Ruth, vítima da pandemia, e os 30 anos da seleção de basquete em Santos
Quando este texto é escrito, o Brasil já ultrapassou as 400 mil mortes pela pandemia de COVID-19. Entre as vidas perdidas, está a de Ruth Roberta de Souza, ex-pivô da seleção brasileira de basquete.
Ruth partiu em 13 de abril último, aos 52 anos, de complicações da doença. Estava internada desde o início do mês.
As homenagens a Ruth, da vitoriosa geração de Hortência, Paula, Janeth e companhia, me fizeram lembrar que no início dos anos 1990 a comissão técnica liderada por Maria Helena Cardoso costumava escolher Santos para a reta final de preparações rumo a torneios internacionais.
E a opção rendia frutos.
Em 1991, portanto há 30 anos, o grupo cumpriu em Santos, em julho, os últimos dias de treinamentos para os Jogos Pan-Americanos de Havana, em Cuba.
No mês seguinte, já no Pan, a seleção derrotou as donas da casa, diante de Fidel Castro, e conquistou o ouro. Entrou para a história a cena em que o presidente cubano brinca com Paula e Hortência, negando-se a entregar a medalha para as estrelas brasileiras. “Não, para vocês não, vocês anularam o nosso time”.
Desde meados dos anos 1980 a seleção de basquete liderada por Paula e Hortência já se destacava no cenário mundial. Dentro do Brasil, os campeonatos entre clubes lotavam ginásios, sobretudo no interior de São Paulo, onde estavam as principais equipes. O “Soropira” – clássico entre Sorocaba e Piracicaba – estava entre as maiores rivalidades.
Contudo, as boas apresentações não chegavam a ser coroadas com pódios internacionais. A inexperiência do time e a falta de maior força embaixo do garrafão faziam com que, nos instantes finais, o Brasil de Hortência e Paula caísse diante das superpotências.
O ouro no Pan de Havana foi, então, a primeira grande conquista daquela geração.
Como resultado de uma preparação de meses, e de uma equipe mais tarimbada e coesa (com a pivô Ruth sendo fundamental para garantir rebotes importantes), a seleção brasileira encantou as Américas naquela jornada em Cuba. Era o maior feito em duas décadas – o bronze no Mundial de 1971, em São Paulo, havia sido, até então, a grande conquista na história do basquete feminino brasileiro.
Em 1992, a técnica Maria Helena Cardoso tinha um outro mega desafio: conseguir, no Pré-Olímpico de Vigo, Espanha, uma inédita vaga para o Brasil em uma Olimpíada – no caso, a de Barcelona.
A fase de preparação incluiu treinamentos e jogos em Guarujá, Salvador, Belém. Para a reta final, na semana às vésperas do embarque para o outro lado do Atlântico, a seleção se decidiu mais uma vez por Santos.
Paula, Hortência, Janeth e companhia, entre elas a nossa guerreira do garrafão, Ruth, chegaram a Vigo cientes de que era a maior chance de suas carreiras. No entanto, sabiam também que não eram as favoritas absolutas. E o torneio confirmou o prognóstico.
Foram jogos acirradíssimos, emocionantes. Em alguns momentos a seleção parecia estar pertinho de carimbar o passaporte. Em outros, deixava a oportunidade escorrer pelas mãos. Prevaleceu a genialidade de Paula e Hortência, e o sonho foi conquistado. Vídeos no youtube trazem lances memoráveis desse feito.
O Pré-Olímpico de Vigo ocorrera em junho, e no final de julho começavam as Olimpíadas de Barcelona. E onde a seleção comandada por Maria Helena Cardoso treinou semanas antes dos Jogos? Sim, em Santos.
As partidas amistosas, geralmente realizadas contra times das categorias de base do Saldanha da Gama, Internacional de Regatas, Monte Líbano, eram abertas ao público. A galera lotava as arquibancadas do ginásio do Sesc, onde ocorreu boa parte dessas preparações em terra santista.
O carinho da torcida, a aura que a cidade emanava, por várias vezes tudo isso era exaltado pela comandante e pelas atletas daquele que foi um dos times mais encantadores da história do basquete mundial.
Ruth, que acaba de partir, foi protagonista nessa trajetória.
Depois que encerrou a carreira de jogadora, Ruth tornou-se técnica.
Treinava o time de Três Lagoas, Mato Grosso do Sul, sua terra natal.
*A coluna Santos90, dedicada a resgatar a memória da cidade e da região na década mais divertida do século XX, tem autoria de Wagner de Alcântara Aragão, em colaboração para o Juicy Santos.