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De dono de senzala a quilombola: rua de Santos vira exemplo de reparação histórica

A história de uma cidade não se escreve só nos livros, mas também nas suas ruas. E Santos faz, aos poucos, um processo de reparação histórica e reconhecimento da identidade de seu povo que ecoa muito além das construções e placas. A antes chamada Travessa Comendador Netto, que fica no coração do Centro Histórico, agora leva o nome de Travessa Anísio José da Costa.

Mas e por que essa mudança significa tanto? Anísio, um angolano que viveu a crueldade da escravidão e se tornou um símbolo de resistência e longevidade na cidade, dá nome à via que homenageou, por anos e anos, um escravocrata.

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Como era Santos na época da abolição?

Em 1799, pessoas escravizadas representavam quase 50% da população da Vila de Santos. Eles eram 3.403 habitantes, sendo cerca de 1.600 de pessoas escravizadas. Autoridades como José Bonifácio e Xavier Pinheiro, por exemplo, foram donos de escravos. Mas pouco se fala disso em detrimento do seu papel na “luta” pela liberdade.

A população negra sai no século XIX sai da escravidão para a exclusão social. Na virada do século para o XX, a cidade cresceu e empurrou a população negra para as periferias e morros.

Foi nessa Santos em que começou a jornada de Anísio José da Costa.

Como a reparação história mudou o nome de uma rua do Centro Histórico de Santos?

A primeira vez que ouvimos o caso de Anísio foi pela voz de Augusta França, guia de afroturismo em Santos e responsável pelo projeto Mochilando Afroculturas.

A antiga denominação da rua, uma travessa da Rua do Comércio que vai até a avenida portuária e fica ao lado do Museu Pelé, homenageava Manoel Joaquim Ferreira Netto, ou Comendador Netto. Comerciante e construtor local, ele construiu e residiu na famosa Casa da Frontaria Azulejada. E enriqueceu através do tráfico de africanos escravizados como proprietário de uma senzala na qual mantinha cerca de 217 pessoas cativas.

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Em contrapartida, Anísio José da Costa personifica a força e a resiliência do povo negro. Nascido em Angola entre 1829 e 1830, chegou a Santos em um navio negreiro capturado e vendido como escravizado. Sofreu as agruras do trabalho nas fazendas de café no interior e na capital, até conseguir fugir e encontrar refúgio no Quilombo do Jabaquara, em Santos.

Após a abolição, Anísio trabalhou como ensacador e carregador no Porto de Santos. Viveu até os 110 anos de idade, falecendo em 1940. Sua vitalidade era tamanha que o conheciam como “macróbio”. Aos 90 anos, ainda constituiu família, tendo sete filhos.

Helena, um delas, inclusive, é a última descendente de um escravizado ainda viva no Brasil (em 2025).

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Depois de um projeto de lei de Débora Camilo (PSOL), apresentado em setembro de 2024, a alteração passou por audiência pública no mesmo mês. A oficialização aconteceu pela Lei 4.543 e representa um marco na luta por justiça e reconhecimento da história afrobrasileira em Santos.

Nomes que deixaram marcas

A mudança do nome da rua representa muito mais do que uma simples troca de placas. Ela carrega uma profunda importância simbólica, especialmente por estar no coração do Centro Histórico de Santos. Um local cheio de marcas e que ainda não conseguiu olhar para o futuro de maneira inovadora, inclusiva e criativa.

Ao substituir o nome de um escravizador pelo de um ex-escravizado que resistiu e construiu sua vida no território, a comunidade manda uma forte mensagem sobre resistência e origens. Reconhecemos o sofrimento imposto pela escravidão e honramos aqueles que lutaram contra ela.

Não é só uma placa. É transformar um passado doloroso em uma marca de liberdade, combate ao racismo e desejo de luta por justiça social.

Quer saber mais sobre a história da população negra em Santos?

Assista ao episódio do podcast do Juicy Santos em que entrevistamos Augusta França e entenda a importância dessa reparação histórica: