O futuro do Escolástica Rosa
Um turista desavisado que passa pela nossa avenida da praia certamente deve estranhar: como um complexo arquitetônico tão incrível como o Escolástica Rosa pode estar abandonado? A localização é maravilhosa, a arquitetura idem, mas o prédio vira mais um exemplo de como tratamos o patrimônio público. O prédio está fechado desde meados de 2018 e mesmo durante a sua ocupação, a manutenção não era primorosa. Lembro que estive lá para uma conversa com jovens em junho de 2018. Ao mesmo tempo que a beleza do local me impressionou, a condição de algumas partes do complexo era simplesmente triste.
Alguns anos após seu fechamento, em 2025, discute-se seu futuro. No dia 26 de março aconteceu uma audiência pública para discutir o melhor destino do Escolástica Rosa. E discutir o destino é falar sobre o futuro de uma história de uma das instituições de ensino mais tradicionais de Santos, que começa em 1º de janeiro de 1908. O Instituto Dona Escolástica Rosa foi idealizado por João Octávio dos Santos, com foco em abrigar meninos em situação de vulnerabilidade social, oferecendo educação e formação profissionalizante.
Escolástica Rosa em 1943 – Santos/SP
Atualmente o imóvel pertence à Santa Casa de Santos, que em tese seria a responsável pela manutenção e restauro. O imóvel é tombado pelo Conselho de Defesa do Patrimônio Cultural de Santos (CONDEPASA) desde 1992 e pelo Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico do Estado de São Paulo (CONDEPHAAT) em 2013. Em 2019, o telhado de um dos prédios do complexo desabou após uma forte chuva, criando um cenário desolador.
Escolástica Rosa: a audiência pública que pautou seu futuro
Na audiência pública foram pautados três caminhos:
- Restaurar o prédio sem ter um uso indefinido
- Implantar ali um colégio militar
- Implantar um Instituto Federal
A primeira proposta vem através do projeto de restauro de Gustavo Nunes, arquiteto, que visa “retomar as características principais do conjunto arquitetônico, incluindo fachada, vãos, volumetria, telhados, adornos e coloração”. No entanto, a destinação futura do imóvel após o restauro é o principal ponto de debate. O ponto de restaurar antes de saber a real ocupação do imóvel, não é a metodologia do restauro adequada quando pensamos nos princípios ligados à restauração do patrimônio histórico.
Projeto de restauro se faz depois da definição do uso e de seu respectivo programa arquitetonico, que obviamente estará sob as diretrizes do restauro. Ou seja: se o projeto de restauro já está pronto é porque o uso especifico e seu programa de necessidades também está. – diz Jaqueline Fernández Alves, arquiteta e urbanista, especializada no setor de patrimônio.
A implantação de um Colégio Militar estadual é uma proposta mencionada pelo vereador Alisson Sales, com apoio do deputado estadual Tenente Coimbra e da deputada federal Rosana Valle. A ideia gerou discussões acaloradas na audiência, com defensores argumentando que seria uma forma de revitalizar o espaço e oferecer uma opção de ensino, enquanto críticos levantaram preocupações sobre a natureza da educação militarizada e a prioridade de recursos públicos. Diversas manifestações e interrupções aconteceram durante a audência pública, por estudantes que se opõe à proposta do colégio militar e defendem uma instituição pública federal. Alguns participantes da audiência criticaram o governo estadual pelo abandono do imóvel durante o período em que o utilizou como escola.
O vereador Rui Lázaro também se mostrou favorável à proposta do Colégio Militar, argumentando que seria uma forma concreta de dar um futuro ao imóvel, considerando os altos custos de restauro e a dificuldade da Santa Casa em arcar com eles. A responsabilidade pela manutenção e restauro recai sobre a instituição, que alega não possuir os recursos necessários.
Já a vereadora Débora Camilo e outros participantes da audiência defenderam a destinação do Escolástica Rosa para a instalação de um Instituto Federal de Educação. Eles argumentaram que a região necessita de cursos técnicos e que essa seria uma forma de atender ao interesse público e à vocação educacional do local, mencionando inclusive a disponibilidade de recursos federais (PAC). De fato, Débora tem um ponto: o primeiro regulamento interno do passado do Escolástica Rosa destaca a organização da vida dos alunos, incluindo vestuário, disciplina e currículo. A menção a ofícios como vidraçaria, arte de cabeleireiro, arte culinária e serviços domésticos (copeiragem) sugere uma formação profissionalizante e técnica. Trazer cursos técnicos para o local, seria uma forma de respeitar o legado daquele espaço da cidade.
“Eu penso que essa é uma oportunidade que nós temos, até porque a informação que eu tenho é que já há o PAC liberado para isso. Penso que isso pode ser uma negociação com o Governo Federal, porque a nossa região necessita de institutos. A gente precisa de cursos técnicos, que infelizmente a gente foi perdendo com o decorrer do tempo”. – diz a vereadora Débora Camilo
Professores presentes na audiência também criticaram a proposta do colégio militar, defendendo uma escola pública, gratuita, democrática, inclusiva e laica, e sugerindo que o governo federal assumisse o imóvel para instalar um Instituto Federal. A audiência pública foi interrompida pouco após a fala de Márcia Rosa, ex-prefeita de Cubatão. Os presentes alegaram que a ex-prefeita saiu e “quebrou a porta”.
E agora?
Apesar do consenso sobre a importância de preservar o patrimônio, o futuro desse importante pedaço da nossa cidade permanece indefinido, dependendo da mobilização de recursos e de um acordo sobre sua nova finalidade. Mas além disso, é fundamental pensarmos em uma visão: qual cidade queremos? Como esse lugar, criado com sementes de generosidade e regado à história, pode ser indutor desse futuro?
O início da história daquele prédio é sobre juventudes, sobre novos caminhos para o futuro. Santos, definitivamente, precisa olhar para esse lugar.