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Cia da Rua: o calor que as ruas de Santos precisam

A noite é fria.

O silêncio, os tons escuros e o vazio das ruas atenuam a temperatura. Faz tanto frio que o Raimundo – pai de duas gêmeas de 26 anos – procurou um local atrás do muro para se acomodar. Não são quatro paredes, mas ao menos o vento não corta sua pele, só acaricia as rugas de forma ingrata.

É o que a vida o oferece quando o sol se põe. Descaso.

Invisível para os poucos que passam por ali, o baiano se acomoda em alguns papelões que juntou durante o dia, reza o Pai Nosso e as orações que aprendeu na igreja católica e espera o sono chegar.

Sugestões para você

Numa noite de quinta-feira em agosto, demorou a dormir. Às 21h06, estava de costas para a rua, no mesmo cantinho de sempre, quando ouviu vozes.

“Com licença, você está com frio?”

“Tô, sim, senhor!”

“Quer uma sopa?”

Seus olhos encheram de lágrimas, não pelo prato de sopa – acompanhado de torradas, um lanche (com hambúrguer, ketchup e outros itens), arroz doce, bolo de chocolate, café, água, leite com achocolatado e suco – mas por ouvir alguém puxar assunto e se preocupar com ele.

Há muito tempo isso não acontecia.

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Do outro lado, 4 carros e 1 moto estavam parados. Uma galera andava pela rua fazendo a mesma pergunta para outras pessoas.

Cia da Rua

Uniformizados com coletes verdes, os voluntários da Cia da Rua fazem esse trabalho semanalmente. Faça chuva ou faça sol, quinta-feira é dia de percorrer a rota e esquentar, ao menos por alguns minutos, as ruas da cidade.

“A ação começou no inverno do ano passado, quando um grupo de pessoas fez sopa e foi distribuir nas ruas. Eles postaram no Facebook, nós vimos e, como fazíamos parte de uma ONG em São Paulo, achamos que dava para unir as duas coisas”, explicam Alexandre de Freitas e André Drexler, que cuidam do projeto.

Os dois foram entregar cobertores na semana seguinte e documentar para prestar contas aos doadores. Voltaram na próxima quinta-feira, e na próxima, e na próxima.

Ao fim do inverno, o grupo disse que não faria mais a ação, porém Alexandre, André e outros integrantes decidiram continuar.

Atualmente, são mais de 40 voluntários com estatuto próprio, valores, princípios e algumas regrinhas que devem ser cumpridas em cada uma das ações. Eles partem de dois pontos, do Gonzaga e da Ponta da Praia, e se encontram no Centro.

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“Nosso objetivo maior não é dar a comida, é conversar, ouvir, mostrar que alguém se importa com eles. A comida é mais um item”.

Acolhimento

Outro item obrigatório nas ações da Cia da Rua é uma pasta transparente e uma prancheta. Em uma, ficam os pedidos feitos e na outra, os já realizados que precisam ser entregues, além de um informativo com endereços de serviços como o Narcóticos Anônimos.

Na lista de solicitações, tem segunda via de documentos, fazer contato com a família, passagens de volta para a cidade natal…

cia da rua.fw

Para cada um deles, uma ficha detalha a conversa em que o pedido foi feito, os passos dados dali em diante e um relato de como o pedinte estava na semana seguinte (se havia bebido, estava melhor ou não foi encontrado, por exemplo).

Em uma das paradas, enquanto um voluntário procura roupas de frio para doar e a outra separa um punhado de ração para animais de rua, o silêncio é interrompido por uma voz que esquenta os corações da Cia da Rua.

“Boa noite, meu nome é Robson Alves. Eu só queria agradecer, amanhã às 20 horas eu vou voltar para casa. Vocês me ajudaram com os documentos há algumas semanas. Ontem eu fiz o pedido da passagem e já volto amanhã”.

Uma conversa, alguns abraços e a despedida. Antes de ir embora, ansioso pelo horário de sua partida, Robson pega uma sopa e uma sacola com lanches para comer no dia seguinte e no caminho de volta para o Sul do país.

Em toda a rota, outros moradores recebem o documento ou são informados das tentativas de contato com suas famílias. Em uma das paradas, um sorriso é comemorado.

“Uma moça, chamada Natasha, vinha aqui toda semana com eles. Um dia, ela reparou que eu não tinha os dentes e me perguntou o motivo. Eu expliquei que fui atropelado, machuquei o joelho e quebrei os dentes. Do nada, ela me perguntou se eu não gostaria de ter os dentes. Do nada mesmo, eu nem acreditei. Estão dando uma força da hora, já tem três semanas que eu tô indo ao dentista. A autoestima é outra, tá quase no topo. Vou até conseguir procurar um trabalho, com um sorrisão desses”, comemora Gildemberg Gomes, 22 anos.

Quando chegam ao ponto final, são 7 carros estacionados em uma rua deserta do centro. Alguns são apresentados, outros velhos amigos. Todos carregam a mesma energia e naquele momento especifico não faz frio, o amor da Cia da Rua esconde essa sensação.

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Todos voltam para casa sorridentes e pensativos.

Pelo caminho, deixam corações quentinhos e esperançosos de um amanhã melhor. Prometem voltar na próxima semana, recebem agradecimentos e o compromisso de serem recebidos novamente.

Ajude

Você pode acompanhar o trabalho da Cia da Rua por meio do Facebook e, assim, saber quais itens eles precisam para a ação semanal. São aceitas doações de roupa, cobertores, itens de higiene pessoal e alimentos em geral.

Você também pode participar da ação, assim como a equipe do Juicy Santos fez 🙂 Basta entrar em contato com eles e esperar uma vaga em um dos carros.

Esquentar uma noite é uma experiência indescritível. Entre sorrisos como o do Gildemberg e lágrimas de alegria iguis as do Raimundo, os tons escuros ganham uma nova forma e a cidade se transforma.

Por uma noite, eles não são vistos com descaso, mas com a importância que merecem.

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Jornalista,