Luiz Buscapé: de pedreiro a fotógrafo, ele registra sua própria transformação
A história do ajudante de pedreiro em Santos que está conquistando o mundo com uma câmera no bolso
Aos 25 anos, Luiz Buscapé carrega uma câmera como quem carrega uma ferramenta de reconstrução. Não só de imagens, mas de vida. O fotógrafo e artista visual santista, que hoje movimenta as redes com seu olhar único sobre a cidade, começou sua jornada em um lugar tanto quanto improvável.
“Eu fotografava no meio das pausas para beber água, das pausas que eu pedia para fumar um cigarro”, conta Buscapé, relembrando os tempos em que trabalhava como ajudante de pedreiro.

A câmera – uma simples Cybershot – era sua companheira nas reformas, nas escadarias do morro, nas ruas que ele mesmo ajudava a renovar.
Sem romantizar as adversidades
Natural da Zona Noroeste de Santos, região historicamente marcada por enchentes e desafios estruturais, Buscapé relembra momentos dificeis de dias ainda muito recentes.
“Cresci em meio a problemas estruturais e inseguranças alimentares”, relata, com a franqueza de quem não tem medo de olhar para o passado.
Mas foi justamente nesse cenário que nasceu seu olhar artístico. Começou filmando vídeos de skate com os amigos, sem pretensão, apenas pela paixão, a arte foi se infiltrando em sua vida.
Criatividade VS Realidade
Aos 19 anos, Buscapé entrou para o mundo da construção civil. De pintura a demolição, o trabalho era duro e o reconhecimento, inexistente.
“Você é visto como peão e já era”, resume, sem romantizar a realidade.
Além do peso físico da profissão, o peso mental também se faz presente.
“Você não consegue produzir arte quando você tá mal da cabeça”, explica.
Entre turnos exaustivos e a falta de perspectiva de crescimento, a criatividade sufocava.
Mas foi justamente nesse cenário que Buscabé encontrou um propósito dentro do próprio desconforto: usar a fotografia como ferramenta de mudança. Assim, começou a documentar seu cotidiano, compartilhando nas redes sociais a dualidade de ser operário e artista. Os vídeos mostravam a quebra de pedras pela manhã e, em contraste, as exposições em galerias à noite. A vida real, sem filtro, sem glamour forçado.

O viral que mudou tudo
Foi durante uma reforma de banheiro no bairro São Bento que Buscabé teve a ideia que mudaria sua trajetória. Junto com o primo, criou um vídeo que viralizou, alcançando mais de um milhão de visualizações. Por sorte, o conteúdo chegou aos olhos certos, no momento certo: a Prefeitura de Santos precisava justamente de alguém para gerenciar produção de conteúdo e movimentos de rede.
“Desde 2023, estou nessa responsabilidade e podendo produzir mais quadros, mais da minha arte”, celebra.
A mudança permitiu que ele dedicasse tempo e energia à arte, explorando plenamente seu potencial criativo.
A estética do contraste
Ser artista vindo da periferia não é apenas uma questão de origem geográfica — é uma questão de olhar. E o olhar de Buscapé foi moldado pelas distâncias percorridas diariamente.
“Nessa época de gravar vídeo de skate, eu ia andando das áreas menos favorecidas até as que tinham alguma pista, algum acesso a isso, algum investimento nesse lazer”, conta.
Eram caminhadas que funcionavam como aulas involuntárias de sociologia urbana. Todos os dias, o mesmo trajeto revelava uma Santos múltipla, desigual, contrastante.
“Diariamente, eu vi esse contraste da cidade e das pessoas, e isso mudou bastante o meu olhar de jovem”.
Trabalhar como “peão de obra” foi, paradoxalmente, sua pós-graduação visual.
“Isso deu essa afiada no contraste para um viés mais urbano, mais arquitetônico”, analisa.
Nas reformas e construções, ele observava atentamente a arquitetura dos barracos, as construções coloniais que dividem espaço com a precariedade, os rostos cansados dos trabalhadores, os números pintados nas fachadas e, principalmente, os personagens do morro que ninguém costuma fotografar.
“Meu olhar é bastante assim, de contraste, desse encontro, dessa dança de estéticas que a gente acha no dia a dia”.
Não é sobre embelezar a pobreza ou romantizar o sofrimento – é sobre encontrar dignidade, força e beleza onde a sociedade enxerga apenas problema.
O inferno de cada dia
A força do trabalho de Buscapé está justamente nessa recusa em desviar o olhar.
“É total o reflexo de onde eu vim, do que eu vivi, de como eu tentava achar alguma beleza – e como eu acho ainda — nos infernos que a gente encontra na vida”.
São infernos plurais: os infernos aquáticos das enchentes da Zona Noroeste, quando a água suja invade casas e vidas; os infernos metálicos dos tiroteios que interrompem o cotidiano; o inferno de concreto da quebra de pedra no meio do morro, sob o sol, pela diária que mal paga o aluguel. Sendo essa realidade da maioria, é dificil — mas não impossível — encontrar essa tal beleza.
Mas Buscabé não fotografa apenas o inferno – na verdade, fotografa as pessoas que o habitam e que, mesmo assim, sorriem, resistem, existem. Sua câmera não explora a dor alheia; ao contrário, ela testemunha a resiliência, documenta a vida que insiste em pulsar mesmo quando tudo parece conspirar contra.

É justamente dessa tensão que nasce sua arte: não das dificuldades, mas da humanidade que persiste apesar dela. É o olhar de quem viveu por dentro, não de quem passou de carro com vidro fechado.
De Santos para o mundo
Hoje, o trabalho de Buscabé transcende os limites da Baixada Santista. Suas fotografias já foram expostas em galerias, seus quadros vendidos, e suas obras viajam para fora do Brasil. Ele fotografa desde moradores da Zona Noroeste até autoridades municipais, sempre com o mesmo olhar sensível e autêntico – aquele que se formou nas caminhadas diárias, nos canteiros de obra e nas enchentes documentadas.
“Eu já vendi quadro para a Suíça, tô com um embrulhado aqui do lado que tem que enviar pra fora do Brasil”, conta, ainda processando a dimensão de sua própria transformação.
Futuro
A história de Luiz Buscabé não é sobre vitimização ou lamento. Pelo contrário, é sobre visão. Sobre acreditar que a arte pode ser uma ferramenta de mudança real, que o olhar sensível pode transformar dor em potência e que a periferia tem histórias tão poderosas quanto qualquer centro.
“Isso tá só começando”, avisa o fotógrafo, com a confiança de quem conhece o valor do próprio caminho.
Siga o Luiz Buscapé em @buscape.jpeg no Instagram para acompanhar o dia a dia desse santista que está redefinindo o que significa ser um artista em ascenção.