Texto porLuiz Gomes Otero

O resgate de Taiguara

Uma ótima notícia para os fãs do cantor e compositor Taiguara. O disco Ymira, Tayra, Ipy, que havia sido censurado pelo Governo Federal na época da produção (1976), foi relançado neste ano no mercado brasileiro pela Gravadora Kuarup.

A obra reúne composições feitas na época pelo artista, que contou com o apoio de músicos experientes, como Hermeto Paschoal, Toninho Horta, Wagner Tiso, Nivaldo Ornelas e Zé Eduardo Nazário, entre outros.

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Revelado nos festivais de música dos anos 60, Taiguara logo se mostrou um excelente intérprete (seu primeiro disco tem comentário elogioso de Edu Lobo) e um compositor de mão cheia (a canção “Hoje” é uma das mais representativas do final dos anos 60).

Mas tanta luz em sua obra acabou incomodando o Governo Militar.

Ele teve mais de 100 canções vetadas pelos censores. Todo esse clima de perseguição resultou em um auto-exílio voluntário na Inglaterra, onde aperfeiçoou seus conhecimentos, antes de gravar o Ymira, Tayra, Ipy.

Trata-se de um álbum conceitual, com começo, meio e fim. Uma obra-prima musical, para ser mais exato. Tem exaltação a terra natal, canções com ritmos tradicionais e outros sons mais experimentais, com diversas mensagens metafóricas que provocavam o Governo na época.

É, seguramente, um de seus melhores trabalhos, que representava o desejo de explorar novos horizontes musicais, ao invés de se acomodar com os antigos hits nos shows.

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O fato é que o disco foi lançado e, 72 horas depois, foi retirado das prateleiras das lojas por determinação do Governo Militar. O veto da censura provocou um profundo desgosto em Taiguara, que se afastaria novamente do Brasil, desta vez, partindo para explorar a cultura da África e de outros países da Europa – justamente no seu período criativo musical mais fértil. Seu novo retorno ao País aconteceu nos anos 80, mas já sem aquela aura de inventividade musical e mais afastado da mídia. Ele faleceria em 1996, vitimado por um câncer na bexiga.

Nesse período final da carreira, Taiguara chegou a se apresentar algumas vezes em Santos. Eu consegui conferir dois de seus shows, sendo um deles com banda no Ginásio da Associação Atlética dos Portuários. A outra foi uma apresentação mais intimista no Teatro do Sesc. Nos dois shows, a interpretação das velhas canções foram impecáveis. Me lembro de a canção Hoje ter sido aplaudida de pé pelo público do Sesc. E alguns dos presentes nem eram nascidos na época em que a canção foi lançada.

Com esse lançamento, a Gravadora Kuarup conseguiu saldar uma dívida que a indústria fonográfica e a censura federal tinham para com a obra do artista.

A Kuarup assinou contrato com os herdeiros de Taiguara para realizar a curadoria de sua obra. O trabalho envolve a edição das músicas do artista que não possuem editora, diversas canções inéditas, lançamento de novos discos, relançamento de álbuns fora de catálogo, documentário, shows para a TV e livro sobre a guerra que o compositor travou contra a censura. É bom poder constatar que o resgate da obra de Taiguara está apenas começando. Quem agradece são os amantes da boa música brasileira.