De Praia Grande para o mundo: Nathan Torquato, primeiro campeão paralímpico de parataekwondo
Nascido em Praia Grande e representando Santos pela Fupes, Nathan escreveu seu nome na história ao conquistar o primeiro ouro paralímpico da modalidade em Tóquio 2021
Aos 24 anos, Nathan Torquato carrega um título que ninguém mais poderá reivindicar: o de primeiro campeão paralímpico de parataekwondo da história.
Foto: Alessandra Cabral/CPB/PhotoSportsNascido em Praia Grande e representando Santos pela Fupes (Fundação Pró-Esportes de Santos), ele não apenas escreveu seu nome nos livros do esporte mundial, como também se tornou símbolo de superação e representatividade para toda a Baixada Santista.
O destino bateu à porta aos três anos
A trajetória de Nathan começou de forma quase mágica.
“Eu sempre digo que o esporte entrou na minha vida praticamente como destino”, relembra o atleta.
Com apenas três anos, enquanto ia para a escola de bicicleta com a mãe, ele se encantou ao ver pessoas treinando uniformizadas em uma academia.
“Nessa época, eu não sabia o que era taekwondo, karatê ou judô. Só vi o pessoal lá lutando de dobô e aquilo me encantou de uma forma incrível.”
Depois de muita insistência, a mãe finalmente o matriculou nas aulas. A partir daí, nasceu não apenas um atleta, mas uma paixão que moldaria toda a sua vida.
Construindo caminho no taekwondo convencional
Antes de se tornar campeão paralímpico, Nathan competiu durante anos no taekwondo olímpico, enfrentando adversários sem deficiência. Ele nasceu com uma má-formação no braço esquerdo.
“Eu sabia que tinha uma desvantagem, mas nunca me apeguei a isso. Quando eu perdia, entendia que precisava treinar mais, ser mais forte e mais rápido. Se eu tinha uma limitação, precisava me destacar em outro ponto.”
Essa mentalidade de aperfeiçoamento constante se tornaria uma de suas marcas. Ainda assim, o início da carreira trouxe desafios, principalmente os financeiros.
A família que sonhou junto
No começo, a falta de recursos foi um obstáculo enorme. Vindo de uma família simples, Nathan e os pais precisaram ser criativos para custear viagens e competições.
“A gente procurava apoio em lojas da cidade. Eu fazia apresentações no farol, uniformizado de dobô, mostrando chutes e golpes, enquanto minha família pedia ajuda de carro em carro.”
Foto: Nathan TorquatoEssas ações, aliadas a vaquinhas e muito esforço, marcaram seus primeiros passos.
“Minha família sempre viveu o meu sonho comigo. Acho que foi isso que me fez superar a parte financeira.”
O divisor de águas no Azerbaijão
Durante a trajetória, Nathan enfrentou um episódio marcante. Ele foi impedido de lutar no Azerbaijão por ser paratleta. No entanto, transformou a frustração em combustível.
“Eu poderia ter desistido, mas decidi transformar aquela situação em algo que me motivasse ainda mais.”
Em 2017, surgiu a chance de integrar a seleção de parataekwondo. O maior desafio, porém, não foi técnico, e sim interno.
“Foi uma lapidação pessoal. Eu precisei me reencontrar comigo mesmo”, conta Nathan, que credita ao técnico, Mestre Rodney Saraiva, o processo que o transformou em atleta profissional.
Anos depois, o destino mostrou sua ironia: Nathan retornou ao Azerbaijão para receber o prêmio de melhor atleta paralímpico de taekwondo dos Jogos de Tóquio, das mãos do presidente do país.
“Foi Deus me mostrando que eu tinha tomado a decisão certa. Ele me levou de volta para lá para me mostrar que tudo valeu a pena.”
Tóquio 2021: o momento mágico
Quando o parataekwondo estreou nos Jogos Paralímpicos de Tóquio, em 2021, Nathan estava pronto. Contudo, ele só compreendeu a dimensão da conquista ao voltar para casa.
“Eu estava tão concentrado que a ficha não caiu lá. Só entendi o tamanho do que fiz quando cheguei em Santos e vi a cidade mobilizada na carreata com o carro dos bombeiros. Foi emocionante.”
O ouro veio com humildade e estratégia.
“Sempre entrei com respeito pelo adversário e confiança em mim. Fui construindo a vitória chute a chute, round a round.”
A queda em Paris e o recomeço
No dia 30 de agosto de 2024, Nathan viveu outro teste. Durante a semifinal dos Jogos de Paris, ele vencia por 10 a 6 quando sofreu uma grave lesão no joelho. O adversário acabou campeão.
“Enxergo como uma nova queda, igual à do Azerbaijão. Foi mais uma chance de provar minha força.”
Depois de duas cirurgias, no joelho e no pulso, e um ano longe dos tatames, Nathan manteve o foco.
“No dia seguinte à lesão, já estava com a cabeça no lugar, pensando na recuperação.”
Hoje, sua prioridade é clara: voltar com saúde.
“Quero retornar bem, sem dor, sem medo. O resultado virá naturalmente.”
A meta, claro, é Los Angeles 2028.
“Eu e meu mestre acreditamos que eu estava ainda melhor em Paris do que em Tóquio. Se chegarmos fortes e saudáveis, a medalha virá.”
O legado além das medalhas
Para Nathan, o taekwondo vai muito além das conquistas.
“O taekwondo me moldou como pessoa. Me ensinou a ser resiliente, acreditar nos meus sonhos e entender que o trabalho duro sempre traz recompensa.”
Representar a Baixada Santista no cenário mundial é um orgulho constante.
“Muitas vezes, a gente não se imagina vencendo. Mas quando alguém daqui conquista algo grande, inspira os outros. Quero que os jovens olhem para mim e pensem: ‘Se ele conseguiu, eu também posso.’”
A região, reconhecida como uma das mais esportivas do país, tem em Nathan Torquato um exemplo vivo de que dedicação e apoio familiar transformam sonhos em realidade.
“Representar a minha cidade no mundo é um privilégio que pedi a Deus, e Ele me concedeu”, conclui o campeão.
Um pioneiro que, a cada chute, a cada luta, continua abrindo caminho para as próximas gerações.