Dois pais, dois filhos e um amor que transforma
Casados desde 2022, Carlos e Wilson formaram uma família que derruba preconceitos e transforma o mundo dando visibilidade para pais homoafetivos.
Ser pai vai muito além de passar os genes adiante. Afinal, paternidade é criar vínculo, seja ele biológico ou não. É ensinar, cuidar, proteger e amar.
Amor, aliás, é o que não falta para Ian e Gael, os irmãos gêmeos que mudaram tudo na vida de Carlos Silva e Wilson Nunes. Eles não só transformaram o casamento, como também deram um novo propósito à vida dos dois.

Casados desde 2022, Carlos e Wilson moram em Santos e são pais de primeira viagem há três anos. Juntos, eles formam uma família que quebra padrões, desafia preconceitos e inspira milhares de pessoas, tanto dentro quanto fora das redes sociais.
No perfil @2pais2bes, compartilham a rotina com os filhos e mostram, com afeto e presença, que o mais importante em uma família é, sem dúvida, o amor.
Como tudo começou
A história de amor começou em 2018, em um churrasco da faculdade.
“Trocamos mensagem, nos encontramos. Com um mês, a gente já estava morando juntos em São Vicente”, conta Wilson.
Pouco tempo depois, o casal se mudou para Santos, escolhida estrategicamente por ficar entre as casas das duas famílias.
Rapidamente, começaram a trabalhar juntos e até abriram uma empresa. Foi nessa construção de vida em comum que a semente da paternidade foi plantada por Carlos
“Uma das nossas conversas no nosso primeiro encontro foi sobre crianças. Já estava colocando a ideia na cabeça do Wilson.”
O sonho que nasceu antes da relação
Carlos Silva, empresário de 39 anos, sempre sonhou em ser pai. Criado apenas pela mãe após a morte precoce do pai, Carlos carregava uma pergunta constante: como seria ter um pai presente?
Antes mesmo de conhecer Wilson, Carlos já havia tentado a adoção. Ficou cinco anos na fila e conheceu algumas crianças, sem conseguir finalizar o processo. Para ele, assumir-se gay trouxe uma reflexão profunda.
“O que que vai ser da minha vida? Porque o gay é sozinho, o gay não tem família, o gay não casa, o gay não tem filho. Eu vou estar sozinho no mundo quando minha família morrer. Não, não quero. Então, quero um filho”.
Já Wilson Nunes, também empresário, com 35 anos, tinha uma perspectiva diferente.
“Essa vontade de ser pai sempre existe em todo mundo, mas esse sonho sempre foi muito distante por eu ser gay, por eu não achar uma forma tão simples de ser pai”.
E aí chegaram os gêmeos…
O processo de busca pela paternidade, no entanto, foi inicialmente desencorajador. Carlos pesquisou opções internacionais de reprodução assistida e encontrou valores astronômicos.
“O procedimento mais barato que eu achei na época custava R$ 450 mil e teríamos que ir quatro vezes ao ano para a Indonésia.”
Mas tudo mudou com a descoberta do Dr. Condesmar Marcondes, médico especialista em reprodução assistida em Santos. Ele, inclusive, é uma referência nacional na área e já ajudou milhares de pessoas em seus atendimentos.
“Ele nos acolheu e explicou que no Brasil é permitida a barriga solidária, em que a gente poderia usar o útero de pessoas conhecidas”, conta Wilson.
Foi então que a prima de Carlos se ofereceu para ajudar o casal a realizar o sonho. O processo escolhido foi a fertilização in vitro, com um detalhe especial: os gêmeos carregam o material genético de cada um deles.

O chá revelação aconteceu de surpresa no casamento dos dois, que mal curtiram o período de casados sozinhos.
“Nos casamos em março de 2022 e os nossos filhos nasceram em junho.”
A paternidade é uma montanha-russa
Virar pai foi, de fato, um processo radical.
“Existe um Wilson antes de ser pai e um Wilson depois de ser pai.”
O casal conta que todo dia é uma nova descoberta, tanto sobre seus filhos quanto sobre si mesmos.
A chegada dos gêmeos criou um novo senso de responsabilidade nos dois.
“Quando nasce um filho, nasce um pai. Também nasce o afeto, nasce o amor, nasce principalmente o medo. Costumo dizer que somos 4 patetas aprendendo a viver”, conta Carlos.
Esse medo, segundo eles, se manifesta de formas inesperadas, com preocupações sobre sua própria sobrevivência. Afinal, eles têm dois filhos que dependem deles.
Além do medo e dos estresses repentinos, a paternidade também traz beleza nas coisas simples.
“Quando você está com o seu filho e ele fala que te ama, te abraça. Isso dá muito valor para a gente e é muito caro”, explica Wilson.
Viver sem medo
A paternidade homoafetiva também carrega desafios que vão muito além das dificuldades comuns a qualquer família. Carlos e Wilson enfrentam preconceitos que atravessam questões de identidade, raça e estrutura familiar.
Portanto, criar os filhos em um mundo que nem sempre é acolhedor exige preparo emocional redobrado.
“A gente precisa educar mil vezes mais do que qualquer casal hétero. Temos que dar força e armadura pra eles. Mostrar que eles não são feios porque o cabelo não é liso, porque a pele não é clara ou porque a família não é aquela que a sociedade chama de ‘normal’”, reforça Wilson.
Para Carlos, culturalmente é mais fácil para o mundo aceitar uma mãe solteira com três filhos abandonados pelos pais do que dois homens assumindo a criação.
“A sociedade ensina o homem a não cuidar nem de si. Ensina que quem cuida é a mulher. Por isso, o homem que escolhe exercer uma paternidade real, que dá banho, cuida, educa e participa ativamente, ainda causa surpresa”.
Cidade conservadora
Viver em Santos, cidade que o casal escolheu como lar, também traz desafios que já não cabem nos dias atuais.
“Santos é uma cidade extremamente conservadora. E essa é mais uma das dificuldades. A gente não anda de mão dada, nem demonstra afeto na rua para nossa segurança.”
E o fato de serem dois pais também gera situações desconfortáveis. Um dos casos foi em um restaurante, em que um dos filhos estava chorando, o que fez uma garçonete dizer “me dá ele aqui para acalmar”.
“Ela não falaria isso para uma mãe, mas fez isso porque eram dois pais. Naquele momento, percebemos que isso ia acontecer com frequência.”
Mesmo assim, eles não se deixam intimidar.
“Não temos medo de morar em Santos, apesar de ser conservadora, mas temos receios. Não vamos dar a oportunidade de algum homofóbico chegar até a gente.”
Felizmente, Carlos e Wilson não estão sozinhos nessa jornada.
“Temos a vovó Ivone, que nos ajuda muito. Não seria possível criar as crianças sem ela.”
Representatividade que transforma
O perfil do Instagram, que começou como um registro pessoal, virou uma poderosa ferramenta de representatividade.
“A gente começou por acaso. Criamos uma rede social de casal. Postamos o vídeo do nosso casamento e viralizou, foram 10 milhões de visualizações”, conta Wilson.
Hoje, o Instagram do casal é mais que entretenimento. É uma vitrine da vida da família, mostrando a realidade do dia a dia, com altos e baixos.
O impacto vai além do entretenimento. Uma história especial marcou a importância de se ver na tela. Uma seguidora de Manaus, que havia rompido com o filho gay havia 32 anos, se reconciliou após acompanhar o casal no Instagram.
“Ela voltou a falar com o filho dela, pediu perdão e voltaram a se falar. Isso nos fez entender nosso papel na sociedade. Estamos também fazendo um trabalho social.”
Lição de coragem
Em uma sociedade que ainda questiona diferentes configurações familiares, Carlos e Wilson provam diariamente que o amor não tem forma única.
Ian e Gael têm muito mais que dois pais: têm dois exemplos de que o amor verdadeiro constrói famílias, derruba preconceitos e transforma o mundo. Um abraço de cada vez.