A arquitetura de bambu em Bali
O bambu deve ser, provavelmente, o material mais barato e mais usado em construções ao redor da Ásia.
É a a matéria prima base das casas simples de Myanmar às Filipinas, passando por quase todos os países do Sudeste Asiático, não muito diferente das construções aqui de Bali, mas com um diferencial.
A ilha de Bali respeita, honra e valoriza as tradições, ao mesmo tempo que se mantém aberta à novas ideias e referências.
Restaurante Parachute, em Bali
Um pouco mais sobre Bali e os balineses
O balinês é mais aberto a ouvir e respeitar seus limites e suas ideias dentro daquilo que eles sabem fazer de melhor. Tive uma experiência assim quando resolvi fazer um curso de batik em Ubud.
Batik é uma técnica de estamparia milenar que usa cera de abelha para criar estampas e padrões. A minha professora era uma senhora de aproximadamente 80 anos e me instruiu:
Usamos no máximo 3 cores e deixamos muitos espaços em branco no tecido.
Bom, eu precisei avisa-la que não sei trabalhar com APENAS 3 cores e que sou maximalista.
Ela ficou nervosa quando eu disse que ia usar 7 cores, até derrubou um pouco de tinta no meu trabalho de tão ansiosa. Mas respeitou minha opinião e a acolheu quando viu o resultado, chamando toda a família para ver meu trabalho. A professora se sentiu realmente realizada por ter me ensinado e aberto espaço para inovar dentro da sua tradição.
O balinês é assim. Diferentemente de outras culturas ancestrais da Ásia como, por exemplo, o Japão onde tudo é feito da mesma maneira por séculos e sempre será assim, o balinês tem jogo de cintura, respeita, acolhe e elogia se algo faz sentido para ele. E, nesse aspecto, me lembra muito o brasileiro.
Por que estou contando essa história? Porque quero falar um pouco sobre arquitetura de Bali e fazer novamente um paralelo com o Brasil.
A história de Linda Garland
Nascida na Irlanda do Norte, Linda Garland passou anos se mudando de país em país com seus pais, que serviram durante a guerra. Ao longo dos anos, essas mudanças a transformaram em uma pessoa extremamente curiosa, criativa, e aventureira. Em cada lugar que morava, colecionava tecidos e artesanato. E isso a transformou numa grande designer de interiores.
Design de Linda Garland em Necker Island, nas Ilhas Virgens Britânicas, com inspiração no mobiliário balinês
Em uma de suas muitas viagens em busca de referência ela veio parar, meio que sem querer, na Indonésia dos anos 1970. Linda se mudou definitivamente para Bali em 1978 e montou seu estúdio de design no meio de gigantescas almofadas encapadas com batik, móveis ecléticos produzidos com os materiais mais exóticos que ela encontrava por aqui.
Nos anos 1980 se casou com um empresário da Indonésia e se tornou cada vez mais local. Ela se sentia em casa tanto no pequeno vilarejo de Ubud quanto com seus amigos jet setters quando morava em Londres. Foi na casa dela que se hospedaram pessoas como Mick Jagger e David Bowie.
Linda reconhecia o potencial de todas as criações simplistas que a cercavam em Ubud. Através do trabalho de Terry Stanton, um designer australiano que começou a fazer alguns pequenos experimentos com bambu em mobílias, ela entendeu que o bambu poderia se transformar em muito mais do que as casinhas que os balineses então habitavam no pequeno vilarejo.
Arquitetura de bambu em Bali
Ela começou a projetar móveis inusitados e aplicar o bambu como item de decoração de interiores.
Seus projetos saíram em revistas respeitadíssimas, entre elas a Architectural Digest. Na década de 1980, ela construiu a Panchoran Estate, sua casa, que hoje em dia é um hotel e um dos lugares mais fotografados para o Instagram e o Pinterest.
Após a construção da casa, chamada de “jungle chic”, suas criações com bambu se proliferaram e ela se tornou uma grande ativista a favor da natureza.
O bambu é extremamente flexível, não agride o meio ambiente, cresce rapidamente.
Por causa de Linda, se tornou mundialmente como um material sustentável de construção. Ele é, hoje, usado inclusive para construir de maneira rápida e barata casas para vítimas de desastres naturais.
Alternativa barata e sustentável
Em 1993, Linda criou a Environmental Bamboo Foundation. A decoradora foi pioneira na pesquisa de bambu como uma alternativa barata e sustentável para construção com menos desperdício de material e amigável ao meio ambiente. Suas conquistas foram premiadas na Europa, Austrália e em tantos outros lugares do mundo. O seu legado em Bali é indiscutível. Em 2017, Linda se foi, mas seus filhos seguem escrevendo a sua história.
Hotel Katamama
Se existe alguém que transformou essa nova arquitetura que vemos em todos os cantos de Bali, esse alguém foi ela. Inspirou inúmeros trabalhos em bambu, entre eles a mundialmente famosa escola Green School, as construções do super badalado Hotel Katamama, dos também donos do clube conhecido mundialmente Potato Head, e do novíssimo restaurante Parachute, que conheci essa semana. Todos eles construídos em bambu e outros matérias mesclados.
Além disso, há o maravilhoso escritório de arquitetura Ibuku Bali, criado pela filha do criador da Green School e que constrói casas, hotéis e restaurantes todos em bambu no mundo inteiro.
Green School
Vejo esse movimento acontecendo muito lentamente no Brasil.
Expliquei para minha família que a casa de bambu aqui é como as construções de pau a pique no nordeste brasileiro ou os móveis criados na Ilha do Ferro, entre tantas outras maravilhas do nosso design acidental.
A diferença é que o brasileiro ainda tem complexo de vira-lata e acredita que o que vem de fora é mais bonito, por isso essa infinidade de apartamentos neoclássicos que aparecem mais e mais nas cidades.
Mas há locais como a Casa Natura em São Paulo, por exemplo, que honrou a tradição e construiu uma casa de shows inteiramente de pau a pique. Assim como o Dalva e Dito, que ainda tímido, transferiu para apenas uma parede das suas instalações.
Mas tenho fé que, em algum tempo, poderemos agir como os balineses: respeitar, honrar e nos orgulhar daquilo que é mais nosso. Quem sabe dessa maneira transformamos nossas cidades em lugares mais acalentadores, mais quentes e mais felizes?
Em Bali, aprendo que a beleza mora na simplicidade e nos detalhes que estão em todos lugares.
Em pegar o antigo e transformar em algo novo, transmutar.
E isso vale para tudo, para prédios, para arte e especialmente para os nossos sentimentos.
Que sejamos mais simples.
*Por Cristiana Ventura, artista plástica e estilista nascida em Santos. Já morou em Londres e São Paulo e, hoje, reside em Bali