dois ratinhos. Plic Ploc é citado numa música de Adriana Calcanhoto para crianças, na qual ela chama Vinicius de Moraes pelo nome, como moleque travesso.

Olhando para a esquerda, continuei a mapear a riqueza da decoração. Uma pequena prateleira amarela, mais parecida com meia caixa de feira em tamanho miniatura, sustentava uma dúzia de livros. Outra dúzia estava mais abaixo. Era um canto para troca. Ali, residiam temporariamente textos de Fernando Pessoa, Manuel Bandeira, Paulo Coelho, Ferreira Gullar, além de obras religiosas e romances.

Fiquei para o almoço. Enquanto preparavam o nhoque à bolonhesa, corri em casa e busquei meu livro – Quando os Mudos Conversam – e o de Beth – Até o Fim – para deixar no lugar. Levei para casa um de física quântica, do cientista Amit Goswami.

No alto de outra parede, dois desenhos de carros antigos, mais cartazes de rock. Na parede oposta, um desenho de John Lennon e George Harrison. Lennon, por sinal, avisa que é a entrada do banheiro masculino. Janes Joplin fica com o feminino. Tudo trabalho do Rafael.

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Júnior e Renata se conheceram em Ouro Preto, há oito anos. Ele, mineiro, fora criado na roça, em sítio. Ela, professora de inglês e gente da cidade grande, foi criada em São Bernardo do Campo, no Grande ABC paulista.

O que os uniu, de início, foi um cavalo ferido. Os dois, mais um grupo de pessoas, trataram do animal e, por conta disso, resolveram se reencontrar em São Paulo, alguns meses depois.

No reencontro, só apareceram Júnior e Renata. Naquela segunda conversa, a percepção de muita coisa em comum. Quando resolveram morar juntos, Renata escolheu Santos, cidade onde costumava passar férias e feriados prolongados. Do casamento, nasceu Iago, hoje com quatro anos, o plic ploc in persona.

O dono da loja avisa que ali não há wi-fi. O objetivo é que as pessoas se conheçam. Ele faz o papel de apresentá-las. Júnior me conta, com orgulho, que dos encontros casuais no Plic Ploc nasceram negócios, projetos culturais e até um grupo no Whatsapp, onde é proibido falar de política e de notícias ruins.

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O artista plástico Marco Francisco e o músico Mário Morais se conheceram no bistrô. Da amizade em construção, surgiu o evento do dia 12 de novembro, um sábado, das 15 às 18 horas. Marco vai expor gravuras. Mário fará uma apresentação de voz e violão.

O Plic Ploc é um daqueles micromundos que existem na cidade de Santos. Um universo atrás de portas de vidro, que só se abrem para quem anda a pé. Um endereço onde a Santos se faz interiorana.

Nas duas horas em que permaneci lá, cerca de dez pessoas entraram e saíram – ou só passaram em frente. Todas cumprimentaram Júnior e pararam para conversar. Da prova na escola à aula de patinação. Do comentário sobre o omelete de almoço ao sabor do açaí no copo.

Depois da foto com a minibiblioteca ao fundo e o café mineiro de cortesia, mais um pouco de conversa, sobre linhaça com azeite e alho e sobre a contínua evolução da loja. Júnior não a quer lotada, e sim com movimento sempre. Assim, pode conversar, explicar seu estilo de vida, falar de Minduri – sua cidade natal de 1800 habitantes.

Ele brinca que, em Minduri, metade é parente dele. A outra metade casou com a primeira. Neste caso, ele é exceção. A nova vida começou em Ouro Preto, mas foi preciso uma mulher do ABC para levá-lo à beira do canal 5, seis vezes por semana, exceto aos domingos. Nesse dia, a vida fica exclusiva para outro Plic Ploc, o de quatro anos e energia superior às dez horas diárias de mineirice no bistrô.

Imagens: Beth Soares para Juicy Santos, em um sarau que aconteceu espontaneamente no local