Texto porSuzane G. Frutuoso

Deuses, demônios e uma existência com sentido

Não sei quando exatamente, nem como. Mas, um dia do ano passado, me reconheci agnóstica. Teísta. Palavras difíceis, hã? Eu sei. Explico, vamos lá.

No agnosticismo, não se tem certeza absoluta se deuses existem ou não. Diferente do ateísmo, que nega completamente a existência de Deus.

Afinal, qual é a diferença entre ateu e agnóstico?

O agnóstico acha impossível constatar se divindades estão por aí, olhando por nós. Ou acredita até que a resposta pode ser descoberta um dia, talvez. Anda, porém, longe de ser descortinada. E alguns agnósticos simplesmente entendem que saber ou não saber não importa nem um pouco no momento.

O agnóstico teísta (como eu, no caso) é aquele que acredita que existe algo, uma força maior, que de fato afeta a brincadeira aqui na Terra. Não necessariamente Deus, muito menos o com cara de surfista australiano de barba, loirão e olhos azuis.

Pode ser um Deus negro, uma Deusa, uma luz, um poder, uma consciência expandida. Não sei bem, enfim, algo que se faz presente de alguma maneira.

Crença e caráter

O que eu realmente sei é que professar espiritualidade ou religião, se dizer crente e seguidor de crenças, não determina o caráter das pessoas. Por exemplo, todos os meus amigos que se reconhecem ateus fazem muito mais pela sociedade, suas comunidades e quem os cerca do que gente que se diz fervorosa dessa ou daquela igreja, entidade, instituição.

Gente que faz o bem não porque quer garantir entrada no céu e se imagina com uma espada no pescoço para “andar na linha”. Que precisa de “salvação”. Mas porque entende como sendo o correto, em um mundo tão desequilibrado e desigual, fazer a sua parte. Porque não considera justo ter quem sofra, das mais diversas formas, e é preciso mudar isso. Nem que seja em baby steps.

Tenho amigos de todas as religiões. E, de novo, assim como os ateus, a ética em suas vidas não está atrelada a uma crença divina. Mas a uma crença terrena mesmo de que do jeito que tá não pode ficar. Há muito por realizar e não dá pra esperar parado nem manter posturas como “eu pago meus impostos, já estou fazendo a minha parte”. Não está. Conversa de preguiçoso egoísta.

Bem contra o mal?

Ser agnóstica me ajuda a entender também que precisa ver bem esse negócio de vilão da história aí, no qual tem muito bom mocismo forjado em sentimentos nada evoluídos. Acaba sendo mais fácil demonizar o outro do que assumir seus próprios demônios e suas consequências.

Aliás, já assistiram a série Lucifer, na Netflix? Uma excelente e inteligente metáfora de como o Diabo foi considerado a encarnação do mal ao longo dos tempos, mas que ele é também um anjo que se rebelou depois de cansar de umas manipulações (não vou contar muito para não dar spoiler, claro).

Seja qual for a sua fé, ou não fé, não parece fazer sentido estarmos aqui durante anos de uma existência sem sermos capazes de olhar para o lado e estender a mão. Não porque ganharemos algo em troca. Não porque somos perfeitos – longe disso. Mas porque é preciso enxergar além de nós mesmos. Porque enxergar apenas a nós mesmos torna essa existência miserável demais.

E não, nenhum problema não ter certeza da divindade e recorrer a um lugar que nos traz acolhimento. É o que acontece quando algo não vai bem e entro em uma igreja católica. Vazia, em silêncio, para conversar com… Bem, quem ou o que estiver ali para me ajudar a refletir. Me ajudar a ser melhor. Não porque me preocupa o que os outros vão pensar. Mas para superar os desafios e levantar quem se encontra em dores maiores.

Se Deus existe, em toda sua força, é disso que Ele sente orgulho de verdade.

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Suzane é santista e cofundadora da plataforma Mulheres Ágeis e da consultoria ComunicaMAG. É jornalista, mestre em sociologia, professora e escritora. É autora do livro “Tem Dia Que Dói – mas não precisa doer todo dia e nem o dia todo”. Mãe orgulhosa da vira-latinha Charlotte.