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Quem foi José Bonifácio?

Se vivêssemos nos anos 1800 e eu te perguntasse “quem foi José Bonifácio?” provavelmente receberia um olhar espantado por não conhecer um dos homens mais influentes do império brasileiro e um dos mais estudiosos do mundo.

Para se ter noção, toda a família Andrada tinha poder político, formando uma verdadeira coalizão de extrema importância na história colonial do Brasil.

Mas foi Bonifácio quem teve maior destaque e se envolveu em diversos conflitos de interesse, resultando em prisões e exílio internacional. Sua trajetória é tão cheia de reviravoltas e curiosidades que não são muito divulgadas e por isso vale a pena ficar bem atentX até o final desse texto.

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O começo da vida do Bonifa

Quem foi José Bonifácio? A biografia de José Bonifácio começa em Santos, cidade onde nasceu em 1763. Já era de família abastadíssima pois seu pai era um alto funcionário da Coroa além de possuir outras atividades no  comércio, sendo dono da segunda maior fortuna de Santos na época (RYCO!). Tanto é que seu pai o enviou para estudar em São Paulo, aprendendo francês, lógica, retórica e metafísica. Ao chegar em idade universitária, mudou-se para Portugal, já que não havia qualquer tipo de curso superior no Brasil. Começou a Faculdade de Direito de Coimbra e também estudou Filosofia e Matemática.

Fissurado em conhecimento, quando se formou em 1789, saiu em viagem pela Europa para aprimorar seus estudos. Tornou-se membro da Sociedade Filomática de Paris e da Sociedade de História Natural. Um outro tema que se interessou foi a mineralogia, que renderia um título exclusivo a ele e que você vai agradecer por ele ter se interessado pelo assunto (vamos falar disso mais pra frente).

Suas descobertas ainda lhe renderam nomeações para as academias científicas em Berlim, Estocolmo, Edimburgo, Viena e Londres. Entender quem foi José Bonifácio passa pela história da ciência!

Cheio dos rolês

Durante esse mochilão desbravador, ele conheceu sua então esposa, Narcisa Emília O’Leary, com quem teve três filhas.

Bonifácio voltou a Portugal em 1800 para lecionar em Coimbra, mas sua estadia na cidade não seria tão tranquila. Oito anos mais tarde Napoleão invadiria o país, a família-real fugiria para o Brasil e um movimento de libertação contra a monarquia se instalaria.

Foi então que o estadista resolveu lutar contra os rebeldes e chegou ao cargo de tenente-coronel, mais uma vitória para o currículo do santista.

Entretanto, aqui no Brasil, seu irmão, Antonio Carlos, era preso na Revolução de Pernambuco em 1817. Dois anos mais tarde, decide, então, voltar para o Brasil.

Ilustração de José BonifácioJosé Bonifácio tem uma praça com seu nome em Santos, além do Pantheon dos Andradas (onde estão seus restos mortais).
E claro, de ser um dos personagens homenageados na Praça da Independência.

VP da província

Em meio a outra crise em Portugal, o rei D. João VI é obrigado a deixar as terras tupiniquins e retornar a Portugal, mas não sem antes decretar que fossem convocadas eleições gerais para formar juntas governativas constitucionais.

Já com capital político suficiente, José Bonifácio fica responsável por realizar a eleição constituinte da província de São Paulo. No final das contas, acabou se tornando vice-presidente da província.

São Paulo ainda não tinha a importância que tem hoje, mas já era um ótimo começo político para Bonifácio. Suas ideias sempre foram bastante progressistas para a época e já vislumbrava um Brasil independente, livre e igualitário. Pensamentos que desagradavam boa parte da elite.

Mas nem isso fez com que sua influência junto ao príncipe regente, D. Pedro, ficasse abalada. Bonifácio foi um dos grandes indutores do monarca na decisão de que não acatasse a ordem vinda de seu pai e rei de Portugal para retornar ao seu país natal.

Ele nem precisou estar ao lado do príncipe regente para persuadí-lo. Conseguiu fazer isso só enviando uma carta ao monarca.

Dia  do Fico

O episódio deu origem ao Dia do Fico (9 de janeiro de 1822) e à famosa frase: “Como é para o bem de todos e felicidade geral da nação, estou pronto: diga ao povo que fico”.

Isso fez com que o príncipe regente nomeasse Bonifácio como ministro do Reino e de Estrangeiros. Cada vez mais próximo do poder, ele articulava para que a independência do Brasil se tornasse uma realidade, um sonho antigo.

Ao mesmo tempo, um outro grupo no poder preferia que uma Constituinte fosse redigida, o que não garantiria muita liberdade ao país, mas foi o que acabou acontecendo com a aprovação da proposta por D. Pedro. A José Bonifácio só restou que propusesse medidas para que fosse o documento fosse o mais flexível possível quanto à autonomia brasileira.

Do outro lado do oceano, Portugal apertava cada vez mais o cerco, aplicando embargos de armas e enviando tropas para que a soberania do Império fosse mantido e a “rebelião” brasileira se encerrasse. Tais pressões resultaram no grito da independência à beira do rio Ipiranga.

Tretas

O problema com Portugal estava resolvido, mas era neste momento em que começam as diversas reviravoltas na vida de José Bonifácio.

A primeira foi a sua demissão do cargo de ministro por forte pressão dos membros da Assembleia Constituinte. Eles não estavam contentes com as propostas de José Bonifácio e nem o caminho que ele desejava para o Brasil, já que feria boa parte dos interesses da elite.

Apesar do golpe, ele continuou ligada à Corte, como deputado federal, e tinha seu irmão, Antonio Carlos, como um dos principais autores do texto da Constituição. Mesmo duvidando da capacidade dos que estavam liderando o projeto, Bonifácio aprovou o texto.

O que não se esperava era que conflitos políticos entre aristocratas e democratas fizessem com que Portugal se aproximasse novamente do Imperador brasileiro. Este golpe caiu direto na Constituinte, que foi dissolvida, devolvendo o poder à Portugal e prendendo os membros da Assembleia, incluindo José Bonifácio. Se não bastasse, eles ainda foram exilados para o sul da França.

Bonifácio só retornou ao Brasil em 1829, já absolvido pela justiça.

Ele ainda teve um breve retorno ao poder, quando D. Pedro foi obrigado a renunciar ao cargo em 7 de abril 1831, deixando-o como tutor de seus filhos, entre eles, D. Pedro II.

Outra conspiração, dessa vez no Senado brasileiro e em 1833, o acusou de ser conspirador, articulando para trazer de volta o antigo imperador. Ele foi condenado e preso em sua casa na Ilha de Paquetá, onde morreu em 1838, novamente absolvido das acusações.

Deu pra ver que ser José Bonifácio não foi muito fácil, né?! Ao mesmo tempo em que ele teve muito poder, também sofreu conspirações que o levaram a prisão e a uma morte isolada.

Panteão dos Andradas

Bonifácio, como eterno amante de suas raízes, ainda tinha um último desejo: voltar a Santos depois de sua morte, desejo prontamente atendido, ainda no mesmo mês.José Bonifácio e o Panteão dos Andradas

Inicialmente, seu corpo foi sepultado na capela a igreja de Nossa Senhora do Carmo, local que desejava e onde permaneceu por 30 anos. Porém, acabou sendo esquecido e não recebia o merecido respeito e atenção. Foi então que o artista circense Antônio Carlos do Carmo descobriu o túmulo e pediu autorização para instalar uma laje de mármore.

Houve o transporte dos restos mortais de José Bonifácio para um novo túmulo e as peças celebrativas e artísticas foram instaladas no que conhecemos como Panteão dos Andradas.

Recomendamos o passeio para todo santista que quiser entender melhor quem foi José Bonifácio e os irmãos Andrada.

Coalizão política

Os irmãos Andrada tinham muito poder político em suas mãos. Juntos, articulavam para alcançarem seus objetivos, sempre passando por diversas esferas do poder.

Martim Francisco Ribeiro de Andrada teve uma trajetória de vida parecida com a de Bonifácio no início da vida. Estudou em casa, depois se mudou para São Paulo e também se interessou por mineralogia, sendo responsável por uma expedição aurífera por montanhas da então capitania.

Atuou ainda como Diretor-Geral das Minas e Matas de São Paulo, foi braço direito do irmão na idealização da independência, esteve à frente do Ministério da Fazenda, trabalhou na Assembleia Constituinte e também foi preso por ser o representante do Bonifácio na corte.

Outro entusiasta da liberdade era Antônio Carlos Ribeiro de Andrada Machado e Silva, que comentamos lá em cima ter sido preso na Revolução de Pernambuco. Sua luta se deu até em terras inimigas, quando elegeu-se como deputado para a Corte de Lisboa, tentando barras medidas colonizadoras. Tudo em vão.

Também foi preso e exilado na França, após o fechamento da Constituinte. Quando voltou ao Brasil, participou ativamente do governo regencial e, posteriormente, foi eleito como senador por Pernambuco, mas acabou falecendo antes de exercer o mandato.

Crushão

Em determinados momentos chegou-se a cogitar que a Imperatriz do Brasil, mulher de D. Pedro, tinha um caso com José Bonifácio. Na realidade, existia uma admiração por parte da soberana para com o político, já que ele seria uma boa influência para o imperador, evitando que ele tomasse decisões desajustadas.

Tem quem diga que Leopoldina foi a primeira mulher a governar o Brasil. Ela tinha suas próprias armas, como ter seus desejos atendidos e ainda aconselhava D. Pedro em determinadas situações.

Empoderamento que fala, né?

Quem foi José Bonifácio e porque ele foi tão importante para a história?

Before it was cool

Essa boa influência considerada por Leopoldina se devia à inteligência e ideias que José Bonifácio tinha para o Brasil. Ele era considerado extremamente progressista para sua época. Como dissemos lá no início do texto, ele não era apenas político, também atuava na mineralogia, ecologia e meteorologia.

A sua preocupação com a preservação do meio ambiente já vinha desde àquela época. Em 1823, Bonifácio propôs o reflorestamento de um sexto das matas brasileiras.

Claro que tinha certo viés econômico por trás: a madeira era a matéria-prima na construção naval e, caso se esgotasse, poderia gerar uma crise no mercado nacional. Outra proposta de mesmo teor tinha a ver com a caça de baleias na Europa. A pesca predatória e sem controle poderia fazer com que o animal entrasse em extinção e prejudicasse a produção de combustível para lamparinas e lampiões.

No lado político, José Bonifácio desagradou diversos setores da sociedade com suas ideais. Quando teve o rompimento dos laços entre o Brasil e Portugal, lá por 1822, o então deputado federal sugeriu em projeto de lei à Assembleia Constituinte que os índios fossem integrados à sociedade e os negros libertos e ingressassem no mercado de trabalho.

Já dá para imaginar o fuzuê que essa proposta causou, né?

Mas para mostrar como esse modelo de sociedade era possível, ele já tinha aplicado este formato em suas plantações em Santos, usando apenas trabalhadores livres.

Claro que o projeto de lei não foi aprovado pela Assembleia e isso repercutiu muito mal nas camadas mais altas da sociedade, influenciando, inclusive, na sua demissão, prisão e exílio na França.

www.juicysantos.com.br - quem foi josé bonifácioPraça da Independência: um marco para turistas e santistas em homenagem aos Andradas

Descoberta de elemento químico

Se por um lado nem tudo deu certo nas idealizações e projetos de José Bonifácio, tiveram outros feitos que repercutem até hoje nas nossas vidas e não estou falando da Independência do Brasil. Em 1800, o mineralogista foi responsável pela descoberta de um elemento químico, o lítio. Os livros de história mais tradicionais obviamente não mencionam o fato, pois o Bonifa não chamou o lítio desse nome na época. Ele o chamou de petalita. Isso aconteceu em uma das suas viagens pela Europa, na ilha de Utö, na Suécia.

Os livros contam que descobridor oficial do elemento químico foi Johan August Arfwedson, quando trabalhava no laboratório de Berzelius. Mas a história é mais longa que isso. Em carta de fevereiro de 1818, Berzelius relata que o novo elemento foi descoberto pelo Sr. Arfwedson, “num mineral previamente descoberto pelo Sr. d’Andrada numa mina de Utö e por ele chamado de petalita”.

Tem três coisas importantes que devem ser pontuadas:

  1. O fato dele ter identificado um elemento, o que já faz de Bonifácio alguém importante para a história;
  2. Ele ser o único brasileiro a ter descoberto um elemento químico, mesmo após 216 anos do lítio ser reconhecido;
  3. E o uso em grande escala dessa matéria-prima nas nossas vidas em pleno século XXI.

Talvez você não saiba, mas o lítio é utilizado na fabricação de pilhas, baterias de celulares e tablets.

Então, se você está lendo esse texto em seu smartphone, agradeça a José Bonifácio.

José Bonifácio no meio de Manhattan, NYC

Já está provado por A+B que José Bonifácio não foi importante só para a história do Brasil. Exemplo disso é que Nova York tem uma estátua do político brasileiro em plena área nobre da cidade. A imagem está instalada no Bryant Park e foi um presente do governo brasileiro à cidade em 1954.

Pouca gente sabe – e até então a gente não fazia ideia da escultura homenageando José Bonifácio no meio de Manhattan, em Nova York. Nós descobrimos o fato em 2014 durante uma viagem e contamos a história sobre José Bonifácio em Nova York neste artigo. Ficamos muito felizes de ver que um santista está ali, numa das praças mais conhecidas pelos turistas que vão à Big Apple.

Estátua de José Bonifácio em Nova York

Na época a estátua foi instalada na esquina da Sexta Avenida com a Rua 42, mas com a decadência do local da Nova York dos anos 80/90, mudaram a estátua de lugar e a instalaram na quadra conhecida como Nikola Tesla. Fica localizada na avenida das Américas com a rua 40 Oeste. O novo local tornou-se ainda mais simbólico, estando na via que foi nomeada para celebrar o pan americanismo e próximo de outros símbolos hispânicos, José Martí, Simon Bolivar, Juan Pablo Duarte e Cristóvão Colombo.

Podemos não lembrarmos do Bonifa como um herói nacional como fazemos com Tiradentes, mas ele foi tão importante quanto qualquer outro personagem histórico brasileiro, indo além e se tornando referência mundial em conhecimento e inteligência.

Puro orgulho santista.

Então já sabe, na sua próxima viagem à Nova York, não deixe de visitar esse point caiçara no meio da Big Apple.


Pesquisa e texto com a contribuição de Gabriel Cruz e ilustração de Gabriel Versuti.

Ludmilla Rossi
Texto por