Texto porJoão Freitas

Abandono afetivo: quem cresce sem pai pode pedir indenização?

O abandono afetivo dos filhos, também chamado de abandono paterno-filial ou teoria do desamor,  ocorre quando os pais da criança (um ou os dois) não cumprem o dever, previsto na constituição, de garantir, com absoluta prioridade, o direito ao respeito, convivência familiar e cuidado.

Aos 19 anos de idade, Marco Aurélio, em pleno vigor da sua juventude, passou um final de semana de férias, no litoral norte de São Paulo, com a sua namorada Célia e um casal de amigos.

Foi um lindo e romântico final de semana, o qual terminou após algumas semanas.

Marco Aurélio, após o término do namoro, manteve sua vida, inclusive ingressando no Serviço Público.

Após alguns meses, recebeu a visita de Célia, sua ex-namorada, que informava que estava grávida, deixando seu contato.

Ele tentou auxiliá-la. Mas, após algumas tentativas de contato, ela sumiu sem qualquer rastro.

www.juicysantos.com.br - abandono afetivo

Anos mais tarde…

Marco, já com aproximadamente 40 anos, casado e com dois filhos, foi procurado pelo filho fruto daquele final de semana no litoral, já com mais de 18 anos. O rapaz, que nunca teve oportunidade de conhecê-lo, solicitava que o pai reconhecesse sua paternidade.

Ele prontamente o reconheceu, através de um processo judicial. Ajudou o filho com uma quantia em dinheiro. E, o filho, também casado e de poucas posses, solicitou que seu pai, sustentasse seus filhos, ora seus netos.

Marco Aurélio percebeu que seu filho era dependente químico e apenas estava tentando utilizar-se da sua condição financeira estável para adquirir drogas. Por esse motivo, não deu ao filho qualquer valor em espécie, mas ofereceu um tratamento para dependentes químicos. Infelizmente, o filho não aceitou.

O que nos leva à seguinte situação

Após esse último encontro, passados mais alguns anos, o filho ingressou com uma ação de indenização por danos morais por abandono afetivo, requerendo o valor de R$ 200.000,00.

Ele buscava a compensação econômica, alegando ter sofrido danos morais ao longo da infância e da juventude com o abandono.

O reconhecimento do dano moral por abandono afetivo é uma situação excepcional. Por isso, é preciso muita cautela do juiz na análise dos requisitos necessários à responsabilidade civil. É preciso evitar que o Poder Judiciário seja transformado numa indústria indenizatória.

O filho, em seu pedido, alegou ter nascido de um relacionamento extraconjugal e só foi registrado após vários anos de vida, mediante ação judicial de reconhecimento de paternidade. Declarou ter recebido tratamento diferente em relação aos filhos do casamento do pai. Notavelmente, afirmou que ele nunca o procurou.

Também relatava que o desprezo do pai pela sua existência havia lhe causado dor, baixa autoestima, depressão, péssimo desempenho escolar e déficit de atenção.

www.juicysantos.com.br - abandono afetivo

O abandono afetivo e o dever de indenizar

Marco Aurélio contestou a ação, dizendo que tentou ajudar o filho, afirmou ainda que nunca se negou a fazer o DNA, o que inclusive foi feito por ação judicial e também nunca pagou pensão alimentícia por não saber o paradeiro do seu filho.

Disse que apenas não foi procurado e ainda que a indenização só seria cabível se fosse comprovado que ele nunca quis reconhecer que era o pai do menino. E, na opinião dele, isso nunca aconteceu.

O juiz reconheceu que a doutrina especializada, com base nos princípios da dignidade da pessoa humana, da afetividade e da proteção integral da criança e do adolescente, é quase unânime no sentido de reconhecer que a ausência do dever legal de manter a convivência familiar pode causar danos a ponto de comprometer o desenvolvimento pleno e saudável do filho, razão pela qual o pai omisso deve indenizar o mal causado. Ele destacou, entretanto, a ausência de lei no Brasil sobre o tema.

www.juicysantos.com.br - abandono afetivo

Consequências e provas

Todavia, o juiz informou que no caso presente o ideal seria um contato maior entre pai e filho, e que, ainda, o filho não conseguiu comprovar a relação entre a conduta do pai e os danos por ele alegados.

O juiz falou, ainda, sobre a falta de um laudo psicossocial que, em sua opinião, seria uma prova importante de que realmente houve omissão do pai e que isso provocou abalos psicológicos ao filho. Os relatórios médicos  apresentados pelo filho, segundo o magistrado, em nenhum momento associaram os alegados distúrbios emocionais e atual  dependência química, à ausência da figura paterna e, o dano, sozinho, não causa a responsabilidade civil.

Além disso, a ausência de afetividade no ambiente familiar, normalmente, não configura dano a ser reparado por meio de indenização em dinheiro.

O distanciamento físico entre pai e filho não configura, por si só, o ilícito indenizante. 

Não há obrigatoriedade de sentimentos que vinculem pai e filho. E não existe lei que gere tal dever, uma vez que afeto é sentimento imensurável materialmente.

O dever de sustentar financeiramente o filho pode ser proposto por meio de ação de alimentos, desde que concreta a necessidade do auxílio material, o que não aconteceu à época.

Por fim, sustentou o juiz, que o fato de Marco Aurélio ter adquirido bens em nome de outros filhos não caracteriza abandono afetivo e material, pois ainda fica ressalvada a possibilidade do filho de Marco buscar a proteção de seus direitos sucessórios, após a morte do seu pai.

De qualquer modo, a ação movida pelo filho ao pai Marco Aurélio foi julgada improcedente, ou seja, o filho perdeu a ação. Inconformado com a sentença, seu filho recorreu ao Tribunal, que também, confirmou a sentença de primeiro grau, negando seu recurso.

Posicionamento

Meu posicionamento como jurista é no sentido de o pedido de indenização ser deferido, ESPECIALMENTE, se houver um dano psíquico que ocasionou o dano moral, a ser demonstrado por prova psicanalítica.

Do contrário, tenho notado que a maioria das sentenças, na referida reparação civil por abandono afetivo, concluem pela inexistência de culpa do pai em casos iguais, notadamente, pela falta de prova do dano alegado pelo filho.

Deste modo, sugiro que os pedidos de indenização por abandono afetivo sejam bem formulados, com a realização de prova psicossocial do dano suportado pelo filho, além de provas testemunhais.

Além disso, mediante vários julgados de nossos Tribunais, há a possibilidade de afastamento do pedido de indenização com base na existência de prescrição da ação, contados três anos a partir da maioridade do filho.

Apesar do avanço do Poder Judiciário em relação ao assunto, ainda há espaço para progresso, já que – até o presente momento – a indenização só é concedida quando o dano pode ser verificado e comprovado. Esse posicionamento, de certa forma, é limitado, na medida que o principal objetivo seria evitar o dano para não ter que repará-lo por meio de um processo.

Por fim, vale lembrar que “amar é faculdade; cuidar é dever”.