Travessia
Pessoal, chegou a hora.
Temos que encarar esse mar agitado. Eu também fico com medo, muito medo, das ondas gigantes, do risco não chegar ao outro lado, nem dá pra enxergar nada a terra lá, tão longe. Mas não tem outra alternativa.
Olhem pra trás.
Viram?
Eles estão cada vez mais perto.
Se atravessarmos, podemos morrer. Se a gente ficar, a morte é certa. Sem chance, questão de tempo.
Não sei vocês, mas prefiro lutar pela vida do que me entregar assim, de bandeja.
Não temos a mínima chance contra eles.
Não cheguei aqui pra ver cada um de nós ser assim, exterminado, se rendendo passivamente.
Priorizem os coletes salva-vidas pra quem não sabe nadar. Sejam honestos, pensem no coletivo. Por favor.
Os mais fracos, sem coordenação pra mexer braços e pernas, para flutuar na água e puxar uns aos outros, precisam da colaboração de cada um de nós. Seria muito cretino usar o colete e deixar quem mais precisa se afogar nos primeiros metros da travessia.
É impossível saber quem vai chegar até o outro lado. Uns vão sucumbir na metade do caminho, outros não resistirão às cãibras entre uma braçada e outra, haverá quem perca o fôlego antes de pisar em terra. Não saberemos quem terá boa ou má sorte sem tentar, sem arriscar.
É o jeito, é a vida.
Paciência.
Não estou preocupado em como serão as coisas do outro lado. Só quero chegar lá, com vocês, com o máximo de vocês. Se fosse possível, com todos vocês. Daqui pra frente, pouco me importam as picuinhas, os desentendimentos, prejuízos financeiros, ganância e falta de caráter, canalhices que destruíram amizades e famílias, filhos da puta que me tiraram o sono em noites eternas.
Só me importa chegar lá, do outro lado.
Os bons nadadores precisam ter consciência, precisamos de suas braçadas fortes e pernas batendo na água. Eu errei, nós erramos esse tempo todo. E seguiremos errando depois, não se enganem.
Quando a travessia terminar, pensamos no que fazer, em como será, nas formas de secar o corpo para impedir a hipotermia e outras complicações da friagem do mar desconhecido.
Nem adianta perguntar. A travessia pode ser demorada, mais demorada, ou muito mais que demorada. Não esperem facilidades. Ninguém precisa se jogar na água assim, de repente, há mais de 100 anos. Nem o maior campeão de maratonas aquáticas é capaz de dizer com precisão o potencial de estrago que essa água vai nos causar.
Bem, falei demais. Eles estão cada vez mais perto. Seja o que Deus quiser. Vou pular. Nos vemos em terra, do outro lado, mais fortes, talvez mais sábios.