Lar de Amparo Vovó Walquíria e um pedido de ajuda
O final da Av. João Francisco Bensdorp, em São Vicente, tem um muro alto e amarelo. O portão é elétrico, mas há algum tempo, ele não funciona. “Seu” Constantino resolve o problema: está sempre esperando a próxima visita chegar para levantar do sofá e abri-lo rapidamente.
– Oi, como é o seu nome?
Ele pergunta e, em seguida, vai à sala anunciar que tem visita no Lar de Amparo Vovó Walquíria.
Conheci este cantinho escondido de São Vicente em 2016, quando fui perguntar o que os moradores queriam ganhar de Natal. Logo depois, voltei com os presentes (com a ajuda dos leitores do Juicy Santos) e então em outras datas. Às vezes, apenas para passar a tarde, plantar na horta ou levar o café da manhã.
Seja qual for o motivo, a recepção sempre teve a mesma ternura e carinho.
Apesar disso, a história do local é marcada pelo que Maria Gadú, em Axé Acappella, chama de jogos de egos gigantes. Neste caso, apenas um ego faz parte do jogo e dita as regras.
História do Lar de Amparo Vovó Walquíria
Imagem: Diego Barbosa para Juicy Santos
Em resumo, o lar existe desde 1993 e atende idosos que não têm família, foram negligenciados ou não tem condições de pagar a mensalidade de uma casa de repouso.
Por anos, a casa da vovó Walquíria, que atualmente também reside lá, foi a morada desses idosos. Mas, em 2004, o endereço no fim avenida paralela à Imigrantes passou a ser chamada de Lar de Amparo Vovó Walquíria.
“Minha mãe trabalhava numa instituição particular, que tinha convênio com a Prefeitura (de São Vicente). Na época, os idosos assistidos com a verba da prefeitura estavam sem nada para comer. Pois o pagamento não foi feito e a dona de lá cortou tudo”, comenta Pércida Moura, conhecida como Iva, neta da vovó Walquíria e atual integrante da diretoria do lar.
Sua mãe, fundadora da casa, levou 11 idosos para viver com a família na casa da Vovó Walquíria, após uma discussão com sua então chefe. Como em coração de vó sempre cabe mais um, a casa de Walquíria já tinha sido lar de filhos e netos. Em outras palavras, tinha quartos suficientes para abrigar a todos, desde que levassem suas camas.
A mudança do lar para a casa de muro amarelo aconteceu em 2004, quando Walquíria contratou pedreiros para aumentar a casa. Mas teve a obra condenada pela Defesa Civil para a construção de uma instituição.
O terreno onde ficam atualmente foi doado, por meio de um contrato de concessão de uso por 45 anos, pelo então prefeito de São Vicente e atual governador de SP, Márcio França. A casa ganhou vida com a ajuda de voluntários. Mas, já no ano seguinte, a RDC 283/2005 mudou as normas para esse tipo de moradia. Desde então, o Lar de Amparo Vovó Walquíria luta para continuar sendo a casa de 22 idosos (número de moradores nos dias hoje).
Onde eu vou morar?
Com os olhos marejados, Maria José (dona Zezé, para os íntimos) se questiona para onde irá se o lar tiver que fechar as portas.
Assim como ela, a maioria dos idosos que vive ali se pergunta a mesma coisa. Eles não têm para onde ir e não querem se separar. Afinal, ali vivem como uma família. Esse é o clima desde 2010.
“Em 2010, nós fomos interditados pela Vigilância Sanitária. O caso foi levado ao conhecimento da Promotoria e entraram com uma ação para interditar a casa”, explica.
A ação foi vencida em São Vicente e em São Paulo. Atualmente, está em Brasília.
Imagem: Diego Barbosa para Juicy Santos
Em 2014, uma segunda interdição aconteceu. Ambas apresentaram a justificativa de que o lar não segue as normas da RDC ao, por exemplo, ter apenas dois quartos coletivos (um feminino e um masculino) e um banheiro em cada um deles.
“Nós somos tratados com respeito e muito carinho, não me importo de o quarto ser coletivo. Não é como se isso fosse mais importante que o amor que recebemos”, comenta Zezé, apoiada por todos a sua volta, reunidos para assistir ao jogo da Copa do Mundo. Ninguém acertou o placar do primeiro jogo do Brasil.
Em abril deste ano, a Vigilância Sanitária de São Vicente voltou a intimar o lar a fechar as portas. Mas uma liminar deu o direito de continuarem funcionando.
Muita burocracia, pouco esclarecimento
Uma vez que o grande problema alegado é a estrutura seguir os moldes de uma lei antiga, o lar tem um projeto para se adequar às exigências. Para isso, uma arquiteta aconselhou a começarem com a construção de uma ala nos fundos – onde os idosos irão residir enquanto a frente passa por reformas.
Falta dinheiro para a construção. Mas, antes disso, falta o alvará para a obra acontecer.
“Eu não posso pedir material de construção antes de ter a aprovação da obra. Nós demos entrada na Prefeitura, no setor de obras, mas eles dizem que a escritura não bate com as medidas. Só que ninguém explica como arrumar isso, não fomos nós quem fizemos essas documentações, foi o próprio secretário”.
Ainda segundo Iva, em 2010, o juiz alegou que não haviam motivos para interditar a casa. No entanto, era necessário que eles recebessem ajuda para se adequar – o que ainda não acontece.
Imagem: Diego Barbosa para Juicy Santos
Como ajudar o Lar de Amparo Vovó Walquíria
Constantino adora abrir o portão para novas visitas. Zezé e Lourdes sempre cantam quando alguém chega e Raimundo está sempre perfumado e pronto para conversar sobre os anos que trabalhou no Porto de Santos.
Ajudar a casa da Vovó Walquíria é simples: basta uma tarde de música, um café da tarde com pães fresquinhos e iogurte e uma conversa para arrancar sorrisos dos moradores.
Tudo em prol do bem estar dos idosos.
Também é possível ajudar com doações de itens necessários no dia-a-dia do lar ou com o seu trabalho. Advogados e administradores, por exemplo, podem ajuda-los a entender como solucionar os problemas da obra e com a justiça.
Para Constantino, mortadela e queijo no café da manhã é o que espera de nossa próxima visita.
Ao fechar o portão, ele já não se lembra nosso nome, mas agradece pela visita e pergunta quando voltaremos. Então vai à sala e anuncia a data em que prometemos voltar. E nós sabemos que todos estarão aguardando ansiosos, com a mesma recepção dócil.
As próximas fases do jogo de egos que quer acabar com essa história ainda estão envoltas em dúvidas.
No que depender deles, serão musicais e cheias de ternura, assim como são todas as tardes no Lar de Amparo Vovó Walquíria.
Imagem: Diego Barbosa para Juicy Santos
O Lar de Amparo Vovó Walquíria fica na Av. João Francisco Bensdorp, 155, em São Vicente. Você pode entrar em contato pelo Facebook ou telefone (13) 3043-2306 ou 3025-2878.